domingo, 15 de junho de 2014

Zelota – a vida e o tempo de Jesus de Nazaré



O livro de Reza Aslan, escritor de origem iraniana, radicado nos EUA, teria passado relativamente sem chamar a atenção, não fosse o imbróglio em que foi metido. Não o desmereço: ele se inscreve no imenso rol de obras que tentaram desqualificar a fé cristã, ou Jesus, ou a Bíblia, seja por boa ou má intenção. Independente da questão de fé, mesmo apenas se considerando o dado científico (histórico), ainda não será desta vez. O mérito do livro é fazer uma tentativa de esclarecer o Jesus histórico. Peca, porém, na pretensão de querer reinventar a roda.
O livro foi publicado no Brasil pela ed. Zahar este ano e já veio carregado de polêmica, embora em nosso país não conste que tenha havido manifestações ou artigos irados contra suas pretensas heresias. Ou o livro foi ignorado ou nós não estamos nem aí para o que o autor diz.
Nos EUA, uma entrevista no canal conservador Foz News, Aslan foi questionado pela apresentadora que indagava como é que, sendo muçulmano, se atrevia a escrever um livro sobre Jesus. Convenhamos, uma pergunta idiota. Aslan não se intimidou com a saia justa e respondeu que escreveu na qualidade de estudioso com doutorado e especialização em história das religiões e ainda, segundo disse, teria 20 anos de estudos sobre a origem do cristianismo.
À parte, movimentos cristãos repercutiram a entrevista e criticaram duramente o conteúdo do livro que julgaram ofensivo. O fato é que depois desta propaganda inesperada, o livro Zelota explodiu em vendas e se tornou um best seller.
O que tem Zelota de especial? Acredito que o autor é sincero. Fez um bom trabalho de pesquisa. A escrita é agradável e a história flui bem conforme se propôs o autor. Foge dos jargões acadêmicos, afinal, foi pensado para o público em geral. Acerta no personagem, pois se alguém quer se fazer notar, basta escrever qualquer coisa – de preferência questionando a visão da maioria – sobre um personagem reverenciado por um grupo, seja religioso ou não.
Aslan não é muçulmano. É ateu, casado com uma americana que, parece, é de tradição cristã. O livro, como autor faz questão de explicar, está à procura do personagem histórico Jesus, do homem de carne e osso. O Jesus, nas palavras de Aslan, messiânico, milagroso, etéreo, místico e salvador, nunca lhe interessou. Esta afirmação é honestamente demonstrada ao longo do livro. Mais: há uma intenção determinada em desconstruir o Jesus da religião. Quase tudo de suas características são atribuídas aos cristãos e sua nova religião que fazem, segundo Aslan, adaptações, forçam fatos, reinterpretam as Escrituras segundo suas conveniências. Um exemplo. Aslan critica duramente o discurso de Estevão, o primeiro mártir cristão, e diz que está eivado de inconsistências e que chega mesmo a ser incoerente.
Naquele intento, Aslan se anima a interpretar várias passagens bíblicas e, naturalmente, este é seu calcanhar de Aquiles. Toma um texto por si, sem qualquer inter-relação com o todo da Bíblia. Nestes momentos, ele sai do personagem estudioso, fascinado pela figura humana de Jesus como diz, e se torna alguém que tem intenção outra, não confessada. Chega a ultrapassar o razoável ao fazer certas afirmações para as quais não apresenta provas de qualquer espécie. Apesar da grande lista de referências, na maioria das vezes em que interpreta passagens – sem observar as regras mais comezinhas de exegese e hermenêutica – parece ser fruto apenas de um achismo. Na página 154, por exemplo, ele perora sobre Jesus ter dúvida sobre quem era porque, aparentemente, ele se contradiz. É sua interpretação particular das passagens de Mateus 16.17; 20; 17.9-13.
Em vários outros momentos, ele afirma categórico que o Jesus da Igreja Primitiva é meramente uma construção, feita por engendros de mentes fanáticas, gente que mentiu ou aumentou seus feitos. Questiona a autenticidade dos Evangelhos e critica os métodos de Lucas para escrever seu Evangelho e o livro de Atos dos Apóstolos. Superficial, ele insiste em dizer que profetas e milagreiros no tempo de Jesus se achavam a cada esquina. Verdade, o Novo Testamento cita vários destes. Para Aslan, Jesus seria apenas mais um. Talvez mais excepcional que os demais, pois suspeita que ele era um gênio.
Na página 164, uma frase mostra uma de suas conclusões: “Independentemente da forma como Jesus via a si mesmo, a verdade é que ele nunca foi capaz de estabelecer o Reino de Deus.” A frase dispensa comentários.
Vale a leitura? Manter a mente aberta e aproveitar as informações históricas e geográficas que o livro apresenta é uma forma de fazer sua leitura e, como disse Paulo, reter só o que for bom.

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