O livro de
Reza Aslan, escritor de origem iraniana, radicado nos EUA, teria passado
relativamente sem chamar a atenção, não fosse o imbróglio em que foi metido. Não
o desmereço: ele se inscreve no imenso rol de obras que tentaram desqualificar
a fé cristã, ou Jesus, ou a Bíblia, seja por boa ou má intenção. Independente
da questão de fé, mesmo apenas se considerando o dado científico (histórico),
ainda não será desta vez. O mérito do livro é fazer uma tentativa de esclarecer
o Jesus histórico. Peca, porém, na pretensão de querer reinventar a roda.
O livro foi
publicado no Brasil pela ed. Zahar este ano e já veio carregado de polêmica,
embora em nosso país não conste que tenha havido manifestações ou artigos
irados contra suas pretensas heresias. Ou o livro foi ignorado ou nós não
estamos nem aí para o que o autor diz.
Nos EUA, uma
entrevista no canal conservador Foz News, Aslan foi questionado pela
apresentadora que indagava como é que, sendo muçulmano, se atrevia a escrever
um livro sobre Jesus. Convenhamos, uma pergunta idiota. Aslan não se intimidou
com a saia justa e respondeu que escreveu na qualidade de estudioso com
doutorado e especialização em história das religiões e ainda, segundo disse,
teria 20 anos de estudos sobre a origem do cristianismo.
À parte,
movimentos cristãos repercutiram a entrevista e criticaram duramente o conteúdo
do livro que julgaram ofensivo. O fato é que depois desta propaganda
inesperada, o livro Zelota explodiu em vendas e se tornou um best seller.
O que tem
Zelota de especial? Acredito que o autor é sincero. Fez um bom trabalho de
pesquisa. A escrita é agradável e a história flui bem conforme se propôs o
autor. Foge dos jargões acadêmicos, afinal, foi pensado para o público em
geral. Acerta no personagem, pois se alguém quer se fazer notar, basta escrever
qualquer coisa – de preferência questionando a visão da maioria – sobre um
personagem reverenciado por um grupo, seja religioso ou não.
Aslan não é
muçulmano. É ateu, casado com uma americana que, parece, é de tradição cristã.
O livro, como autor faz questão de explicar, está à procura do personagem
histórico Jesus, do homem de carne e osso. O Jesus, nas palavras de Aslan,
messiânico, milagroso, etéreo, místico e salvador, nunca lhe interessou. Esta
afirmação é honestamente demonstrada ao longo do livro. Mais: há uma intenção
determinada em desconstruir o Jesus da religião. Quase tudo de suas
características são atribuídas aos cristãos e sua nova religião que fazem,
segundo Aslan, adaptações, forçam fatos, reinterpretam as Escrituras segundo suas
conveniências. Um exemplo. Aslan critica duramente o discurso de Estevão, o
primeiro mártir cristão, e diz que está eivado de inconsistências e que chega
mesmo a ser incoerente.
Naquele
intento, Aslan se anima a interpretar várias passagens bíblicas e,
naturalmente, este é seu calcanhar de Aquiles. Toma um texto por si, sem
qualquer inter-relação com o todo da Bíblia. Nestes momentos, ele sai do
personagem estudioso, fascinado pela figura humana de Jesus como diz, e se
torna alguém que tem intenção outra, não confessada. Chega a ultrapassar o
razoável ao fazer certas afirmações para as quais não apresenta provas de
qualquer espécie. Apesar da grande lista de referências, na maioria das vezes
em que interpreta passagens – sem observar as regras mais comezinhas de exegese
e hermenêutica – parece ser fruto apenas de um achismo. Na página 154, por
exemplo, ele perora sobre Jesus ter dúvida sobre quem era porque,
aparentemente, ele se contradiz. É sua interpretação particular das passagens
de Mateus 16.17; 20; 17.9-13.
Em vários
outros momentos, ele afirma categórico que o Jesus da Igreja Primitiva é
meramente uma construção, feita por engendros de mentes fanáticas, gente que
mentiu ou aumentou seus feitos. Questiona a autenticidade dos Evangelhos e
critica os métodos de Lucas para escrever seu Evangelho e o livro de Atos dos
Apóstolos. Superficial, ele insiste em dizer que profetas e milagreiros no
tempo de Jesus se achavam a cada esquina. Verdade, o Novo Testamento cita
vários destes. Para Aslan, Jesus seria apenas mais um. Talvez mais excepcional
que os demais, pois suspeita que ele era um gênio.
Na página 164,
uma frase mostra uma de suas conclusões: “Independentemente da forma como Jesus
via a si mesmo, a verdade é que ele nunca foi capaz de estabelecer o Reino de
Deus.” A frase dispensa comentários.
Vale a
leitura? Manter a mente aberta e aproveitar as informações históricas e
geográficas que o livro apresenta é uma forma de fazer sua leitura e, como
disse Paulo, reter só o que for bom.
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