domingo, 31 de dezembro de 2017

FELIZ 2018


Que neste ano novo você seja leve. Exercite a paciência. Aprenda a tolerância. Espalhe a paz e ame profunda e calmamente.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

O celular é o novo cigarro

Não é uma frase de efeito: “O celular é o novo cigarro”, disse Amber Case, socióloga americana que explora (estuda) as questões relacionadas ao nosso novo mundo virtualizado.
Case se referia a utilizá-lo como distração da existência (embora pouquíssimas pessoas admitiriam isso), como forma de passar o tempo, pois estamos sempre rapidamente entediados com tudo. Eu acrescentaria para preencher os espaços do silêncio sepulcral entre as pessoas ou o desconforto da presença de estranhos tão proximamente íntimos, como num elevador, por exemplo.
O tédio parece resultar de um adestramento cognitivo e emocional pela torrente ininterrupta e interminável de estímulos a que somos submetidos hoje cada vez mais cedo. Estes estímulos produzem uma avidez pela instantaneidade, mas disso já falou muito bem Zygmunt Bauman. Estamos condicionados irremediavelmente.
Case é categórica: estamos sendo escravizados. O celular é o símbolo máximo dos grilhões escravizantes. Novamente, não é uma frase de impacto. Sua pesquisa registrou que as pessoas, em média, olham o celular entre 1000 e 2000 vezes num único dia!!!! Mesmo se considerarmos que cada olhada leva alguns segundos é um bocado de olhada.
A socióloga sugere que devemos, conscientemente – e aqui há outra questão que ela destaca, talvez a mais importante –, silenciar o smartphone (não há uma ironia nisso?) ou colocá-lo no modo avião por algum tempo durante o dia. Pede que recuperemos o velho despertador analógico ou digital, tanto faz, em lugar do celular que permanece ligado 24 horas. O cérebro, segundo afirma, sofre com a conexão constante.
Retomo a parte que considero mais importante. Estar consciente, controlar o celular em vez de permanecer atado a ele como zumbi, é um tipo de ganho de liberdade. Quanto daquilo que você vê no celular é, de fato, necessário, importante, isto é, algo que faz diferença na sua vida? Quanto disso você se recorda depois de horas grudado à telinha?
Estamos sendo roubado de nós. Vivemos focados em tudo que está fora, especialmente na aprovação ou qualificação que apps e redes sociais criam a nosso respeito. Um episódio do humorista americano Larry David explora esta situação. Ele foi mal qualificado pelo motorista o Uber e isso resultou numa exclusão dele por outros motoristas. A situação se desenvolve num completo nonsense e cenas de ridículo atroz.
As pessoas são agora boas ou más (aqui num sentido amplo, sem qualquer avaliação moral) se elas tem bons perfis nas redes. Valor que obedece a toda uma ética relacional e urbanidade virtuais criadas não mais pela convivência humana direta, mas por algoritmos que, afinal, venderão propaganda gerando bilhões aos donos das redes sociais. Não é incrível que muito do oferecido é “grátis”? Não lhe vem à mente aquela imagem icônica de Matrix: milhões de pessoas em casulos gerando energia para as máquinas?

Concluo com uma frase de Case: “Vivemos constantemente em atenção parcial, nunca estamos presentes, portanto não temos tempo de reflexão.” Qual foi a última vez que você se deu conta, por si mesmo, que estava vivo, sem que tenha sido fruto de alguns likes e curtidas?

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Tá, o assunto já deu, mas...

O assunto "cura gay" ainda dá leitura. Esta semana o portal UOL, o maior defensor da ideologia de gênero, e muitos outros meios repercutiram a negativa do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho ao recurso impetrado pelo CFP para manter a Resolução 1/1999 intacta.

O mesmo UOL achou razão, mais sugerida que real, na suposta preterição do juiz em escolha para o cargo de Desembargador por causa de sua decisão.

Enfim, como em muitas questões polêmicas, as versões ganham status de verdade.

