domingo, 15 de junho de 2014

A Copa



Tentei fugir do tema – a Copa –, mas foi difícil. Ela está onipresente em todos os meios de comunicação. Tenho cá meus senões em relação à sua realização no país. Para muitos, os que pensam como eu, são, no mínimo, não patriotas. Mas em nome da pátria se costuma cometer as maiores sandices. Não à toa o gênio de Samuel Johnson – jornalista, tradutor e escritor inglês do séc. XVIII – argutamente cunhou uma frase lapidar contra os que se refugiam neste sentimento em desfavor da verdade, da justiça e de qualquer outra coisa que se julgue boa, mas renega sua visão de mundo: “o patriotismo é o último refúgio de um canalha”.
Parece que não estou só em meu desconforto. O brasileiro médio – esta entidade que desconheço –, que ajudou a dar nome ao mascote da Copa, escolheu o mais representativo de nossa verve humorística, mas também de nosso desconcerto. O pobre tatu-bola recebeu a alcunha de fuleco. No Nordeste, esta palavra está tão perto de fuleiro que é quase impossível não lembrá-la. Seria isto uma premonição? Aliás, você viu o fuleco na abertura da Copa? Acho que cavou um buraco e meteu-se dentro.
        Vaias e xingamentos cabeludos contra a Dilma – a presidente – e o público levou apenas um ou dois fotogramas para percebê-la escondida, encarapitada na bancada de honra do estádio. No dia seguinte, desacorçoada, carregada de imenso despeito e ressentimento, desandou a discursar platitudes numa inauguração eleitoreira em Brasília. Mais animada no discurso frouxo porque uma banda de colunistas resolveu chamar de mal educados os que lhe sapecaram a estrondosa vaia. Tivesse lido Nelson Rodrigues, saberia que “a grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem”. Mas vai tentar convencer um esquerdista disso, eles que padecem de um mal ontogenético: são incapazes de suportar o contraditório.
É, mas o Blatter, presidente da Fifa, também não quis falar por medo de vaias experimentadas na Copa das Confederações e foram, ele e ela, no último minuto do segundo tempo, substituídos por pombos soltos por três crianças representando as três raças que formaram o Brasil. As pombas brancas voaram tontas sobre aquele mar de gente e o barulho infernal que conseguem fazer. Se arrulharam alguma coisa, o microfone estava desligado para elas. Teriam xingado quem lhes meteu naquela enrascada?
        Mas o jogo prosseguiu do jeito que pôde. As luzes do estádio apagando como se fosse uma discoteca. O vestiário da Croácia alagou sem chuva, assim esculhambou o técnico croata com mais uma explicação, esta exótica como seus nomes, para a derrota por  3 a 1. O juiz errou em favor do Brasil. Fred, o pegador da Globo, não pegou absolutamente nada e numa única vez que tocou na bola, no final do 2º tempo, enroscou os pés na brazuca e caiu como uma jaca madura. Cavou o pênalti. Mas cavar, no futebolês ou fora dele, é sinônimo para malandragem explícita. É tudo, menos fair play. Os jogos do dia seguinte, porém, provaram que a Fifa conseguiu escalar o pior time de técnicos do mundo. México ganhou de Camarões, apesar de dois gols legítimos anulados. Em outra frase, Nelson nos lembra: “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola.” Ele, que além de frasista foi um incrível observador da vida nacional, sabia que o jogo é metáfora de nós mesmos. Não me refiro ao Fred enganar, mas de nós ignorarmos que ele o fez por que o pênalti nos beneficiou.
        A cereja do bolo, anunciada com pompa e circunstância por meses e depois de consumir 33 milhões de reais de dinheiro público, seria o chute do paraplégico ajudado por um equipamento ultrassofisticado que, não sei por que razão, estava espalhafatoso com luzinhas multicoloridas. Imaginei que o tal robô andaria até o centro do gramado e ali, apoteoticamente, chutaria a pelota. Nada disso. Num canto qualquer, sobre uma rampa, escorado por dois ajudantes, fez a demonstração que durou míseros três segundos. E por que pensei que o robô andaria? Porque ele o faz no vídeo animado de propaganda do feito. Inclusive chuta a bola de trivela. Precisava exagerar?

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