domingo, 27 de julho de 2014

O patrimônio do candidato



Aquilo era uma aflição. Na primeira vez pareceu tão fácil, ele se lastimava. Agora havia que ter todo cuidado do mundo. Se colocasse demais, o povo veria e, despeitado, negaria o voto. Se colocasse de menos, seria motivo de chacota e desconfiança. A troça viria dos colegas, a suspeita da receita, até porque era impossível negar as fotos nas quais esbanjava prosperidade. Sem contar as roupas bem cortadas, a farta cabeleira implantada, os anelões no dedo e um cordão de ouro a la MC que fazia questão de deixar por fora do paletó até nas sessões da Câmara. Era sua marca registrada, que nem as alpercatas do ex-senador pernambucano Ney Maranhão.

Aquela era a oitava versão da lista. Com paciência oriental, o contador, amigo de longa data do carteado, dava pouca opinião de tão cansado com aquele puxa-encolhe. Então, Gumercindo, ponho ou não ponho o Cafuringa? Que Cafuringa? Aquele jumento cruzador de égua. Mas tu colocou o Cafu – não confundir com o lateral pentacampeão, quando ainda se ganhava alguma coisa com a seleção de futebol – na lista da primeira eleição há dois mandatos. Mas ele tá vivo. Não vale mais nada. E o valor emocional, não conta? Patrimônio imaterial tem preço, sim, senhor.

E tu passou na ficha limpa? Quis saber o contador. Nessa aí tô bem. A candidatura vai de vento em popa. O diabo é essa lista de patrimônio. Está bem, põe o Cafu. Mas aviso, vai ser motivo de riso. Não importa, o Cafu vai dar um tom de humildade à campanha. Vão até querer tirar foto. Aproveito para cobrar e dizer que é pra ajudar nos gastos.

O apartamento da Ritinha, vai botar? Isso não, rapaz, se a Zuleica sabe disso eu tô frito. Tenho mais medo dela do que da Receita. Diz aí que tenho uns trocados em casa. O contador olha com cara de preocupação. Coloca, homem! A Dilma já colocou e um monte de peixe grande também. E o faz-me rir da presidenta até aumentou debaixo do colchão, acredita? Disfarça que é uma beleza ganhos não contabilizados. E quem vai dizer que não tenho? Joca, isso atrai ladrão. Agora vão saber que tu guarda uma bolada em casa. Arrisca até sofrer sequestro pelo dinheiro. Bobagem. Os larápios sabem que é só mentira.

Que mais? O fusca 78. E aquilo ainda anda? Ô se anda. Máquina alemã, meu filho. Mete sete a um sem pestanejar. Olha esta história de sete a um parece muito com 171, coisa que tu deve correr como o cão corre da cruz e evitar até falar. E vai parecer também que sou despatriota, né? Pois é, vamos ao que interessa. Vários colegas colocaram barcos, lanchas. Põe uma voadeira. E tu tem uma? Tenho no açude. Está furada, mas já mandei remendar. Não posso ostentar, Gumercindo. Ora, se o Lobão Filho botou um helicóptero avariado, porque eu não uma voadeira furada? Tenho que parecer remediado. Pobre não gosta de um outro ter se dado bem, ele prefere votar no ricão que sempre foi ou ele não sabe a origem da riqueza, tipo aqueles que estão há anos encalacrados na política.

Talvez mais duas vaquinhas. A mocha pretinha e a pintada. Se colocar um bode a mais, vão dizer que tenho fazenda. E não tem? Gumercindo, tu é meu contador e amigo ou um delator? E eu te pago pra quê? Pra dar ideia besta, me contrariar? Oxe! Tô aqui espremendo o juízo pra fazer esta lista e tu aí querendo colocar coisa exorbitante. Meu patrimônio é o povo, rapaz, não é coisa não, que pra isso eu não tô nem aí.

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