Produzi mais um texto que tenta lançar alguma luz no imbróglio. Você pode ler no site da Revista Ultimato aqui.
 

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Cura Gay. Onde está a verdade?

Inacreditável! A recente controvérsia que tomou conta do noticiário é, literalmente, de abismar. A dimensão que a coisa tomou é desproporcional ao seu conteúdo. Exceção ao CFP que sabe exatamente o engano que produziu para dar suporte a uma ideologia de gênero do qual é supremo defensor, os demais, imprensa, militantes gays e simpatizantes, não tem a menor ideia do que estão falando. Apenas repetem seu repúdio que nem papagaios e por meio de jargões, entre eles o termo maldosamente cunhado: “cura gay”.
Neste espaço já postei vários textos que debatem, creio eu, sem o fanatismo dos militantes ideológicos de ambos os lados. Duas vezes defendi a Rosângela Justino (vejam aqui e aqui) que volta novamente aos holofotes. Não porque concorde com suas ideias no todo, mas por que nos dois momentos percebi uma clara postura persecutória tanto do CRP do Rio de Janeiro, como do CFP, incluindo uma arapuca que lhe armou uma repórter da Folha de São Paulo. Assim também me posicionei em favor do Silas Malafaia (veja aqui), ainda que dele discorde em muito mais coisas.
Em outras duas oportunidades (aqui e aqui) discuti neste Blog a famigerada Resolução CFP 1/1999 que determina aos psicólogos a proibição de atender gays, e de jeito nenhum que este atendimento se trate de uma suposta cura de sua condição. Naturalmente, um psicólogo que defenda a Resolução e até trabalhe para que os que estiverem em dúvida se assumam ou saiam do armário, estes receberão aplauso.
Um esclarecimento. Do mesmo modo que até hoje não se tem uma causa única da condição gay que é multifatorial – elas passam da genética à cultura e construções psicoafetivas –, tampouco existe uma cura médica ou psicológica. A inclinação homoafetiva não é, em si, uma doença psiquiátrica. Todo psicólogo minimamente instruído deveria sabê-lo. Portanto, a ideia de reversão parece absurda por qualquer ângulo que se analise. Seja para negá-la ou afirmá-la. E a razão se deve à enorme complexidade envolvida nesta manifestação da sexualidade humana.
Um psicólogo que venda a reversão ou cura, nestes modos, pratica mal a psicologia. Mas um psicólogo pode, sim, atender um gay, suposto ou assumido, em dúvida ou definido que, nesta condição e por causa dela, sofra psicologicamente. Onde está a teoria científica, a norma ética, que obriga o psicólogo a agir apenas em favor da pessoa se assumir gay? Então se deve subverter uma das mais caras posturas deste profissional que é ajudar, caminhar junto, prover suporte sem julgamento ou direcionamento de qualquer natureza quando se tratar de levar alguém a assumir ser gay? Um gay está reduzido apenas à sua sexualidade ou é um sujeito marcado pelas experiências familiares, sociais, culturais e religiosas? Ele pode escolher outra coisa ou, fatalmente, só pode ser gay?
Demonstrei numa análise do próprio texto da Resolução que ela é falha (ver os textos indicados), ambígua e atenta contra a liberdade do exercício profissional do psicólogo e da pessoa que busca ajuda, por ser generalista, limitante e não discriminar as inúmeras situações que podem ocorrer num consultório. A coisa, a levar ao pé da letra o que determina a pobre Resolução, fede a puro autoritarismo e atenta contra os princípios da própria psicologia. Será que todas as pessoas que procuram um psicólogo são doentes, padecem de algum transtorno mental?
