Biólogo morto em 1972 é suspeito de ter usado
os próprios espermatozoides para fertilizar óvulos de pacientes ao longo de 20
anos.
O dono de uma clínica de fertilidade, aberta nos anos 1940, em Londres,
pode ser pai de cerca de 600 pessoas, segundo reportagem do jornal inglês
"Telegraph".
Fonte: Folha de São Paulo – caderno Saúde (11/04/2012)
Esta
é uma destas coisas que demora a gente se acostumar por aqui. A passagem do
tempo. De fato, mal nos damos conta desta medida a qual Eistein incluiu como
quarta dimensão. Encontrei-o outro dia... não, parou com a mania de botar a
língua para fora. Aquilo foi só uma traquinagem.
Enfim,
conversamos longamente, em alemão, vejam só! Eu que não sabia um “a” nesta
língua, aqui sei todas. Ele explicou relatividade, teoria do espaço-tempo e até
ensaiou me inteirar sobre o princípio da incerteza de Heisemberg. Acontece que
nada disso faz qualquer sentido por aqui, ou faz todo sentido, sei lá. Disse
que não vê a hora de conversar com o físico aleijadinho inglês (Stephen Hawking).
Aquele da cadeira de rodas elétrica! Como é? Fui politicamente incorreto?
Dane-se!
Mas
me perco. Eis que chegou deste lado um velho conhecido que viveu até os noventa
e tantos anos. A primeira coisa que fez foi me dar uma reprimenda. Claro, eu
não entendi nada. Mas como ele ainda estivesse em processo de adaptação,
entendi que fosse um jet lag, afinal
é uma viagenzinha danada de longe com um fuso horário completamente louco.
Parece que estamos no verão num dos pólos, é sempre de dia e sem sol, de modo
que é impossível saber as horas.
Esperei
meu velho amigo recuperar-se, mas para minha surpresa continuava cismado comigo.
Disse que o traí. Estava boiando. Até que, num ímpeto disse que eu era pai do
filho dele. Bom, aí a coisa enrolou de vez, pois se teve uma coisa que nunca me
atraiu foi a ilustre tribufu com quem ele se casou. Não a desmereço como
pessoa, entendam, apenas era um ser humano desprovido de qualquer atributo
estético relevante. Nunca entendi o que ele viu nela. Pedi que meu amigo
explicasse melhor. Ele, já refeito, disse que o buchicho do momento, pouco
antes dele chegar, é que certo biólogo, dono de uma clínica in vitro, usava o próprio esperma para
fecundar os filhos alheios. Trocando em miúdos. O tal tarado, louco, sem
vergonha, fui eu.
Cara,
isso doeu. Primeiro, porque havia esquecido esta história. Segundo, porque fiz
isso para ajudar aquelas famílias desesperadas. Terceiro, fiz por amor à
ciência. Agora, querer me tratar de Roger Abdelmassih, isto não aceito. Como é
que eu sei da história deste patife? Vocês estão pensando o quê? Que ficamos
tocando harpa e não se faz mais nada? Aqui tem a CNN cósmico-espiritual. Sem
contar que cada um que chega, conta histórias do arco da velha. Eu mesmo, cada
dia me convenço, melhor estar do lado de cá.
Voltando
ao tema. À época, meu amigo suplicou que eu ajudasse a que ele e a distinta
dama, sua mulher, engravidassem. Pô, só quis ajudar! O cara tinha os piores
espermatozóides da paróquia. Que mal haveria se eu, secretamente, contribuísse
para a felicidade de sua casa? Nasceu um menino forte e saudável, agora ele vem
todo amuado queixando-se de traição. Pai é quem cria, não estou certo?
Ele
disse que há uma verdadeira força tarefa fazendo exames de dna para provar que
sou o pai biológico de mais de 600 pessoas. Tiveram o despautério de revirar
meu esqueleto para retirar dna. Disse-me ele que a conta vai pelos 348 filhos e
a fila só aumenta.
Deixa
eu explicar. Um pioneiro tem que se sacrificar. Conversei com o Freud sobre
isso. Ele deu lá umas boas explicações. Que eu incorporei – mentalmente,
pessoal – o pai da horda primitiva ou coisa parecida. De fato, o episódio com
meu amigo abriu as portas do dilúvio e inundei as placas de petri, os tubos de
ensaio e sapequei, sim, espermatozóide de boa qualidade naquele óvulozinhos
lindos.
Eu era o próprio macho alfa
cumprindo o mandamento bíblico de encher a terra. Não é para me gabar não, mas
se tinha que encher o mundo, por que não com uma prole de um sujeito
inteligente e bom camarada? Não me arrependo. Só vou fazer uma coisa, aquele
meu amigo é danado de fofoqueiro, com certeza vai contar para a Matilda, minha
mulher e sócia na clínica. Vou logo pedir desculpas por este pequeno deslize
que cometi, se não o pau vai quebrar quando eu chegar em casa.
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