sexta-feira, 25 de julho de 2014

Ariano Suassuna



Em 2007 aconteceu a primeira Feira do Livro de São Luís, a Felis. Naquele ano, o homenageado foi Ariano Suassuna. Com 80 anos à época, esbanjava disposição, bom humor e paciência para conversar, ouvir e dar autógrafos. A força física já não era tanta, mas como diz o apóstolo Paulo, escrevendo aos Coríntios: “Por isso, não desanimamos; pelo contrário, mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo, o nosso homem interior se renova de dia em dia.” (2 Co 4.16) Assim se nos apresentou Suassuna.

Deu-nos duas palestras inesquecíveis em que desfiou seu bom humor sobre o qual nos disse ser parte de sua própria natureza. Falou na Câmara Municipal, onde recebeu o título de cidadão de São Luís e depois na própria Felis. É dispensável dizer que não havia lugar para por o pé, tanta era a gente que queria ouvi-lo. Nós maranhenses, que outrora contávamos com tantos representantes das letras, recebemos Suassuna como se fosse uma pequena divindade. E o ouvimos embevecidos.

Um dia depois de sua partida, eu mesmo lançaria meu livro Vagamundos na feira. Então, ainda na Câmara, dei-lhe o livro com tanta cerimônia e medo, que por pouco não desisti. À tarde, no hotel onde estava hospedado, fui disfarçado de jornalista com a equipe do Guesa Errante – suplemento literário do JP – que faria entrevista exclusiva com Ariano.

Apresentações e a entrevista começou. Entre as pérolas de sua fala está como explicou seu desamor, por assim dizer, ao político João Pessoa, que deu nome à capital da Paraíba, e, segundo Ariano, era inimigo de sua família. Admirada, a repórter indagou como era ter inimigo desde a infância e ele: “Ah, minha filha, sertanejo guarda raiva em pé de pote.” E completou: “Além do mais, a gente fica sujeito a gracinha. Em Pernambuco, o pessoal pergunta a mim: O senhor é filho natural de João Pessoa? (Risos) Eu nem gosto do homem e ainda passo por estas humilhações.”

Lá pelas tantas, Ariano havia dado alguma indiretas de que não puxassem muito por ele, pois tinha o mal de ficar rouco se falasse muito. A entrevista se encaminhava para o fim, e então professor Alberico, editor do Guesa, me apresentou como o autor do Vagamundos. Lembrou-se de que eu havia lhe dado o livro. Suassuna olhou para mim, deu-me um abraço e falou que após o almoço havia dado uma lida em algumas das histórias e, como prova que não me agradava, discorreu sobre o personagem Diarroba por quem quedou-se de admiração.

Fiquei como sem fala. Ele ali achando pontes com outros personagens literários das andanças de suas leituras. Não deu conselhos. Não foi professoral. Tratou-me como se fosse um seu igual, eu que nem ousaria tal coisa. Só queria estar perto, ouvi-lo contar de eras, lugares, gentes que ele conhecia como se – não pela idade – ele tivesse atravessado longos períodos de tempo com aquele rosto, roupas, sotaque e maneiras que pareciam de um tempo deslocado deste aqui. Não parecia atrasado para mim. Era um visitante de outros mundos e eu só queria aprender um pouco.

Naquela entrevista pudemos ver pelas frestas de sua fala que se tratava de um humanista, um amante das artes – a brasileira e nordestina – pois tinha com as produções estrangeiras, particularmente os enlatados americanos, uma ingrisia. Declarou a influência dos irmãos Azevedo (Artur e Aluísio), escritores maranhenses; a sua antipatia pelo “O Mulato”, obra que dizia carregar um positivismo determinista, dando ao problema da raça uma dimensão que ela, segundo ele, não tem. E acrescentou: “Eu não acredito nessa história de raça. Para mim, só existe a raça humana.” Ah, se certas correntes política aprendessem com o mestre!

Ariano Suassuna deixa um legado importantíssimo ao povo brasileiro. Explica-nos, declara-nos, particularmente aos nordestinos. Que alegria ter convivido com Ariano, ainda que tenha sido por tão pouco tempo. Vai, Ariano-nordestino, Ariano-brasileiro, Ariano-sertanejo, conversar com Deus.  


Trechos da entrevista concedida por Ariano Suassuna ao escritor Alberico Carneiro (editor de O Guesa Errante) e à jornalista Kátia Persovisan publicada no Jornal Pequeno em 12 de janeiro de 2008.


Quando Ariano Suassuna, o cidadão, descobriu o escritor Ariano Suassuna?

AS: Eu comecei muito cedo. Eu sou muito enxerido. Eu comecei a escrever com doze anos de idade. Agora você deve imaginar a qualidade do que eu fazia com doze anos. Era um negócio péssimo. Mas meu primeiro poema foi aos dezoito anos e depois daí não parei mais.


JP: O senhor falou hoje de dois autores maranhenses, Sousândrade e Gonçalves Dias. Com quais autores maranhenses o senhor chegou a ter contato.

AS: Olhe, os dois irmãos Azevedo me exerceram grande influência, Aluísio e Artur. O Artur mais... Menino eu li um conto dele, O Plebiscito, você já leu? É uma história engraçadíssima. Um menino está lendo. É uma casa de interior, burguesa, de pequena classe média. De repente o menino diz: “Papai, o que é plebiscito?” É interessante a colocação, não é?

Depois eu li os contos de Artur Azevedo e o próprio teatro e acho que ele merece até uma atenção maior do que aquela que a crítica brasileira dá a ele. Aluísio de Azevedo eu li com grande encanto na adolescência, O Cortiço. Acho uma obra-prima. O Mulato eu não gosto não. Eu acho um certo positivismo determinista, dando ao problema da raça uma dimensão que ela não tem. Eu não acredito nessa história de raça. Para mim, só existe a raça humana. Eu não simpatizo muito com O Mulato, não. Li Casa de pensão, li O livro de uma sogra, mas o livro que me tocou mesmo foi O Cortiço, que está citado no romance que estou escrevendo.


JP: Em qual cidade o senhor nasceu?

AS: Eu nasci na capital da Paraíba. Mas não gosto que se espalhe isso não. Eu sou descendente de quatro famílias sertanejas. Com um ano de idade eu fui para o sertão. Fui criado no sertão da Paraíba, de maneira que não gosto muito não. Para não parecer que é desfeita com minha terra, eu gostava da minha terra até 1930, quando tinha três anos e quando eu tinha três anos mudaram o nome da cidade. A cidade chamava-se Paraíba, um nome tão bonito... Eu não gosto desse atual (João Pessoa).


JP: Por que?

AS: Primeiro, eu não gosto dessa família. Essa família é inimiga da minha desde que eu era menino.


JP: O senhor está chegando a esta idade e o senhor tem esses inimigos desde que era criança?

AS: Ah, minha filha, sertanejo guarda raiva em pé de pote.


JP: É tipo cachorro vingativo. (Risos)

AS: Além do mais, a gente fica sujeito a gracinha. Em Pernambuco, o pessoal pergunta a mim: O senhor é filho natural de João Pessoa? (Risos) Eu nem gosto do homem e ainda passo por estas humilhações.


JP: Eu estou satisfeito pelas perguntas que fiz, eu gostaria que outras pessoas também se manifestassem, se quiserem fazer alguma pergunta.

AS: Se puder me liberar, eu agradeço, mas se quiserem alguma coisa eu também respondo.


Disponível em: http://www.guesaerrante.com.br/2008/3/12/Pagina989.htm

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