Agora o tema explodiu num misto de escarcéu e deboche de muitos gays famosos com ampla cobertura – e põe ampla nisso – da imprensa. Na internet, então, o tema já entrou para os trends topics. Pessoas famosas têm emprestado sua cara e tirado uma casquinha do furdunço: artistas diversos e o médico Dráuzio Varella. Mais do que nunca vivemos um tempo de protagonismos e quando mais se defende a agenda-setting, mais “likes” se ganha. Não importa se o defensor entende ou não o que está falando.
Do sentimento de ultraje da militância gay e simpatizantes de outros momentos, agora a postura é de desabrida condenação, de ridicularizar e o sarcasmo contra a mais singela discordância de seus pontos de vista. Ninguém quer sequer entender o que disse o juiz que, como qualquer pessoa sensata, percebeu as possibilidades nefastas que a Resolução do CFP cria e efetivamente está acontecendo. Qualquer posição divergente a ela recebe de seus defensores a condenação e a marginalização para seus contrários.
O que ocorreu, afinal? Um juiz federal em Brasília – Waldemar Claudio de Carvalho –, provocado por um grupo de psicólogos, determinou que estes poderiam, em certas condições, atender gays para supostos tratamentos de reversão de suas inclinações homoeróticas. Bom, façamos um ligeiro reparo nesta frase que na liminar está assim: “Sendo assim, defiro, em parte, a liminar requerida para, sem suspender os efeitos da Resolução nº 001/1999, determinar ao Conselho Federal de Psicologia que não a interprete de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à (re) orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia por parte do C.F.P., em razão do disposto no art. 5º. inciso IX, da Constituição de 1988”.
Percebam a frase sublinhada. Este é o nó da questão. Definitivamente pede muitas linhas explicativas que num despacho é impossível de analisar. Baseados nela, podemos discutir sobre a liberdade tanto do profissional que atende como do cliente que o procura. Poderíamos debater sobre o que é realmente esta reorientação sexual. Será que se disse ali, como cinicamente CFP e imprensa estão espalhando, que reorientar – concordando ou não com o termo – é o mesmo que igualar ser gay a ser doente?
Ainda naquela pequena frase. Pode-se questionar se existem graus de gaysismo e até quando uma pessoa reverte ou não? E ainda. Será que todas as pessoas que percebem a inclinação homoafetiva já vêm completamente resolvidas? O juiz determina que se cacem gays nas ruas e os obriguem a mudar?
Um psicólogo é o profissional do acolhimento. Da compreensão da dor da alma das pessoas. Deve exercitar a compaixão e a empatia sempre. As regras no Código de Ética Profissional são mais que suficientes para orientar a prática psicológica e punir aqueles que dela se desviem, e isso sempre que desrespeite a profissão e/ou seu cliente seja do jeito que for.
Já a Resoluçãozinha, que o CFP se recusa a discutir, é um libelo de declaração política. Ela se imiscui na intimidade dos consultórios e violenta a prática psicológica para determinar às pessoas, profissionais e clientes, sua ideologia, nada mais, nada menos. 
Os gays brasileiros, ricos e pobres, famosos ou anônimos, merecem respeito porque são pessoas, tem a dignidade intrínseca de todo ser humano e essa razão é mais que suficiente para que assim sejam tratados: nenhuma discriminação, nenhuma violência, nenhuma intolerância, nenhum desrespeito. Mas isso também vale para aqueles que deles discordam e de seu modo de vida – afinal não se trata apenas de como fazem sexo –, ou seja pelo que for, desde que, sempre, se mantenham dentro dos limites do amor ao próximo.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Ninguém me deve nada

