segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Sentidos do Fundamentalismo - um senão com o Contardo Calligaris


O Psicanalista Contardo Calligaris não poderia ser incluído entre pessoas fundamentalistas ou intransigentes em suas posições. Acompanho-o na Folha já há algum tempo, não poucas vezes apreciando seus textos e aprendendo com eles. Como ele mesmo diz em “Sentidos do Fundamentalismo” (Caderno Ilustrada da Folha de 15 de dezembro de 2011): “...eu não sou fundamentalista: decido e escolho segundo as circunstâncias e não por princípio.”
O texto citado é muito bom e recomendo sua leitura. Numa época em que o fundamentalismo religioso de toda espécie ganha as páginas dos jornais pelos motivos mais infames, nunca é demais questionar as razões e certezas absolutas de quem diz seguir ordens divinas com resultados que relembram apenas os períodos de barbárie pelos quais a humanidade passou.
Minha cisma começa quando o Calligaris, a título de exemplo, retoma o tema que está sempre na ordem do dia nos últimos tempos, o homossexualismo em contraposição com o cristianismo, ou este contra aquele, e diz que prefere Oscar Wilde a Paulo, o apóstolo. Ora, claro está que o articulista não está colocando em evidência sua mera preferência – questão que, como se sabe, não se discute – mas o que subjaz à afirmação e isto esclarece no parágrafo seguinte de seu texto.
Também gosto de Oscar Wilde, mas conheço Paulo melhor. Nenhum dos dois poderá ser julgado pelo que os outros fizeram com o que escreveram ou, no mínimo, se incorreria numa enorme injustiça. Donde acho que a comparação é descabida. Sim, alguém poderia dizer que Paulo enquadra a conduta homossexual, masculina e feminina, como algo que o cristão deve evitar sob pena de estar praticando algo pecaminoso. De fato, Paulo fala isso mais de uma vez, destaque para a carta aos Romanos (1.26,27).
Que se pode entender destas recomendações paulinas? Em primeiro lugar, não há em qualquer de suas falas sequer a insinuação de que os cristãos devem empreender uma caça aos homossexuais como forma de extirpar o pecado seja de onde for.   Em segundo lugar, o que está na Bíblia, de modo geral, é para o que crê, logo é somente este que deve se adequar como princípio de fé. Em terceiro lugar, os fundamentalistas, ainda que sejam a face espalhafatosa da fé cristã, não a representam. Ao contrário, distorcem seus princípios fundamentais, entre eles o amor sua ordem basilar.
É de Paulo a descrição mais bonita deste estado de alma (1 Co 13.2-9): E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará. O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acaba; mas, havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará;”
Calligaris incorre em outro deslize. Toma o termo “evangélicos” como algo unânime e coeso como se houvesse uma única forma de ser evangélico, a saber, a forma fundamentalista como chama. Se há os que desejam converter todos os homossexuais ou condená-los ao fogo do inferno, e fazem disso quase uma missão, há os que entendem os praticantes homossexuais como pessoas que, como qualquer outra, sob o ponto de vista cristão, precisam do perdão dos pecados na pessoa de Jesus. O que, absolutamente, não é impositivo.
O ser cristão é um modelo de vida, uma postura perante o mundo, uma forma de entender a realidade, uma “contracultura” como chamava Jonh Stott em seu livro baseado no Sermão do Monte. Baseia-se no respeito ao outro, na misericórdia e encontra sua fonte na Graça que, no sentido cristão, é a bondade de Deus em nosso favor sem que haja merecimento de nossa parte. Se alguém se diz evangélico e representa ideias e comportamentos contrários a estes princípios, não expressa o sentido da pregação de Cristo.
A Bíblia, as cartas de Paulo incluídas, defendem sim, que certas posturas, pensamentos e posições são pecado, a saber: toda forma de viver que nos distancia de Deus.  Ao mesmo tempo, o Livro diz que todos somos pecadores e que em nós habita o pecado (Paulo), o que põe em igualdade de condições  assassinos, ladrões, homossexuais e aquele que não é nada disso, mas perjura, odeia, mente, engana, sente inveja e ainda se gaba de não fazer o que os primeiros fazem. Como diz Paulo: “Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de morte?” À pergunta retórica, ele mesmo responde: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor.” (Rm 7. 24)
O que está claro é que o fundamentalista não suporta – não o cristão cheio de Graça – que as pessoas em todos os tempos e em todas as classes, continuem vivendo segundo suas próprias crenças, modelos e culturas. Que não estão obrigados a aceitar o “negar-se a si mesmo” e seus “desejos” (viu Calligaris?) para estabelecer uma relação única de obediência e serviço a Deus. A Parábola do Semeador é esclarecedora. A semente é lançada pelo semeador num campo que fora previamente preparado. Mas parte dela caiu à beira do caminho, outra parte sobre pedras, outra entre espinhos e foi sufocada e outra no solo profundo, donde veio a germinar, crescer e produzir frutos conforme sua natureza e em proporções distintas. Ora, nem aqui há igualdade, mas o fundamentalista não suporta o diferente.
O Evangelho de Jesus é acima de tudo inclusivo, não sem que o incluído seja transformado, sublimando suas misérias em coisas produtivas e abençoadoras de si e de outros. Diga-se, projeto para a vida inteira. Não é um ato em que as pessoas são submetidas a um tipo qualquer de lavagem cerebral ou o tacão da lei, acontece pelo poder do Espírito de Deus, cada um a seu modo e tempo. Se as pessoas querem viver de acordo com seus cânones, alheios à fé, a expressão cristã genuína concorda com Calligaris: “não é preciso escolher entre as ideias e as práticas das partes, mas entre os que querem regrar a vida de todos segundo seus preceitos e os que preferem que, nos limites da lei, todos possam pensar e agir como quiserem.” Pois cada qual, diante de Deus, dará conta apenas de si.


DESEJO A TODOS OS LEITORES UM NOVO ANO CHEIO DE PAZ E SAÚDE.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Você não sabia, mas há uma cobra na sua vida antepassada (não é a sua sogra)


Dois cientistas americanos cotejaram uma massa impressionante de dados para mostrar que o embate entre cobras e primatas ajudou a moldar a evolução humana.

Fonte: UOL "CIÊNCIA E SAÚDE" 19/12/2011

Acho que a descoberta não é candidata a receber o Ignobel e constar nos Anais das Pesquisas Improváveis, mas dá o que pensar pelo inusitado.

As serpentes, dizem dois pesquisadores americanos, moldaram a evolução dos primatas. Acostume-se, no jargão científico entende-se por primata todos os bípedes que acabaram de completar 7 bilhões de almas. Quer dizer, inclui você, o vizinho mala, o cunhado mandrião e aquela senhora de bobes que lhe espera no final do dia e que você chama de patroa com justa razão.

E como teria sido isso? Eis o mistério.  Resumo para você. Os pesquisadores levantaram uma cornucópia de informações, embaralharam, juntaram tudo isso e bum! Concluíram que as serpentes estavam lá, em tempos de antanho, influenciando o ser humano a dar no que deu.

Suas sumidades afirmam que as serpentes participaram de três maneiras neste processo. Elas comiam nossos antepassados se algum deles dava bobeira. Elas comiam nossa comida, ou seja, competiam conosco e, por fim, viravam churrasquinho de sucuri quando elas davam bobeira. Era uma suruba de comilança. Literalmente, quero dizer, seus cabeças sujas.

