domingo, 21 de dezembro de 2008

O maior mágico do mundo


Este é o texto de minha Coluna dominical. A idéia parte sempre de uma notícia real e desta desenvolvo uma história.


Um funcionário do ilusionista David Copperfield foi hospitalizado na última quarta-feira (17) com um braço quebrado depois de um dos truques do mágico dar errado no palco. A informação é do site da revista “People”.
O funcionário, não identificado, estava ajudando Copperfield durante a “mágica do ventilador” e teve seu braço atingido pelo ventilador. No truque, o ilusionista parece andar pelo ventilador e desaparece em meio a uma fumaça.
Fonte: Folha Online

O anúncio nos Classificados era lacônico. “Precisa-se de auxiliar para número de mágica. Dos interessados, homens ou mulheres, não se requer experiência anterior. Favor entrar em contato pelo número abaixo. PS. Roga-se que os candidatos ou candidatas tenham boa aparência”. Ele olhou aquilo e pensou lá consigo. Estava na brabeza, sem emprego, o natal às portas, precisava descolar algum. Não que Austregésilo fosse amante do trabalho. De fato, vivia de bico e de pequenos golpes. Pedia emprestado a um, enrolava outro, usava o cartão de um terceiro, pedia que se trocasse cheque que nunca tinha fundos e assim ia levando.
O mundo da mágica lhe parecia algo esplêndido. Não era trabalho pesado, o sujeito estava sempre no palco e sob aplausos. Aquele mundo de ilusão se adequava perfeitamente ao seu estilo de vida. Depois de secar o círculo de pessoas, parentes e amigos, em quem aplicava seus ardis, só fazendo mágica, pensou. Violência não era com ele, sempre foi mofino, mas tinha uma esperteza de dar medo no ramo da mentira e ademais, na última vez que surrupiou uma bolsa pegou tanto pescoção e tabefe que pensava em desistir daquela vida.
Alô, estou interessado no anúncio que foi colocado no jornal sobre um assistente para show de mágica. Quanto é que pagam? Do outro lado, a voz foi receptiva e pareceu atarefada, como se estivesse atendendo outras ligações ou pessoas. Sim, é daqui mesmo. O senhor tem experiência em mágica? Não. Ok, isto não é problema. Que dizer, tenho. Melhor ainda. O que o senhor sabe fazer? Desaparecer coisas. Que tipo de coisas? Porta-jóias, bolsas, pequenos objetos de valor. Nisso não mentiu. Ah bom, então o senhor é especializado em pequenas ilusões? Isso. Sim, mas quanto pagam? O senhor pode passar aqui o endereço é... disse lá o lugar.
Austregésilo, malandro, estava meio desconfiado, mas o que perderia? Quando chegou ao endereço, ficou ainda mais com o pé atrás, aquilo era um pardieiro. Um velho e alquebrado casarão na Rua do Giz. Uma escada tortuosa e balouçante rangia anunciando o visitante. Olá! Entre, por favor. Um sujeito maneiroso com um bigodinho e rabo de cavalo veio serelepe atendê-lo. Austregésilo não estava gostando daquilo. Temos pouco tempo, disse o homem, você é o trigésimo candidato que atendo hoje e só ficarei com o melhor.
Muito bem, a função é simples. O senhor fica encostado nessa tábua e eu lanço facas flamejantes de olhos vendados. Mas não se preocupe, Janjão, meu outro auxiliar, faz aquela fumaça seca e crava a faca no lugar de pertinho. Não há perigo. No outro número, eu serro a pessoa ao meio. Também uma bobagem, Janjão fica numa banda e você na outra. E o número mais legal: faço você atravessar um ventilador em movimento. Austregésilo já pensava em declinar e ir embora, mas, por acaso passou a mão no bolso e estava vazio. O Janjão não ajuda nessa aí não? Claro que sim. Ele liga o ventilador e o resto é com a gente. Não te preocupa, tem um lance de um espelho que confunde o povo e ele jura que tu entrou no ventilador.
Janjão era um atoleimado, meio corcunda, que fazia quase tudo nas mágicas. Era também copeiro, mordomo, limpa botas e que mais fosse que seu patrão precisasse.
Austregésilo via que aquilo tudo era uma roubada, mas miserento como estava, não podia escolher. Senhor Mefisto, quanto ganho? Bem, para começar, cinqüenta contos por noite. Corro todo este risco por cinquentinha, só? É pegar ou largar. Tem fila aqui para o posto. Tá bom, vou topar. É assim que eu gosto. Começamos hoje à noite.
Naquela noite, a casa lotou. Mefisto estava que esfregava as mãos. Começou com o lero-lero de desaparecer lenço, tirar moeda da orelha dos outros na platéia quando a vaia desabou, ele tratou de encenar os números mais perigosos. No último número do ventilador mandou Janjão enfumaçar pra valer. Chamou o assistente Austregésilo que veio numa colante-vermelho- vivo-entrando-na-bunda e a cara pintada. Num gesto apoteótico mandou Janjão ligar o ventilador, entrou no fumacê. Deixou o assistente em pé diante do público e rapou o caixa e sumiu.
Janjão e Austregésilo tomaram uma surra dos diabos quando o público percebeu que era tudo malandragem, sem contar o dono da casa de espetáculo.Um mês depois, Austregésilo ainda apresentava hematomas, uns dois dentes perdidos e anunciava num interior perdido do Maranhão o maior espetáculo da terra. O homem que era capaz de fazer uma pessoa atravessar um ventilador em movimento e contratava assistentes.

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