Tem gente que pensa que o mundo lhe deve algo. Grande parte dos que assim pensam e agem, nem sabem discriminar o que seria esta dívida. Outros a definem de muitos modos. Pode ser por meio de atos de empáfia, arrogância ou uma vaga certeza de alguma superioridade moral, econômica ou outra coisa qualquer.
De fato, subjaz a estes comportamentos uma brutal insegurança. A percepção de que os outros lhe são devedores é uma compensação para sua própria autoestima desgastada. Faltou-lhes a aprovação necessária em algum momento da vida e então, cobram a fatura do resto do mundo.
O mundo falhou com eles, pois que paguem. Em todos os perfis psicológicos das pessoas que infligem maldades aos outros, passando por ditadores sanguinários, parceiros ou parceiras afetivos abusivos, pais ou mães que alienam filhos emocionalmente, sociopatas assassinos, há traços de sentimento de inferioridade, ódio e distanciamento afetivo dos outros.
Há quem diga que Hitler sempre foi medíocre em tudo. Mas com uma vontade de ferro e crenças adoecidas sobre o mundo e as pessoas. As muitas rejeições, por sua mediocridade, alimentaram sua loucura e deu no que deu.
Estes eternos credores de todos guiam suas relações pelo débito-crédito. Tem memória de avaros emocionais. Eles só fazem algo por você, quando fazem, se você fez algo por eles. E fazem isso com filhos, esposos/esposas e amigos. Ninguém escapa de sua contabilidade. Criticados, respondem com lero-leros inexplicáveis, que são mais eles, etc.
A razão de se sentir credor dos outros pode ser religiosa. Esta razão, por si, é muito perigosa por que vem empacotada num sentimento de preciosismo, de se sentir escolhido ou bafejado pela divindade. Na miséria pessoal humana já é um perigo, imagine com uma certeza louca de ser um escolhido.
Por minha vez digo: ninguém me deve nada. Porque dever nas relações humanas, excetuando-se as questões comerciais, somos nós que, por sensível consciência, entendemos que devemos e ninguém nos deve. É um tipo de escolha. Se preferirem, um estilo de vida. Uma compreensão ampliada de todas as relações que estabelecemos agora ou no futuro.
Preciso reavivar sempre em mim que as pessoas não estão à minha disposição para atender meus desejos e caprichos. Que devo urbanidade àqueles com quem encontro, mesmo quem não conheço. Que devo pedir em vez de mandar. Que devo, sempre, usar as palavras mágicas: por favor, com licença, obrigado, desculpe... independente de meu interlocutor.
Devo o respeito à dignidade intrínseca que todo indivíduo tem, mesmo aqueles que, por razões absurdas em mim ou nas circunstâncias, eu não goste ou simpatize. Devo a compaixão aos caídos e solidariedade aos que sofrem, só porque agora é a vez deles, um dia será a minha.