O engraçado é que nestas descobertas ora, suponho, avançamos, ora afirmamos o que outros sem nenhum aparato já afirmaram mesmo com outras intenções. No caso da Bíblia, quem conta a história da cobra foi, por bem dizer, quase testemunha ocular. Em miúdos, o que aconteceu ali foi uma serpente empurrando homem e mulher para um tipo de evolução.

Há controvérsias, você diria. Sim e não. Pelo sim pode-se dizer que o casal ou mais gente que estava por lá, saíram de um estado de inocência e se tornaram ardilosamente criativos. Foram na onda da serpente, a moleza acabou e para se livrar do mau tempo, espinhos e uma terra mais mesquinha, tiveram que se virar com invenções e tecnologia. Caíram no conto do vigário ofídico, mas superaram. Serem conhecedores do bem e do mal, sei... Se tornarem iguais ao Todopoderoso, pois não...

Pelo não abarca a questão moral. O gênero antropominídeo tornou-se um bicho descarado e sem a menor compostura. Quer dizer, em termos absolutos regrediu a quase o estado primitivo da animalidade sem julgamento ético ou moral de qualquer espécie. Um tipo movido a instinto puro. Passou a dar em cima da mulher do vizinho. Tomar emprestado e não devolver ou pagar. Tomar simplesmente o bem do outro como bom carniceiro. E desenvolveu a mentira até o nível mais sofisticado. Isto é precisamente aquilo que nos diferencia de tudo quanto é bicho andante, nadante, voante ou rastejante.

Claro que tornado o mundo uma monumental bagunça, houve que, apesar da vontade danada de fazer tudo errado, dar um pouco de ordem para manter a vida minimamente suportável. Havia não somente que criar formas de governar para justificar os vários substratos sociais – quem fica na cobertura e quem fica nos andares de baixo até o porão –, mas também leis e religião para legitimar os sistemas. O fruto mais acabado desta influência serpentina é a política brasileira.

E a serpente? Fora os ecologistas de todo matiz e uns malucos que não tem o que fazer, a cobra continua despertando aversão e sendo culpada de quase tudo. Como é que se chama aquela pessoa incrivelmente falsa? E aqueles políticos finórios e despudoramente caras de pau? Quem acertar ganha um final de semana na ilha de Curupu com direito a ir no helicóptero do GTA. Vou dar a dica: Cobra. (não é para jogar no bicho, ouviram?)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Bóson ou Bozó: você decide


A imprensa não falou noutra coisa nestes dias. Os cientistas europeus estavam ou estão por um triz de descobrir o, por enquanto, maior mistério da matéria. O bicho tem nome e apelido. O nome clássico é Bóson de Higgs (Peter Higgs, seu idealizador), mas atende pelo apelido de Partícula de Deus.
No maior laboratório de estudo da física do mundo, um círculo com 27 quilômetros de diâmetro, enterrado entre as fronteiras da Suiça e França, os estudiosos atiram prótons uns contra os outros e estudam os cacos que sobram destas colisões. Por aí, em algum lugar nos destroços, este treco de proporções infinitesimais explicaria tudo que você e eu vemos, tocamos, comemos e fazemos coisas outras sobre as quais não se fala em público. A paisagem mais linda, o prato mais delicioso, a garota mais incrível, são cada qual, uma sopa de bósons. Quer dizer, se a arisca coisa for encontrada.
E por que os cientistas o procuram com tamanha tenacidade? Ora, porque é a forma de explicar a constituição das unidades básicas da matéria, os elétrons, prótons, átomos e toda esta fauna (ou flora, você decide) de coisinhas que infernizavam a sua vida no ensino médio e, conforme se acredita desde Demócrito, dizem porque uma estrela é uma estrela, por exemplo. No momento, ninguém consegue dizer com clareza para que servirá a descoberta, mas que será útil para alguma coisa, ah, isso será.
Sobre o apelido um tanto metafísico, há quem defenda que se retire a preposição “de” e se alcunhe Partícula Deus. Vixe! Li por aí que há cientistas, aqueles mais ciosos de que se misturem alhos com bugalhos, que não se deveria apelidar o tal Bóson de Partícula de Deus com ou sem preposição. Temem que os fundamentalistas ou mesmo religiosos menos aguerridos acreditem que, afinal, Deus é mesmo o criador de tudo e que eles sempre tiveram razão. Imagine uma procissão com o cartaz de inspiração futebolística: ah, eu já sabia. Será que os cientistas tem razão? Até posso imaginar duas possibilidades bizarras.
A primeira é que poderia nascer uma nova religião. Falo da casualidade dos denodados físicos acharem o bichinho que primeiro surgiu no Big Bang. Por que sim? Pensem comigo. Alguém poderia dizer que o Bóson é um pedaço de Deus, a prova fatal de sua intervenção no mundo, o tijolo fundamental de tudo. Com a facilidade, pelo menos por aqui, com que se criam igrejas, acho que a Igreja do Bóson Sagrado teria chance. Chancelada pela ciência mais fina, a Bosonlatria uniria as duas coisas, ciência e religião. Coisa ultramoderna, ou não?
A segunda possibilidade. A descoberta precipitaria a que os religiosos, especialmente os monoteístas, se unissem numa guerra santa pela ousadia humana de tocar num pedaço de Deus. Um sacrilégio imperdoável, por suposto. Posso ver em minha imaginação delirante, hostes de cristãos lideradas pelos brutos americanos do Bible Belt e jihadistas xiitas do Irã, unidos contra o mundo que contaminou Deus quando o tocaram. Pior, teriam mostrado alguma coisa debaixo de seu manto celestial.
Mas não tenho grandes expectativas sobre estas minhas previsões. Todo alarde no final das contas, ouvindo-se os próprios pesquisadores, têm-se apenas pistas muito boas de que o Bóson está dentro da sopa de partículas esfaceladas, como um saci danado dentro do redemoinho. Desconfia-se que esteja, sente-se seu cheiro, mas o danado não aparece.
E se não acharem o Bóson? E se a Partícula de Deus não existir e todos os cálculos estiverem equivocados? Como você, leitor, poderá viver sabendo que o Bóson de Higgs, depois de muito dinheiro e milhares de horas envolvidas, é uma história da carochinha? Como explicar a massa das outras partículas atômicas, estas conhecidas e com resultados bem palpáveis, os japoneses que o digam? Mas também quem já fez radioterapia sabe, não é pessoal? Vamos deixar de maldades. Enquanto os estudiosos lambem os beiços, eu que não sei nada de física (não me orgulho disso não, ouviram?), tenho uma solução caso o Bóson se torne um fiasco: chamarei o Bozo ou o Bozó, sumidades que poderão explicá-lo melhor que qualquer um, inclusive a histeria coletiva que virá. Até lá, eu, morto de preocupado, dormirei de galochas na pia, só por precaução. 
(Esta maçaroca de linhas da ilustração, dizem os pesquisadores, é o resultado da colisão dos prótons. Portanto, é dentro desta barafunda que o danado do Bóson de Higgs se esconde.)

