Aquilo era uma aflição. Na
primeira vez pareceu tão fácil, ele se lastimava. Agora havia que ter todo
cuidado do mundo. Se colocasse demais, o povo veria e, despeitado, negaria o
voto. Se colocasse de menos, seria motivo de chacota e desconfiança. A troça viria
dos colegas, a suspeita da receita, até porque era impossível negar as fotos
nas quais esbanjava prosperidade. Sem contar as roupas bem cortadas, a farta
cabeleira implantada, os anelões no dedo e um cordão de ouro a la MC que fazia
questão de deixar por fora do paletó até nas sessões da Câmara. Era sua marca
registrada, que nem as alpercatas do ex-senador pernambucano Ney Maranhão.
Aquela era a oitava versão da
lista. Com paciência oriental, o contador, amigo de longa data do carteado,
dava pouca opinião de tão cansado com aquele puxa-encolhe. Então, Gumercindo,
ponho ou não ponho o Cafuringa? Que Cafuringa? Aquele jumento cruzador de égua.
Mas tu colocou o Cafu – não confundir com o lateral pentacampeão, quando ainda
se ganhava alguma coisa com a seleção de futebol – na lista da primeira eleição
há dois mandatos. Mas ele tá vivo. Não vale mais nada. E o valor emocional, não
conta? Patrimônio imaterial tem preço, sim, senhor.
E tu passou na ficha limpa? Quis
saber o contador. Nessa aí tô bem. A candidatura vai de vento em popa. O diabo
é essa lista de patrimônio. Está bem, põe o Cafu. Mas aviso, vai ser motivo de
riso. Não importa, o Cafu vai dar um tom de humildade à campanha. Vão até querer
tirar foto. Aproveito para cobrar e dizer que é pra ajudar nos gastos.
O apartamento da Ritinha, vai
botar? Isso não, rapaz, se a Zuleica sabe disso eu tô frito. Tenho mais medo
dela do que da Receita. Diz aí que tenho uns trocados em casa. O contador olha
com cara de preocupação. Coloca, homem! A Dilma já colocou e um monte de peixe
grande também. E o faz-me rir da presidenta até aumentou debaixo do colchão,
acredita? Disfarça que é uma beleza ganhos não contabilizados. E quem vai dizer
que não tenho? Joca, isso atrai ladrão. Agora vão saber que tu guarda uma
bolada em casa. Arrisca até sofrer sequestro pelo dinheiro. Bobagem. Os
larápios sabem que é só mentira.
Que mais? O fusca 78. E aquilo
ainda anda? Ô se anda. Máquina alemã, meu filho. Mete sete a um sem pestanejar.
Olha esta história de sete a um parece muito com 171, coisa que tu deve correr
como o cão corre da cruz e evitar até falar. E vai parecer também que sou
despatriota, né? Pois é, vamos ao que interessa. Vários colegas colocaram
barcos, lanchas. Põe uma voadeira. E tu tem uma? Tenho no açude. Está furada,
mas já mandei remendar. Não posso ostentar, Gumercindo. Ora, se o Lobão Filho
botou um helicóptero avariado, porque eu não uma voadeira furada? Tenho que
parecer remediado. Pobre não gosta de um outro ter se dado bem, ele prefere
votar no ricão que sempre foi ou ele não sabe a origem da riqueza, tipo aqueles
que estão há anos encalacrados na política.
Talvez mais duas vaquinhas. A
mocha pretinha e a pintada. Se colocar um bode a mais, vão dizer que tenho
fazenda. E não tem? Gumercindo, tu é meu contador e amigo ou um delator? E eu
te pago pra quê? Pra dar ideia besta, me contrariar? Oxe! Tô aqui espremendo o
juízo pra fazer esta lista e tu aí querendo colocar coisa exorbitante. Meu
patrimônio é o povo, rapaz, não é coisa não, que pra isso eu não tô nem aí.
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