“Sou devedor tanto a gregos como a bárbaros, tanto a sábios como a ignorantes.” Romanos 1:14

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

De volta ao wc mistão da PUC

Ontem (29/08), o Jornal Nacional retomou o tema do wc unissex da PUC de São Paulo. Reportagem mais direta e enxuta, mas agora de dentro do banheiro. Homens e mulheres entrando e saindo das cabines. Algumas imagens mostraram homens e mulheres conversando, enquanto se arrumavam na frente do espelho.
Entrevistados, todos a favor, elogiavam a iniciativa. Houve quem celebrasse este grande avanço e em todas as falas havia uma insinuação de superação destas coisas antigas e ultrapassadas de se ver as pessoas separadas por gênero. Aliás, não falta quem diga em alto e bom som que isso é pura construção cultural e outros, feministas e gente de esquerda, acrescentam: resultado de uma sociedade patriarcal. Esta palavra, patriarcal, virou palavrão.
Aos fatos. O movimento feminista impôs uma agenda e uma forma hegemônica de se discutir as questões relativas aos gêneros. Como toda ideologia que se abriga no grande arco da esquerda, tudo que discorda de sua forma de pensar, é arcaico, atrasado e trabalha contra a evolução para uma sociedade igualitária, progressista, moderna e livre. Todos quatros adjetivos foram conspurcados e usurpados no contexto das ideias de esquerda e feminista.
O personagem Zeca Bordoada, do inesquecível Guilherme Karan, seria patrulhado e a Globo, imagino, jamais o colocaria no ar hoje. Esta é outra característica de todo fanático, seja de onde for, eles não tem senso de humor.
Qual o resultado desta sanha por igualdade de gêneros? Homens fracos. Sem virilidade. Afeminados. Aqui no sentido de ganharem características comportamentais e de pensamento feminino. Homens cuja porção mulher, como diria Gil, se tornou a parte total de ser homem. No final do discurso por igualdade entre gêneros não haverá homens, mas mulheres de barba.
Borrar a fronteira entre homens e mulheres é um desserviço à pluralidade, à diversidade de formas de ver e trabalhar o mundo. Essa é outra característica da esquerda. Começa defendendo a igualdade que se torna um monstro nivelador que desconhece, em suas experiências mais radicais, qualquer individualidade. Neste caso aqui, subverte mesmo a biologia.
Sim, o discurso da esquerda e feminista é esquizofrênico. Não tem compromisso com a coerência. Vendem liberdade e igualdade, então aprisionam seu fieis numa camisa de força onde toda escolha acaba. As feministas heteros querem um homem, mas não o produto de seu próprio discurso, porque eles são elas mesmas.
Passeatas feministas em favor do aborto e outros temas no Brasil, em plena Av. Nossa Senhora de Copacabana, a maioria dos participantes pessoas jovens. No aglomerado, um monte de homens: pintados com slogans e grande parte deles com acessórios femininos, inclusive sutiãs. Quais cãezinhos amestrados repetiam as palavras de ordem que suas namoradinhas moderninhas mandavam.   
O terrível episódio, no Natal de 2016 em que várias mulheres foram estupradas em Berlim por refugiados – africanos, árabes e islamitas –, causou grande repercussão social e política. Uma passeata em seguida defendia a liberdade das mulheres e pedia proteção. Muitos homens se juntaram à passeata... vestindo saias ou lenços na cabeça!!!!!
Uma jornalista dinamarquesa, Iben Thranholm, gritou que os homens europeus em vez de defender suas mulheres, digo eu, dão gritinhos com palavras de ordem. A fala da jornalista, de fato, dizia que décadas de feminismo tornou o homem europeu um ser afeminado, deixando de lado virtudes tradicionais como virilidade, honra, coragem, coisas úteis para proteger suas mulheres e sua cultura.
Numa entrevista, ela teve que explicar sua fala ousada para outra jornalista que a tratou com verdadeiro horror e desprezo. Nestes países nórdicos, imagine, há acampamentos para homens aprenderem a ser... homens. Como? Fazendo coisas de homens e onde possam exercitar um pouco de sua testosterona.
O banheiro mistão da PUC é uma coisa ridícula. Elevado à categoria de símbolo do progresso e modernidade do Brasil, não acrescenta nada a ninguém. Se todos os banheiros da PUC forem unissex, o país ainda será atrasado, pobre e primitivo. Exceto para os puquianos que vivem sua própria realidade. Pois que se divirtam mijando e cagando juntos e veremos onde chegaremos!

