domingo, 27 de julho de 2014

A lição de “O Planeta dos Macacos – o confronto”




Ao assistir Planeta dos Macacos – O Confronto, pensei várias vezes no conflito entre israelenses e palestinos que neste momento chega a um de seus muitos momentos críticos. Imagino que, dentre as várias ideias possíveis para interpretar o filme, esta não tenha sido a intenção dos produtores e roteiristas.
Neste filme, quinze anos se passaram desde a fuga dos macacos. No período, uma gripe símia, fruto de uma experiência genética, dizimou quase toda a população humana. Os macacos prosperaram numa comunidade inclusiva, cooperativa e pacífica numa floresta nas proximidades de São Francisco. César, o primeiro macaco a se tornar inteligente e libertador dos demais, é seu líder inconteste.
Um incidente coloca os dois grupos em novo confronto. Um humano, por medo e susto, mata um macaco adolescente. A partir daí operará a lógica que explica tantas disputas e guerras entre povos hoje. No papel de ressentido, vingativo e desconfiado está Koba, um chimpanzé que era líder entre os macacos antes da libertação e que foi suplantado por César. Ele odeia os humanos porque foi vítima de experiências de laboratório.
Koba, possivelmente, nunca aceitou uma posição subalterna. A morte do jovem macaco lhe dá uma razão a mais para questionar a liderança – e isso vai num crescendo cada vez mais ousado – de César. Ao mesmo tempo, ele instiga os macacos para atender seu plano de vingança. Ele usará todas as suas artimanhas e ódio para provocar uma guerra, confronto a que César resiste. Ele argumenta a perda de vidas, das famílias, de tudo que construíram.
A comunidade de macacos vive em paz sob a liderança de César, mas regida por uma lei maior de cooperação e que nenhum macaco deve matar outro macaco e que unidos eles são fortes. Na luta pelo lugar de supremacia nesta nova ordem, os dois grupos, em vários momentos usarão argumentos que desconstroem o outro. Quando um humano vê apenas um macaco, ele o chama de animal, como que a rebaixá-lo a uma condição em que é válido aniquilá-lo. Quando os macacos julgam todos os humanos como maus, eles incorrem no mesmo erro.
Desconstruir o adversário, apelidá-lo, deformá-lo, alegar práticas horrendas para minha sensibilidade cultural/religiosa é uma forma de distanciamento e de manutenção da minha própria convicção. Muita gente não deseja perdê-la, sob pena de perder-se de si mesmo. Resultado: medo, insegurança, violência.
Como grupos black bloc, Koba usa as leis de livre manifestação para destruir a ordem e para tentar suplantá-la. Como eles usam o vale-tudo, sempre alegando a defesa de supostos direitos que julgam lhes ser negados, Koba está disposto a fazer qualquer coisa para atingir seu objetivo. Quando é questionado, mostra marcas de seu sofrimento em experiências, acusa César de gostar mais de humanos que de seus iguais. Os Black Bloc nem sequer isto tem para justificar-se.
O desesperado Koba é como as minorias radicais – algumas delas muçulmanas. Usam o espaço democrático para impor seus desejos e planos, mas são incapazes de estender este valor a outros. Quando pegos em delito, justificam-se pela exclusão que dizem sofrer ou se escoram em suas leis religiosas e culturais, valores estes que a sociedade democrática e, particularmente, sob o tacão do politicamente correto, tem medo de questionar e quando o faz, logo encontram tolos dentro desta mesma sociedade que criticam esta postura em nome de uma tolerância ou não discriminação que não encontra lugar em qualquer espaço organizado onde existam leis e limites. As ditas minorias, os black blocs aprenderam a desfaçatez como arma, o descaramento como aríete em favor de seus interesses.
César estabeleceu uma lei que é seguida à risca entre os macacos: macaco não mata macaco. Koba ultrapassa esta linha num atentado contra César com uma arma humana. Como Nero, queima a própria casa para acusar aos humanos. No caos, ele prospera. Na conversa falsa. Na posição de vítima. Com a aparente morte de César, Koba lidera um ataque contra os humanos. Centenas morrem dos dois lados. Na primeira oportunidade, ele prende antigos aliados de César e mata o primeiro que se nega a atendê-lo e o faz como um espetáculo de medo para dominar. Em logo diz: macacos agora seguir Koba.
César se recuperará e terá a oportunidade de constatar que eles não são muito diferentes dos humanos na perfídia. Ele, que julgava os macacos superiores, como se tivesse lido Voltaire e sua teoria do bom selvagem. Reconhece também que tudo que aconteceu é sua culpa, pois ele viu quem Koba era e decidiu confiar nele assim mesmo e não o impediu quando teve chance. Ele foi fiel à sua lei, mas nenhuma lei é absoluta. Não existe nada absoluto na precariedade humana ou símia. Uma lei ou norma deverá ser aplicada sempre em seu contexto apropriado, não serve como panaceia para todas as circunstâncias.
Por fim, César tem a oportunidade de confrontar o usurpador numa luta feroz pela alma e mando do grupo. Um sangrento combate entre os dois acontece sob o olhar atônito dos macacos. Koba, pendurado e prestes a cair, vê seu inimigo César se aproximar e, para salvar-se, usa a regra de ouro: um macaco não mata outro macaco. Ele tenta manipular César, criador da lei. Aparentemente César hesita: está diante de uma decisão terrível e do olhar de todos os demais que poderão julgá-lo. Mas, um líder uma hora enfrentará decisões difíceis. César chega a segurar a mão de Koba, então lhe diz: mas você não é um macaco.
Para mim, este é o ponto alto do filme. Koba quis mais uma vez usar a boa lei contra seu criador, ele que não acreditava nela, como tantos entre nós que querem a boa lei para atingir seus objetivos fanáticos, antidemocráticos, ditatoriais.

A história está muito bem contada. O filme é um primor de efeitos especiais. Vale cada minuto de projeção.

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