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Árvore da Vida


No mundo inteiro mitos religiosos incluem em suas teogonias a simbologia da árvore como fonte original da criação, da abundância e da sabedoria. Os cristãos tem duas árvores-símbolos. No princípio de tudo, no Éden, a árvore do conhecimento do bem e do mal e no fim dos tempos, no centro da cidade celestial, a árvore cujas folhas são para cura dos povos.
O filme Árvore da Vida é um raro filme-poesia. As palavras e frases dançam com as imagens. A família na qual está centrado reproduz qualquer família do mundo, não importando a forma que elas hoje costumam ter. A partir deste pequeno núcleo e toda a complexidade que carrega nas difícieis relações entre marido-esposa, pais-filhos, a história se amplia do big bang ao universo tal como o conhecemos.
Jack (Sean Penn), o filho mais velho do casal, entre os três irmãos, é o guia desta história. É ao longo de seu desenvolvimento físico, emocional e espiritual e as inquietações que este crescer provoca, que as questões universais que nos perpassam a todos vão sendo colocadas.
À parte da dor de crescer, algo sempre marca a história pessoal de cada um de nós, tenhas origem no coletivo ou individualmente. Na família retratada é a morte do irmão do meio. A dor que daí se espraia deixará uma ferida para a vida inteira. A morte é a antítese da criação. As imagens grandiosas do filme são uma forma de suportar e enfrentar a morte. A busca em Deus da chaga que ela abre na alma, é a forma de nós a suportarmos, porque antes de morrermos de muito já fomos tocados por ela, seja porque sofremos uma perda, seja porque a cada dia morremos um pouco.  
Este menino tornado homem é fruto da graça e da natureza que no início do filme é uma fala da mãe (em off). A graça é como o amor em 1 Coríntios cap. 13. Não é egoísta, dá sem esperar nada em troca, é pura bondade. A natureza só pensa em si, não se importa com o outro. Temos que fazer a escolha entre um e outro. Não um dia, de forma definitiva, mas a cada dia.
Árvore da Vida é um filme para pessoas de fé e que sofrem. Não é para crédulos, ateus ou religiosos. Os primeiros porque não tem dimensão do que seja fé e por isso são incapazes de questioná-la. Os segundos porque nada creem (supostamente). Os terceiros porque tem todas as certezas da terra.
O drama que se desenrola entre pai e filho se amplifica nas perguntas que o filho faz a certa altura da vida, agora entre ele e Deus. Parece que em algum momento precisamos nos confrontar. Rever nossa história. Buscar valores perdidos. Chorar de novo perdas e revisitar dores. Não por um mero exercício masoquista, mas para sabermos quem somos de novo, tal a distância que nos desviamos de nós mesmos. O leve sorriso nos lábios de Jack ao final do filme parece explicar que a jornada que empreendeu valeu a pena.
O personagem Jack sofre porque vive num mundo que lhe produz profundo estranhamento. Sente saudade da família, do irmão perdido, e entre as lembranças e as emoções que elas evocam, pergunta onde Deus o encontrou pela primeira vez. Em que momento ele resistiu a esta relação, quando tiveram suas diferenças. Imagens do passado de suas rebeldias com o pai se confundem com o homem feito        que se sente perdido.
Anseia pela reconciliação com o pai, enquanto se pergunta o que o separa de Deus. Liga e perde desculpa por uma palavra que disse. Relembra imagem do pai cuidando da horta. Jack se achega tímido. O pai se volta, fala com um olhar para que se aproxime, ele que a esta altura sabe que foi duro com o filho, por medo, por proteção, por amor. Por momento, as mãos trabalham juntas arrancando folhas doentes. O filho atira-se nos braços do pai. Chora. O pai diz: meu doce menino. Quando Será que Deus reconhece que foi duro conosco?
Deus é quem nos acha, está sempre disponível como o pai. Nunca estamos fora do seu olhar. Apenas, muitas vezes, nos sentimos assim, perdidos dEle. E quando pensamos que a fé se esvaiu, é porque ela está de algum modo renascendo, daí o desassossego, o comichão existencial. A forma dela renascer é questionando a si e a Deus.
Em certo momento, a história de Jó é evocada no sermão de um padre. Aliás, na abertura do filme um versículo do livro bíblico homônimo questiona: “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Dize-mo se tens entendimento.” (Jó 38.4)
Jó somos todos nós. Seguros de si, alegres, tristes, audazes, livres, crentes até que somos tocados pelo sofrimento. Diz o padre em seu discurso: não há lugar em que possamos nos esconder do sofrimento. Sabe de Deus aquele que vê sua mão abençoadora e aquele que vê sua mão encolhendo. O que o vê de frente ou aquele para quem lhe vira as costas. Ausência de Deus, ou seu silêncio, é outra forma de sua presença. As duas são extremamente pertubadoras. Resistir as estas experiências é como a fé se consolida e é na vida, comum, até banal, como também naquilo ao qual atribuímos grande significado, que aprendemos que esta relação entre nós (filhos) e Deus (pai) se realiza. O sofrimento está em desconhecê-lo. Perder-se dos outros e de nós é não amar, que é o âmago da fé, é como ela se existencializa na mente e na carne.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Sizifrônio


Uma mulher de 59 anos afirma que foi atacada por um jumento no bairro do Janga, no município de Paulista, Região Metropolitana do Recife, na última quinta-feira (8). Ela prometeu que vai entrar na Justiça contra a prefeitura do município porque diz ser comum encontrar, na localidade, animais soltos em via pública. A dona de casa, que está internada em um hospital particular de Olinda, sofreu uma fratura no braço direito e vai passar por cirurgia. Ela está sendo observada em uma sala, enquanto espera pela intervenção cirúrgica.
Fonte: G1 (09/12/2011)

Sizifrônio é pacato, cidadão desta cidade, herdeiro legítimo dos pioneiros que carregaram nossa história, por que não dizer, a nossa vida e os terém dela nas costas. Alguma coisa a senhora fez para transtorná-lo se é que é verdade o que conta. Ademais, minha senhora, como é que vamos nos entender com o pessoal do Ibama, do Greenpeace e a Associação Protetora dos Animais se fizermos alguma coisa contra Sizifrônio? Ele é membro honorário de cada uma destas instituições.
E como é que eu fico? Não se pode nem passar mais perto de um animal em plena rua sem ser atacada, justo um bicho desses, com cara de lerdo? Sonso é o que ele é. Se faz de besta, de... de... jumento para atacar os outros. E a senhora consegue explicar com que propósito ele a atacou? E como vou saber? Vai ver ele fumou alguma coisa. As pessoas valem mais que os bichos ou não?
Depende do tipo de gente e alto lá, Sizifrônio não está na categoria simples de bicho. A senhora sabia que aquela música do Luís Gonzaga, o jumento é nosso irmão – volta-se para uma assessor  e pergunta: como é mesmo Marmota? Como é mesmo o quê, chefe? Será impossível? A música do Luís, que fala que o jumento é nosso irmão. Canta uma parte aí para a dona ver que não tô mentindo. Sei cantar não. Tá vendo, esse é o tipo de auxiliar que se encontra hoje, a gente aqui tentando resolver uma questão fundamental para o município e não pode contar com ninguém.
Enfim, como eu dizia, o Luís fez a música para o Sizi, essa é que é a verdade. Temos em nosso município um patrimônio da cultura nacional. Se ele lhe deu umas poucas mordidas, não chega nem aos pés do desavergonhado do jegue boneco do João Ubaldo. Aquele sim, era o capiroto chupando manga e dando tchau. Me diga, Sizi foi desrespeitoso com a senhora? Como assim? Desrespeitoso, minha senhora, o sujeito fica lá com segundas intenções. Ele por acaso estava com os documentos para fora? Deusmelivre, nossasenhoramedefenda! Então, não é o que digo, Sizi é jumento respeitador. Apenas a senhora deu com ele num dia de maus bofes. Todo mundo tem, ou não?
De que adianta ser respeitador se é louco? Olha as mordidas que o animal me deu. Eu nem falei com ele que não dou bom dia para jumento e olha o que ele me fez. Mostrou lá três enormes mordidas. A senhora me desculpe, mas isso aqui pede um analizamento de um especialista em arcada dentária. Quase pôs o dedo na mordida e disse: olha uma falha aqui. Sizifrônio tem todos os dentes. Minha senhora, aqui pra nós, isso não foi um rala e rola mais, assim, como posso dizer, mais avexado entre a senhora e seu marido? Ou talvez... Talvez o quê, seu cachorro sem coleira e sem futuro? Disse a mulher furibunda. Calma, minha senhora. A senhora me respeite.
Isso não vai ficar assim. Tenho direito a uma indenização pelas mordidas do jumento. Este bicho tresvariado é um perigo à população. No mínimo o senhor tem que prender o jerico. Tá bom dona, vamos pagar o tratamento, mas não posso prender o Sizi agora, ele é o ator mais importante do nosso presépio e os turistas não vão querer nem visitar nossa encenação do nascimento de nossosenhor. A senhora não imagina a grandeza da apresentação quando ele atua. É nosso ator mais importante. E agora que a vaca está com a garganta inflamada e só tem ele para relinchar no ponto alto da festa, então. Ademais, a senhora já viu o que é um presépio mais chocho sem um jumento? Pior ainda, sem um ator laureado com dois kikitos como ele?

