domingo, 4 de janeiro de 2015

Amor aquático



Um dono de um peixinho dourado em Norfolk, na Inglaterra, pagou cerca de 300 libras (o equivalente a R$ 1,2 mil) em custos veterinários para livrar seu animal de um entupimento no intestino.
Fonte: BBC (02/01/2015)
Ele trazia os olhos marejados. Vestia um pijama listrado que o fazia parecer um prisioneiro. O cabelo ralo desgrenhado, barba por fazer. Naquelas condições, tinha aparência bem mais velha. Numa das mãos, carregava um saco com água e um peixe vermelho que parecia agonizar. O ser aquático borbulhava algo, como se quisesse gritar ou dizer por que se encontrava um tanto inchado, o que o fazia nadar oblíquo.
A veterinária estava boquiaberta com a cena. Não era para menos. Perguntou em que poderia ajudar. O peixe antecipou-se e disse que precisava de ajuda para o homem que estava transtornado com medo de que ele, o peixe, morresse. O homem falava e falava, mas coisas desconexas. Só um tempo depois conseguiu dizer que o seu amigo de tantos anos estava adoentado e precisava de ajuda. O quê, não soube dizer. Falou do inchaço na barriga e algo que sugeria uma prisão de ventre.
O peixe protestou que era uma bobagem, embora se sentisse ligeiramente incomodado. Festas de final de ano, você sabe. Pedia a cumplicidade da veterinária que lhe passou uma descompostura depois de saber que o peixe já havia passado dos trinta anos, algo como setenta na idade humana ou talvez mais. Que alguém naquela idade não podia se dar mais ao luxo de comer de tudo. O peixe fez muxoxos de quem se enfastiava daquela conversa. Mexeria os ombros se os tivesse para demonstrar sua indiferença.
O homem, que frisou umas quantas vezes não ser dono do peixe, mas que era seu amigo de convivência e que dividiam o apartamento há anos, pareceu se recompor. Que pagaria o que fosse para que a médica o salvasse. Nestes casos, disse a veterinária, teremos que fazer exames para identificar tudo, tintim por tintim. Então, de dentro do saco, entre gorgolejos incompreensíveis, o peixe gritou que colonoscopia nem por cima de seu cadáver. Pois é no que tu vai se tornar, ingrato, se tu não fores atendido, disse o homem. E chorou entre balbucios. O peixe se fez de desentendido e continuou falando com sua voz pastosa que em sua cloaca nada entrava, nem que fosse para salvá-lo da morte certa por entupimento.
A veterinária parecia acostumada àquelas cenas de gente esquisita. Cochichou algo ao ouvido do homem, que demonstrou concordar. O peixe, a esta hora, estava revirando a barriga para cima, pois como parecesse um balão, esta o forçava a ficar de ponta cabeça. Mesmo assim, esbravejou que estava bem e aquilo passaria com uma simples manobra de Heimlich. Não era verdade, mais um pouco e o cocô sairia pelas guelras.
Imediatamente, a veterinária colocou um anestésico na água e removeu o corpo do animal para a mesa de operação. Não sozinha, com a ajuda de três técnicos de enfermagem, pois o peixe estava obeso mórbido. Ali, uma ultrassonografia acusou um baita nódulo nas tripas. Retirar o empecilho não foi fácil e pior ainda o que saiu de dentro misturado a sons estrondosos. Havia gases também. Um exame simples pelo chão e teto da sala de cirurgia mostrou restos de panetone, panelada, espumante azedado, farofa e até papel de presente. Se recolhesse o material, ainda dava uma cesta básica. 
Recuperado e esguio que nem um atleta, o peixe se olhou no reflexo do vidro e aprovou o resultado. O homem, consolado, ria e xingava seu amigo pelo susto que o fizera passar e este, remoçado, não se fez de rogado e ainda perguntou à veterinária se ela tinha compromisso para aquela noite. Qual é sua graça, minha linda? Meu nome é Carassius (Carassius auratus auratus). Ouvir o nome a fez corar de vergonha e conter um sorrisinho nervoso. Ela, lisonjeada, disse que ele não estava ainda pronto para novas estripulias, mas quem sabe noutra hora. Aparentemente havia nascido um clima entre os dois.

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