Bate o sino pequenino, sino de Belém... Entramos no frenesi do Natal. A palavra não é adequada, porque evoca exaltação ou delírios violentos, o que não encaixa com o espírito de Natal histórico, que lembra uma calma noite de verão nos arredores da pequena Belém de dois mil anos atrás. Bem diferente da Belém de hoje, cercada de muros e disputada a tiros, homens ou mulheres bombas, intolerância e incompreensão, sectarismo religioso.
O mundo virou de ponta cabeça desde então. Não que fosse arrumadinho, mas tratamos de dar ao Natal outros sentidos que o capitalismo resumiu apenas na melhor data do ano para vender e embrulhou em papel de presente e decorações feéricas. Representou por um velhinho de vermelho que voa num trenó puxado por renas mágicas e é ajudado por duendes e vive no pólo norte. E tudo isso soa normal, porque somos ensinados desde pequenos. Lembro bem da emoção de olhar debaixo da rede ou cama na manhã de natal. Não era na lareira ou debaixo da árvore porque não tínhamos ambas, embora em minha mente a paisagem estivesse branca de neve num calor de 35º. Aquela emoção era boa, não o brinquedo que logo estava esquecido num canto.
Mas frenesi é o que se vê nas ruas atopetadas, nas avenidas engarrafadas, nas filas serpenteantes para quase tudo, que as pessoas suportam de forma estóica e até risonhas. E compram, compram como que enfeitiçadas. Feio é não carregar uma sacolinha qualquer, para muitos é quase uma crise existencial. Comprar é fácil, satisfaz ao gozo do poder, principalmente se o produto é uma traquitana eletrônica “da hora” de menos de cem reais que serão pagos em 24 vezes a juros escorchantes, mas quem se importa?
E não é em nome disso, esta fantasia, que todos defendem a magia do Natal? Lembro, porém, que me incomodava não poder brincar no trenó que agora se parece com um carrinho de supermercado cheio de produtos típicos: peru e frutas exóticas, castanhas alienígenas e presentes que a etiqueta me obriga a dar mesmo àqueles com quem quase não falei durante o ano inteiro, principalmente se tenho o azar de tirar este estranho num destes amigos invisíveis. Sinceramente, isso não lhes parece esquisito? Acho que terei que ser abduzido por algum disco voador para entrar neste clima ou voltar para meu planeta... a pé.
Por falar em magia, me culpo por não senti-la. De onde vem mesmo ou o que é isso? Alguém diz que é um clima de alegria, sentimento de paz, uma vontade de fazer o bem. Ei, isso é bom. Desde que não se torne um acerto de contas, uma forma de limpar a ficha e acalmar a consciência por ignorar os outros ao longo do ano. Mas por que se sentir culpado se a vida moderna que construímos é feita de indiferença mesmo, pede distância e reserva porque nesta selva de males no que tornamos nossos espaços urbanos, nunca se sabe quem é este estranho ao lado no ônibus, na fila, na carteira da escola, na sala de trabalho.
Lá estou eu um ano depois sapecando azedume no seu Natal. Desculpem leitores, não tenho paciência com acordos socialmente aceitáveis e mais dificuldade ainda de fazer concessões neste quesito, só a muito custo e se não der para fugir. Sei... é melhor dizer que pelo menos temos um dia no ano para fazer bons atos, reunir a família ao redor de uma mesa farta ou nem tanto, dizer feliz natal para o outro seja entre risos ou entre dentes, e daí? De qualquer modo, importa comemorar esta festa que celebra uma paz que precisamos desesperadamente.
Mas deixem que mude este disco de rabugices. Debaixo deste imenso tapete de consumismo sei que há algo de bom, sim. Muitos se lembram de Jesus e de sua maravilhosa missão entre os homens. Tem gente que se reconcilia porque é Natal. Tem gente que faz coisas legais. Sabe uma que você pode fazer? Atender uma daquelas cartinhas de criança que vão para os correios.
Mesmo que temporário, se você é afetado pelo clima natalino, peça desculpas. Diga “por favor”. Agradeça a todos que encontrar pela frente. Esqueça o machucado que alguém lhe infringiu. Dê preferência no trânsito. Deixe o pedestre passar e não avance sobre ele apenas porque se atrasou na travessia do sinal. Diga “eu te amo” para alguém que precisa ouvir mais vezes ao longo do ano e que você esqueceu. Abrace seu filho ou filha. Dê beijos neles. Faça cócegas em suas barrigas e faça sons esquisitos com a boca para demonstrar o mimo. Os grandinhos farão que não gostam, mas gostam.
Sei que muitos, neste Natal, estarão doentes, tristes, sozinhos e por mais que se encourassem emocionalmente, serão afetados por sentimentos ruins exatamente pela sua condição. Não é correto que alguém se force a ficar alegre só porque é Natal. Mas se entendermos que Jesus dá alegria, cura enfermos das formas mais incríveis – às vezes cura a alma cansada, não o corpo – e é companheiro, então o Natal nasce em seu verdadeiro sentido, porque para além das comprinhas e dos capitalistas ensandecidos com vendas, Natal é ato de amor, pois é isso que significa Deus enviar seu Filho para nós. Quem sabe o Emanuel se torna seu grande presente?
Viva o Natal como um grande parêntese na vida dura que o ano lhe deu, se ele não foi tão bom como esperava. Sei que somos movidos por resultados que podemos computar, medir, tocar. Reputamos como de somenos o alvo de ser melhor como pessoa. A pergunta é: de que me adianta? Alguns acrescentarão: isso não enche barriga. A questão é exatamente esta. Ser melhor como pessoa dispensa bens que tanto valor se dá. Eles são importantes, mas se tornam menores. Agora, não dá para ser melhor na base “vou ser por mim mesmo”. Precisamos da doce presença de Jesus na vida.
Eu quero neste Natal desejar-lhes, prezados e queridos leitores, que as misericórdias de Deus repousem sobre suas vidas. Que a paz de Cristo, que é muito maior do que podemos entender, encha suas casas. Que haja encontros de alegria, e que o Senhor lhes guarde de todo o mal.
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