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Biutiful


Biutiful não é um filme para se gostar. É um soco no estômago. É um autêntico Alejandro González Iñárritu. Os mesmos temas de Babel e 21 gramas são revisitados, mas com uma visceralidade muito maior, como se estes dois fossem um ensaio.
Se eu tivesse de lamentar por algo da experiência que é assistir Biutiful, é pela escuridão de Barcelona que é uma cidade iluminada. A história está inteira engolfada por uma luz indecisa, de modo que é difícil saber se amanhece ou se anoitece. Um único momento de luz, não sei se proposital, é quando os irmãos voltam do crematório onde foram cremar os restos mortais do pai que eles não conheceram sequer de vista.
Uxbal (Javier Bardem) é um ser perdido que tal como a penumbra que ambienta o filme, vive num limbo da ilegalidade. Ele é parte de uma cadeia de exploradores e explorados. Esta mistura monumental que a facilidade de deslocamento e comunicação do mundo globalizado produz, gera uma infinidade de apátridas, sobreviventes, seres subterrâneos que não existem para ninguém.
Sozinho, Uxbal sustenta dois filhos pequenos e faz o que é preciso para isso. Por esta causa, a sinopse nos induz a erro. O filme não trata apenas disso. Mas de muito temas e destinos que se entrelaçam de forma irremediável numa aridez de afeto, respeito e dignidade humana. Os chineses são os grandes fornecedores de qualquer coisa, inclusive de gente. Os africanos esgueiram-se entre a polícia que os persegue sem trégua, a vida pobre e a tenacidade de aguentar qualquer coisa pela sobrevivência tão somente porque na África que deixaram para trás é muito pior. Os europeus mediam os chineses e exploram os africanos. Os chineses exploram os seus como só eles sabem fazer.
A sensação é de um moto contínuo de vidas que acordam às 6:30 da manhã, trabalham 14, 16 horas por dia e voltam para seu calabouço para dormir. Sujeitam-se por causa do desamparo. Uxbal, que aparentemente é livre, guarda em algum lugar de si uma alma que, a seu modo, tenta cuidar daqueles dos quais sobrevive. Ele tem uma espécie de dom. Fala com mortos e cobra por isso. Uma possível leitura sugere que a espiritualidade, representada de forma mais plena por Bea, amiga de Uxbal, seja uma saída para humanizar o mundo. É dela a frase que um dom recebido de graça não pode ser cobrado. É contudo, uma espiritualidade sem Deus, sem céu, quer dizer, sem esperança de qualquer forma. Os mortos só precisam de ajuda na passagem, trabalho que Uxbal realiza umas poucas vezes e só.
Não há riso neste filme, tampopuco beleza, eis a ironia com o título, propositalmente escrito errado indicando uma não beleza, um vazio de formas e conteúdo porque as pessoas são como cascas andantes. A refeição do chinês que está no topo desta cadeia de devoradores não dá qualquer pista de família feliz. Ao contrário, comem como se fossem partir rápido. E no meio desta intimidade invade porta adentro seu amante, apenas mais um elemento desconexo, parasita do parasita.
Como tudo que está ruim pode piorar no mundo de Iñárritu, Uxbal descobre um câncer em estado terminal. Um homem que tem intimidade com a morte – dos outros – não quer morrer. Por nenhum motivo nobre, apenas sofre por não saber o destino dos filhos e de repetir o que sofreu com o pai ausente. Eis aí um salto minúsculo para uma eternidade que chama dentro de cada ser humano a despeito da desconstrução nanométrica a que somos submetidos. Novamente, a espiritualizada Bea tem uma frase de efeito: o universo cuidará deles. Não sem antes questionar a pretensão de Uxbal que julga ele cuidar dos filhos.
Biutiful mostra um mundo sem perdão, reconcliação e com escassas possibilidades de redenção. Uxbal, que se preocupa com o frio pelo qual passam seus explorados chineses, agora não mais escravos da máquina de costura, mas da construção civil, compra aquecedores. Um porão sem ventilação, um escapamento de gás e vinte e cinco mortos. De quem é a culpa? De ninguém e de todos. Se isto é possível.
O fim. Uxbal, que havia acolhido uma africana imigrante cujo marido fora deportado, tem nela sua tábua de salvação. Para cuidar de seus últimos dias e dos filhos, já que sua ex-esposa está internada em mais uma crise de loucura e drogas. Em seus momentos fatais, ele se vê numa família fruto deste grande acaso misturado às pequenas escolhas que fazemos. A africana imigrante ilegal será mãe de seus filhos e ele parte para encontrar seu pai que nunca conhecera. Parece que, para Iñárritu, apenas neste mundo improvável há alguma possibilidade de paz.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O arroto


Um estudante de 13 anos foi algemado e preso após ter arrotado na classe, em uma escola pública de Albuquerque, no Novo México (EUA), de acordo com um processo aberto, na última quarta-feira (30) contra o diretor do colégio, um professor e um policial.
Fonte: UOL Tabloide (Em São Paulo 02/12/2011 - 09h32)

Em terras de Vera Cruz, todo mundo sabe, a leniência com os criminosos é inacreditável. Estão aí todos os políticos pegos em flagrante gatunagem que não nos deixam mentir. Por aqui até o pulha que mata, esfola e diante das câmeras diz com a maior candidez que a culpa é da vítima que reagiu, recusou-se a dar ao meliante a carteira ou algo de valor que ele queria por que queria, ainda encontra quem ache que ele é vítima da sociedade e por isso reage assim.
O Lupi, pessoa de nome mais que adequado, com suas atitudes lupinas faz e acontece, com a trogloditez que lhe é característica até quando diz que ama a Dilma e, de novo, nada acontece.
A calhorda, bêbados feitos gambás atropelam, matam e sem que consigam dar dois passos em linha reta, ainda atinam para se recusar a soprar o bafômetro. Negam estar borrachos ainda que as câmeras mostrem sua dança estropiada. Alguns juízes tem tido a hombridade de dar-lhes multas milionárias, mas saem livres, afinal.
Mas há lugares, caros leitores, em que a coisa pega. Imagine que você tenha comido aquela feijoada e pela gula e o tempero, ficou meio empanzinado. No meio da aula, obviamente sem querer, solta um arroto tão grande que as cadeiras tremem. O máximo que aconteceria era a vergonha – não para todos porque tem gente que não se avexa nem quando solta um pum – e os muxoxos enojados das menininhas. De quebra, talvez ganhasse um apelido tipo boca de esgoto.
Em Albuquerque, Novo México (EUA), o negócio é mais embaixo. A aula transcorria normalmente. E pelo acontecido, menino que der um espirro vai para o calabouço. O pobre Bob, de treze anos, havia comido três hamburgueres e um daqueles baldes-copo de coca-cola que os americanos adoram. Estava completamente entupigaitado. A aula correndo e o pobre de vez em quando sentia que o arroto vinha e ele se segurava. Vejam bem, não era um traque daqueles equivalentes a carniça, mas um banal arroto.
O professor falava, mas a mente de Bob e todo o seu ser, antevendo um desastre de proporções épicas, com consequências imponderáveis, estavam concentrados em segurar o monstro que ameaçava se soltar. Mas a cada investida da fera, como um aríete enlouquecido que subia das profundezas garganta acima, ele sabia que mais cedo ou mais tarde se soltaria quem nem cachorro louco.
Olhava ao redor em busca de salvação, mas não havia porque a lei da escola era que eles haviam passado, e muito, da fase de controlar suas necessidades. Logo havia hora e tempo, cronometrado, para usar o banheiro. Durante a aula era algo simplesmente impossível sequer de cogitar.
Então veio o tsunami. Bob abriu a boca e o desvairado arroto saltou como um saci pererê de dentro do redemoinho. Vinte segundos seguidos de uma turbina de avião na decolagem no ouvido do sensível e afetado professor que, histérico, gritava para que Bob parasse com aquela indisciplina. Tente parar uma caminhão carregado, descendo uma ladeira e sem freios.
O barulho foi tanto que até o diretor, um sujeito branquelo que arrastava todas as frustrações do planeta nas costas e nunca superara os bullyngs sofridos na escola, pelo que se tornou um sádico altamente qualificado. Num segundo, o homem estava na sala, os alunos ainda tentavam entender o que acontecera. O dedo do professor, trêmulo e vermelho de raiva, apontava entre agastado e humilhado para o pobre Bob. Este apenas sentia alívio e, como que em transe, estava preparado até para a cadeira elétrica.
O segurança brutamontes, que era fanzoca do Stallone Cobra e viciado em CSI, pulou em cima de Bob, colocou o joelho em seu pescoço e o algemou. Bob via tudo passar em câmera lenta e até esboçou um leve sorriso de nervosismo, o que foi tido como um grande deboche agravante de sua pena. Foi preso e exilado da escola para nunca mais voltar.

domingo, 27 de novembro de 2011

O quê que o baiano tem


O ministro das Cidades, Mário Negromonte, disse nesta sexta-feira (25), em Salvador, que as denúncias de suposta fraude em parecer de obra de mobilidade urbana para a Copa de 2014 em Cuiabá (MT) tentam "enfraquecer a presidente Dilma".

Fonte: G1 (25/11/2011)

O ministro não parava de falar. Era uma técnica para impedir que alguém perguntasse algo. Uma tentativa de “secar” todas as possíveis fontes de perguntas constrangedoras. Convenhamos, é preciso ser extremamente habilidoso nesta questão. Falar demais diz-se o que não se quer. Mas ele era bicho passado na casca do alho, matraqueado, lá do jeito dele. Carregava no sotaque como forma de arrebanhar a solidariedade nordestina.
Assim, você leitor, ao ler a fala do ministro, ouça a melodia do sotaque nordestino. Suas várias reportagens, um misto de autodefesa, pedido de penico à presidenta e ataques melodramáticos, com direito a choro e tudo, foi aqui rigidamente decupado com a maior fidelidade, incluindo espirro, respiração ofegante e perdigotos. Nada escapou. Ah, não se preocupe em achar sentido em alguns trechos, não é erro da decupagem, é que é assim que o cara pensa. Lá vai.
É tudo culpa desta imprensa marronzista, diria o sábio conterrâneo baiano, patrono dos políticos do axé e meu inspirador, Odorico Paraguassu. Oxe, meu rei, eles querem é enfraquecer a presidenta Dilma. Mas não vão conseguir porque a mulher é macha. Quero dizer, forte, enfim, nada tenho que ver com o louco do Bolsonaro.
Não há nada de errado, garanto pela minha mãe mortinha. Se o guverno não tivesse trabalhando... mas tá trabalhando e muito. Tão dizendo que há um desvio de setecentos milhões naquele modalzinho do matrogrosso. Eu pergunto, o que é isso diante da mudernidade que o povo vai ganhar? Vão andar de trem em vez de ônibus que é coisa da pobreza de um Brasil que nós queremos esquecer.
Não tive conhecimento de nada, nem tenho posto o pé no ministério só rodando o país, trabalhando. Isto é gente insatisfeita com nossa administração séria e honesta. Querem me tirar do ministério porque não passei e nem vou passar a mão na cabeça de ninguém. Já mandei investigar. Se alguma coisa aconteceu, cabeças vão rolar.
De que eu falava mesmo? Ah, do trem. Não, da mudernidade. Mas o que fazem esta imprensa preconceituosa com um guverno que se dedica ao povo? Inventa desvio, isso e aquilo. Estão criando a república da discunfiança. Com isso, nós povo desta terra de encantos mil, não podemos concordar.
Eu não tô dizendo que é preconceito? Foi por causa da festa do bode. Para seu guverno, o bode é um orgulho nacional nordestino. O bode sustentou o povo na seca, deu carne, deu o couro, deu o chifre, quero dizer, o chifre não, o leite. Eu mesmo mamei na tetas de uma cabrita. Ahã, é que o leite de minha mãe era fraco, que Deus a tenha em bom lugar. Olhos marejados.
Se fosse uma festa da uva, da maçã, coisa destes sulistas estrangeiros, ninguém dizia nada, mas como é uma singela festa a um símbolo máximo da resistência de um povo, aí caem de pau com esta lenga lenga de usar dinheiro público. Ora, se a festa é para o povo como não havera de usar dinheiro público?
Recompõe-se. Não vou me agachar pra ninguém, não fico de joelho, isso eu deixo pro próximo ministro que cair na esparrela de fazer m... Se o Lupi diz que pra derrubá-lo só a bala, eu não fico de joelho, só diante do Senhor do Bonfim e São Jorge, meu santo de estimação. Não sou apegado ao cargo. Se a presidenta Dilma não me quiser mais, eu dou a ela... Ministro! O cargo, meu filho, o cargo de volta. Oxe!
Esta imprensa discriminidora de nordestino tá querendo é fazer campeonato de derrubança de ministro, mas eu não vou ser a bola da vez. Comigo não, violão! A presidenta já mandou um recado de que eu tô mais firme do que nunca. Eu e ela tamo assim (junta os dedos indicadores e esfrega). É como eu disse, a festa do bode e o trem leve são lados da mesma moeda, são para o benefício do povo, e estes papagaios ensaiados ficam se preocupando com mixaria. Vão se catar cambada de não tem o que fazer!

domingo, 20 de novembro de 2011

Praga humana


O mundo chegou aos sete bilhões de almas viventes. Haja comida, casa, trabalho e água potável para tanta gente. Agora lascou. Dizem que ainda não precisaremos viver todos em quitinetes à moda japonesa, mas chegaremos lá. A sensação que tenho, entretanto, é que já me falta um tantinho assim de ar. Nem consigo mais comer sem cutucar alguém do lado com meu cotovelo. De repente, sou acossado pela quase certeza de que sou vizinho de toda essa gente. Mas não me refiro às babaquices românticas dos ecochatos de que habitamos a mesma nave mãe e blá, blá, blá. Tô falando do barulho, do mau cheiro, dos maus modos, dos malas e chatos. Ah, meus caros leitores, estes vão se replicar como bactérias.
Faça um exercício simples do seu presente-futuro. Imagine fila de banheiro agora. Novos inquilinos terão que pedir senha antes de nascer para dar as caras. Terá que haver rodízio de quem come. Sair na rua ou até dentro de casa, também rodízio. Números de posição de nascimento pares: segunda, quarta e sexta. Ímpares: terça, quinta e sábado. Domingo é para a galera que nasceu em 29 de fevereiro.
Evidentemente nem todos estão contribuindo de forma igual nesta competição em que nos reproduzimos como ratos. Alguns países estão especialmente empenhados. Os países mulçumanos em geral por que querem afogar a civilização judaico-cristã-ocidental com suas barbas, turbantes e burcas reprodutoras de Mohameds. Os hindus porque inventaram o kama sutra e, como dizia a Zezé Macedo em seu personagem na Escolinha do Professor Raimundo, só pensam naquilo. Os chineses porque querem ter um mercado comprador dentro de casa e dominar o mundo como segundo plano.
Nós no Brasil estamos encolhendo. A mulherada diminuiu ainda mais sua taxa de fertilidade, diz o IBGE. Em 2010, as brasileiras tiveram apenas 1,86 filho por mulher. Não se assuste, não nasceu ninguém 0,86 gente. É só uma abstração estatístico-epidemiológica. Claro, isto tem um lado bom. Teremos mais espaço que os outros, mas faltará braço quando tivermos que nos defender das invasões das hordas famintas. Perguntem aos bolivianos se não é verdade.
O site da BBC Brasil comemorou esta incrível façanha reprodutora humana criando um dispositivo em que você digita a data de seu nascimento e voilá, o sistema diz qual é o seu número entre os sete bilhões. Outro número, este monstruosamente grande, diz qual é sua posição entre todos os seres humanos que existiram na terra até hoje.
No dia do meu nascimento eu ocupei a mastodôntica posição 3.334.470.205... Ufa! Por posição eu deveria lê-lo na forma ordinal, mas como minha matemática nunca passou do elementar, não sei ler isto. Assumo, sou analfabeto em tal assunto. Mas a coisa piorou. De todos os terráqueos vivos e mortos que palmilharam este solitário planeta eu sou o 77.242.526.004. Bom, aí nem na forma arábica me atrevo a ler.
A pergunta que corrói o juízo é como sabem que viveram este mundo de gente até hoje desde os primórdios? Por exemplo: inclui o primeiro cara que um dia, cansado de ser um piteco qualquer da vida, desceu da árvore e caminhou sobre as duas patas anteriores? Ou, para agradar aos religiosos, inclui nosso velho conhecido Adão e, por suposto, sua bela Eva? Exclui a serpente? Certo, não consta que fosse humana, embora, a seu modo, nos tenha legado coisas hoje demasiadamente humanas.
O que significa tudo isso? Não tenho a menor ideia. Divago. Outro exemplo. Qual é o número fatal em que haverá tanta gente que estarão escapulindo para o espaço sideral pelas beiradas? Há várias projeções, ninguém se entende nesse particular. Mas uma coisa chegar aos sete bilhões rendeu. As aves do agouro, leia-se apocalípticos de todo quilate, estão mais vivos do que nunca. Não destituídos de toda razão, convenhamos. Afinal, se pensarmos bem, nem precisaremos de bombas e outros telecotecos para nos acabar. Nós seremos nossa própria bomba. Com tanta gente por aí, uma hora vai faltar bolsa Vuitton pra todo mundo, embora os chineses não descansem dia e noite produzindo cópias populares. Nem se fale no filezinho com fritas. Apartamento de cobertura, então, vai ficar pela hora da morte. Vai ser o fim.

domingo, 13 de novembro de 2011

Dirigir, comer e rezar... é uma marretada


Jennifer Coll estava dirigindo em uma estrada rural, na cidade de Loveland, quando teve o carro atingido por uma marreta, que quebrou o para-brisa do carro e atingiu a motorista de 60 anos em cheio no rosto. 
Jennifer sobreviveu apenas com o rosto machucado. Para ela, foi um milagre. No momento em que seu carro foi “atropelado” pela marreta voadora, a motorista estava rezando.
Fonte: Do UOL Tabloide (Em São Paulo - 09/11/2011)

Dirigir em São Luís é um saco. Fossem apenas as péssimas condições das vias vá lá, pior ou igual a isso é a vasta fauna de antas, burros e cérebros de minhoca que sentam no lugar dos motoristas e, pasmem, conseguem tirar o carro do lugar. Não sem consequências. A eles nunca lhes foi apresentado a pequena alavanca, logo abaixo da direção que serve, entre outras coisas, para acionar as lanternas sinalizadoras. Mais ainda. Invadem faixas, andam na contramão, avançam sinais. Como pebas ensandecidos, cavam qualquer brecha e enfiam o carro lá, pra cima de você que, tentando ser civilizado, ocupa seu justo lugar à espera de que o trânsito ande.
Mas não se tem notícia de que um motorista tenha sido atropelado por uma marreta. Você leu corretamente. Aquele treco com que trabalham denodados peões para demolir coisas ou cravar estacas onde se lhes mandam. A simpática Jennifer viajava tranquilamente por uma boa estrada americana quando BUM. Uma marreta atravessou o parabrisa e acertou no meio do seu frontispício.
Conseguiu parar o carro e pedir ajuda. Foi socorrida por um atônito transeunte que só a custo acreditou na história porque jazia no bando do carona a marreta assassina que, como se vida tivesse, voou por aí e, sem brevê, sapecou-se na pobre mulher.
A autoridade policial queria porque queria saber se a digna senhora teria algum inimigo. O suspeito natural seria algum pedreiro mal pago ou com quem tivesse dívida. Mas dona Jennifer negou e eis a surpresa. Não tem inimigos. Leva vida simples e frugal. Mulher religiosa e boa vizinha. Quem teria interesse em matá-la de forma tão inusitada? Ninguém, por suposto. Porém, em meio ao relato, dona Jennifer diz que na hora do acontecido estava rezando.
O experiente policial de Loveland sacou na hora que aí estava a charada de todo o imbróglio. Sim, porque homem destemido e dedicado à sua profissão não deixaria acontecer uma coisa tão relevante em sua cidade sem que esclarecesse tudo, tintim por tintim.
Quis saber sobre o que rezava dona Jennifer. Ela retrucou que sobre nada, apenas rezava. Quantas vezes a senhora reza por dia? Quis saber. Não sei, toda hora, até dirigindo. Está explicado. A única forma de uma marreta voar e atropelar a senhora é um ato divino. Pois, como se sabe, ela violou a lei da gravidade. É um milagre, disse dona Jennifer. Deus estava comigo e me salvou.
É aí que senhora se engana. A senhora ignorou que a paciência divina também tem limite. Permita-me adverti-la, o Senhor não estava num bom dia certamente e justo por perturbá-lo dia e noite, ele como que deixou escapulir a marreta. Não para matá-la evidentemente, afinal ele controlou a intensidade, a velocidade e, como pode tudo, subverteu as leis da física, apenas para alertá-la que hoje não era um bom dia para ladainhas. A senhora não tem amigos ou parentes com quem conversar?
O senhor está louco. Onde já se viu falar uma heresia dessas sobre o Senhor? A paciência DEle é infinita, se o senhor quer saber. Eu sempre converso com Ele quando dirijo. Taí a explicação de suas multas, retorquiu o policial. Dona Jennifer, não vamos ficar aqui discutindo o que o Senhor acha ou deixa de achar, a prova está na sua cara e me desculpe, mas penso que o Senhor até se divertiu com esta traquinagem e de lambuja, ainda manteve a senhora mais crente do que nunca, pois insiste em dizer que Ele a salvou.
Para um policial, o senhor está excedendo suas funções. Não preciso de conselhos sobre a paciência celestial. Tudo bem, mas só por preocupação, da próxima vez que a senhora for rezar e dirigir use um capacete e não é garantia de nada. Olha só o que aconteceu com aquele piloto brasileiro. Mas aí não teve nada a ver com o Senhor, foi o Barrichello que ainda não aprendeu a dirigir.

sábado, 29 de outubro de 2011

Defuntos caloteiros


A prefeitura da cidade espanhola de Zaragoza lançou uma campanha para alertar familiares inadimplentes que quem não saldar dívidas com cemitérios locais terá os restos mortais de seus entes exumados.
Aproveitando a chegada do dia de Finados - que na Espanha é celebrado no dia 1º de novembro - a prefeitura colocou adesivos nas lápides advertindo que a sepultura está com pagamento vencido e que os familiares tem 15 dias para saldar suas dívidas, em geral ligadas a taxas de manutenção dos cemitérios. relacionadas a taxas.
Fonte: Anelise Infante (De Madri para a BBC Brasil - 28 de outubro, 2011)

A família chegou ao cemitério com as dores distantes, as lembranças frescas e, por que não dizer, com certa alegria em, digamos, rever os parentes enterrados no jazigo familiar. As crianças faziam perguntas inoportunas e enchiam a paciência porque não entendiam a razão de visitar um cemitério, ainda por cima “ver” pessoas que elas nunca conheceram.
O pai, empertigado, disse que era um dever familiar visitar os parentes, afinal, era uma vez só no ano e eles, coitados, passavam os outros 364 dias sozinhos. Era também um dever cristão, sem contar que relembravam boas coisas e riam de episódios que só o cemitério mesmo para fazê-los voltar no tempo.
Estavam ali, quase displicentes naquela fresca manhã de finados, quando viram de longe, circundando a base da estrutura, uma faixa que dizia “Jazigo vencido” em letras vermelhas garrafais. Sobre o túmulo, um estranho amontoado de ossos, formando um quebra cabeça asqueroso. Ainda estavam em choque, aquilo só poderia ser uma brincadeira de mau gosto. Não era. O filho mais novo, num segundo, já havia pegado um fêmur e começou a bater no irmão mais velho que abriu um berreiro. A mãe, atarantada, tentou impedir que o outro filho fosse nocauteado e acabou derrubando um dos crânios que rolou rua abaixo com a boca escancarada num sorriso apavorante.
O marido deu um berro de pavor e indignação e agora, quem era quem? Somente naquela sepultura havia umas três gerações da família e estavam misturados. Procurou a direção do cemitério, exigiria explicações. Mais que isso, pediria uma indenização por falta de respeito com sua família.
O gerente do cemitério disse que enviou mais de dez correspondências aos mortos cobrando anos de taxas não pagas. Ou ele pensava que só porque estavam mortos não teriam que pagar para ficar ali? Aliás, disse ele, a inadimplência havia chegado ao cúmulo que pensavam até em falir o cemitério. Mas nem todos são salafras, olhe aqui seu Euzébio, paga direitinho. Mas para cada pagante há dezenas de defuntos caloteiros.
Ele não sabia o que dizer e falou o que lhe veio à mente. Quem sabe eles não tivessem recebido a correspondência, afinal o correio vive em greve. Ele mesmo, em várias conversas com eles, nunca soube de dívida nenhuma. Como assim, conversas com eles, quis saber o gerente do cemitério. Só você que é um desalmado que não fala com seus mortos. Mas o que ele queria saber era como é que iam montar os corpos novamente. Eu não quero nem pensar no que o vovô vai dizer quando se perceber com uma anca da tia Gertrudes, logo ele que sempre foi machão. E tia Quina, com a cabeça do primo Ernesto.
Desculpe, senhor, mas estamos numa crise severa e o senhor não vai acreditar na quantidade de defunto velhaco que temos aqui e olha que avisamos com antecedência. A ordem aqui é de despejo para quem não pagar. Eles se valem de sua condição, querem que tenhamos pena deles, mas e as taxas atrasadas e os vivos que trabalham, não comem? Não quero saber de suas razões. Processarei este cemitério, no mínimo, por vilipêndio dos corpos e covas, quem sabe não cabe aí uma brecha legal no estatuto do idoso.
Ao voltar à cova, o pai encontra a esposa em estado de choque. Pega um crânio: vovó, é a senhora? Solta, pega um braço que se esfacela: desculpe tia Quina, é que a senhora está tão magrinha. Primo Ernesto! Os meninos, já reconciliados, faziam embaixadinhas com a cabeça do tio para total desespero dos pais.   

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Minhas amigas, as piranhas.


Usando microfones subaquáticos, a equipe da Universidade de Liège, na Bélgica, gravou os sons emitidos pelos peixes quando se confrontavam.
Em artigo publicado na revista científica Journal of Experimental Biology, a equipe disse ter identificado três tipos de sons, cada um contendo uma "mensagem" específica.

Fonte: Victoria Gill (Repórter de Ciência e Natureza, BBC News – 13/10/2011)

Zé do Oim recebeu este nome pela simples razão de que seus olhos eram, de fato, olhinhos, espremidos assim como se estivesse permanentemente encarando o sol. Tinha lá um quê oriental que ele dizia, não sem certo orgulho, que era devido a uma longínqua tataravó. Segundo sua lenda familiar, tinha sido a pobre mulher capturada pelo seu tataravô. Numa caçada, o homem ouviu os cachorros latindo em sinal de ter acuado uma fera. Mas eis a surpresa dele, ao chegar ao local a fera era uma indiazinha por quem caiu de amores. 
Oim é um tanto parvo, mas tem lá sua esperteza curtida na vida. Fica danado mesmo é com a insinuação de que é filho de chinês. Que chinês o quê! E lá conta a saga da índia, sua avó pré-histórica.
Soube esta semana que uns gringos no estrangeiro descobriram que piranha late. Primeiro se confundiu. Não que chame aquelas moças de piranhas, acha isso falta de respeito com as duas, a mulher e o peixe. Acredita que piranha só tem uma, o peixe. E não vê como é que a outras se parecem de alguma forma com o hidrológico animal. Será que é porque agora também chamam as mulheres damas de cachorras? Não sabe responder.
Explicaram a Zé do Oim que a pesquisa se realizou com piranhas mesmo, isso para grande admiração e espanto dele. E só descobriram isso agora? O informante ficou um tanto desconcertado. Como assim, só agora? Zé do Oim, nascido à beira do Mearim, pescador desde criança, acostumado a chupar cabeça de cascudo, balancou a cabeça em sinal de enfado. Ô gente mais besta! Gastaram dinheiro com isso?
O interlocutor tentou dar ares de importância à pesquisa. Disse que descobrir que as piranhas latem para se comunicar era uma forma de conhecer mais estes animais e até ajudar aos pescadores a melhor época para pescar e outros blá blá blás. Zé permaneceu com seu ar superior. As piranhas da beira do rio onde pesco não só latem como miam, imitam passarinho e, não conto história de trancoso, tem uma lá que canta igual a Alcione. Eu mesmo ensinei as bichinhas a vigiar minhas galinhas e explicou – tem muita raposa por lá.
Vou contar como peguei amizade com as piranhas. Estava eu pescando e ouvi um rosnado. Olhei prum lado, olhei pro outro e nada. Já pensava em dar uma pedrada no cachorro que, fazendo zoada, ia espantar os peixes, mas não vi nem um. De novo, rosnado e latido. E não é que tinha umas três piranhas tentando espantar uma onça que estava pendurada num pau de olho em mim. Aí sim, foi um susto grande. A bicha ia pular bem no meu cangote. Mas com tanto latido, fugiu.
Joguei as iscas para minhas amigas cachorras, quero dizer, piranhas. Nossa relação mudou totalmente: agora eu cuido delas é com leite ninho e coca-cola para arrotar. Ô bichinhas que aprendem coisa. Se você for lá, eu mostro. Dão saltinhos, rolam, dão as barbatanazinhas e buscam um pedaço de pau quando jogo lá no meio do rio. Agora tem uma coisa, são sestrosas. Gente de fora elas ficam meio envergonhadas e dão no máximo um rosnado. Acho que comigo é porque pegaram gosto da minha pessoa.

sábado, 15 de outubro de 2011

Abaixo as feministas. As mulheres querem a bolsa lingerie.


A Secretaria de Políticas para Mulheres do governo federal pediu ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) a suspensão da campanha publicitária "Hope ensina", que traz a modelo Gisele Bündchen mostrando a "melhor maneira" de contar más notícias ao marido.

Fonte: Folha (De Brasília) 28/09/2011

O que sei é que se ela continua com aquele requebro em cadeia nacional de tv, naqueles trajes minúsculos, é capaz de fazer mais estrago às nossas conquistas do que a Associação do Cornos Cearense e ainda pior, a Associação dos Machistas Mineiros. Se juntar todas aquelas ucranianas sem classe balançando os peitos em praças, nem chega perto da punhalada nas costas que essa provoca.
Vejam companheiras, se isso não é um disparate. Como é o nome dessa menina mesmo? Gisele, disse uma. Ela casou com um atleta americano liiiindo... Companheira, contenha-se, não queremos saber de sua vasta cultura cultivada em horas de leitura da Contigo, Caras e sei lá mais o quê. Isto aqui é uma reunião para deliberar o destino da mulher brasileira, quiça do mundo, digo eu.
Houve entreolhares entre as participantes, como que a entender o limite do que podia ou não em tão importante congregação. Afinal, ali estava  a nata da Secretaria Especial das Mulheres, amazonas da causa. Sem que as outras se preparassem, a ministra se levanta e arremeda o andar da inimiga. Para, bota as mãos nas cadeiras e diz: amor, eu bati o carro. Disse da forma que entendia ser uma fala sensual. Apertou os olhos atrás dos óculos, fez biquinho. Risos nervosos ecoaram timidamente, afinal não se sabia se era para rir.
Nem se fale no espetáculo dantesco que o desfile mumesco proporcionou. A cena era capaz de dar convulsão em lesma. Mas conhecer as artimanhas do inimigo é fundamental, já ensina o velho Sun Tzu. Às vezes, é preciso interpretá-lo, senti-lo, colocar-se como se fosse o próprio. É a única forma de entrar em sua mente. Esta foi a peroração da ministra para justificar o que chamou de “revivescência do ataque do inimigo”.
Proponho que o comercial infame seja retirado do ar sob pena de graves danos à causa da mulher nacional. A gente tem que parar de ficar só celebrando a Maria da Penha, é preciso criar fatos companheiras, se não nosso ministério vai pra cucuia. Ministra, vão dizer que estamos ressuscitando a censura, que somos uma bando de bruxas que não tem o  que fazer. Para seu governo, companheira, nós petistas fomos vítimas da censura, isso aqui é defender os bons costumes, as conquistas femininas. Se temos que tomar uma medida radical, que seja.
Ministra, vamos pedir para proibir por que mesmo? Não vejo mal nenhum na propaganda, aliás, o companheiro lá de casa iria adorar eu dentro daquela lingerie que é tudo. Companheira, estou passada. Estou sem fala, como é que você foi contratada para este ministério? Aqui defendemos a causa feminista, você está com o discurso das inimigas e ainda faz o papel de advogada da diaba.
A cada rebolada dessa zinha aí, anos de lutas e conquistas a duras penas vão pelo ralo. Nosso movimento, em seus primórdios, tirou a calcinha e o sutiã como símbolos máximos da opressão masculina. Este comercial, companheiras, “promove o reforço do estereótipo equivocado da mulher como objeto sexual de seu marido”. Esta outra quer nos fazer usar estas roupas fetichistas para nos tornar simples objetos da luxúria do homem. Ministra, a senhora não está sugerindo que nós... O riso foi geral e incontido. Até a própria disse que não... havia perdido, se posso dizer, o rebolado.
Recompondo-se. Eu tirei, sim, o sutiã, era nossa bandeira. Uma cochichou com outra. Deve ter matado duas baratas que passeavam cá embaixo. Já a calcinha, não tirei não. Bem, joguei uma para o Wando, aquele beiçudo danado. Mas é só este pecadilho que tenho. Mais risos. Êpa, isso aqui está desandando. Temos que ir às ruas, fustigar o judiciário. Cadê o Conar? A propaganda atenta contra dignidade feminina. Nos rebaixa a um corpinho bonitinho e só. Silêncio. Então, companheiras?
Está decidido, vamos às barras dos tribunais pedir o fim desta humilhação. Justo agora que temos uma presidenta, vem esta mulher, agente subversiva do erotismo, vulgarizar todas as mulheres só porque é bonita e gostosa... Todas a olhavam com caras de “não sei e não tô nem aí”. Elas concordariam com o que fosse dito, mas sem convicção, não se sentiam ameaçadas pela Jezabel Gisele.