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

O banheiro unissex ou o WC mistão revolucionário

Leilane Neubarth é uma das grandes apresentadoras de telejornais no Brasil. Trabalha como âncora da edição das 18, na Globo News. Nesta sexta-feira, constrangida, não era para menos, apresentou uma notícia em que um sujeito atacou uma idosa de 83 anos para roubá-la. Uma câmera captou toda a violência e ela alertou aos espectadores sobre as cenas fortes que seriam mostradas. O mal-estar da apresentadora era visível. As cenas que em dado momento são congeladas, faziam jus ao desconforto da jornalista e ao de quem certamente, como eu, viu as imagens chocantes.
Então, em seguida, ela começa dizendo: agora vamos para uma notícia, (hesitou em busca de palavras) eu diria assim, moderna, nova e boa. Às vezes a gente consegue ver que o país está andando pra frente. Corta.
Não pensei nada em especial, mas aguardei o anúncio de uma tecnologia inovadora, uma medida do governo que facilitasse um pouco a vida das pessoas, sei lá, haveria muitas possibilidades. Mas a notícia extraordinária que, segundo a apresentadora “mostra que o país está andando pra frente” era, pasmem, um banheiro unissex instalado de forma revolucionária, incrível, pioneira, inédita nas dependências de uma faculdade.
A unidade da PUC em Perdizes, São Paulo, depois de uma reforma estrutural no prédio, uma comissão teve a ideia genial de criar este espaço democrático para o xixi e cocô.  A repórter que foi cobrir o banheiro diz pateticamente: estou em frente ao banheiro e a única diferença que tem é a mulher e homem... E lamenta: de 35 banheiros que tem na PUC só um é unissex.
De fato, os dois símbolos era de um homem e de uma mulher o que me deixou boquiaberto que não tenham inventado um símbolo igualmente dúbio, afinal estaria mais apropriado para este espaço misto.   
Entra a reitora. A mulher é pura satisfação. Regozija-se ante tamanho feito de sua gerência pedagógico-administrativa. Ou era satisfação por estar na Globo? Olha que uma reitora se prestar para dar entrevista sobre um banheiro unissex é de lascar!!
A repórter pergunta como surgiu a ideia. A reitora diz que é uma ideia que “corre o mundo” (Uau!!). Tem nos EUA, na Europa... Talvez seja a isso que a Leilane se referia de um país que “anda pra frente”. O banheiro unissex da PUC nos empurra em direção ao moderno e novo dos países do primeiro mundo! Putz!!! E esse tempo todo a gente sem saber que era tão simples.
Câmera na reitora. Blá, blá, blá, então resolvemos que deveria ter um banheiro que homens e mulheres pudessem usá-lo indistintamente e todos que se sentissem à vontade para usar este banheiro que não discrimina as pessoas pelo sexo de nascimento.
A imbecilidade humana não tem limite. Então os banheirinhos todos, coitados, que separam os pintos das perseguidas, prática que a civilidade criou para conforto e higiene adequada de ambos sexos, são uns discriminadores das pessoas pelo seu sexo de nascença? Eu morreria e não saberia que estes insuspeitos ambientes para alívio das necessidades fisiológicas são contumazes discriminadores. Ainda bem que a reitora nos consolou, nós os outros que gostamos de ir ao banheiro cada qual em seu quadrado, na PUC de Perdizes as pessoas poderiam usar os outros banheiros separados por sexo. Ufa, que alívio. Sem trocadilho.
A repórter indaga sobre uma suposta polêmica nas redes sociais. A reitora diz que na universidade a notícia do banheiro foi recebida como muita naturalidade. Claro, é um lugar moderno! Aí ela cita uma quantidade enorme de gente que apoiou o banheiro mistão e quem não gostou não era da comunidade universitária. Ah, bom! E você aí que não entendia porque é que o Brasil não dá certo, né?

sábado, 29 de julho de 2017

O princípio da insignificância

É mais uma das milhares de histórias fakes que enchem a internet diariamente e a agora, o whatsapp. O título da notícia “perdeu playboy, tá liberado para o roubo de celulares” causou grande celeuma e revolta, eu incluído.
Decisão do STF, que adora legislar ante a anomia do legislativo-bandido, determinaria doravante que roubos de celulares no valor de até R$500 não daria cadeia, ainda que o meliante fosse pego em flagrante.
O UOL (28/07/2017) resolveu investigar o que tinha de verdade nesta escandalosa notícia. Bem, a coisa não era assim. Então, que aconteceu? Um caso de furto se arrastava pelos meandros do judiciário. Um sujeito furtara um celular que teria custado “apenas” R$90 e fora absolvido pelo Tribunal de Minas Gerais baseado num tal “princípio da insignificância”.
Uma explicação de minha professora advogada particular define que o princípio aludido deve ser empregado nas seguintes circunstâncias: ausência de periculosidade; mínima ofensividade da conduta; reduzido grau de reprovabilidade e inexpressividade da lesão jurídica. Talvez você não entenda estes termos, mas tem que ver com baixo valor do objeto furtado, nenhum dano físico à pessoa furtada (e o dano psicológico???) e para a lei não representar gravidade na conduta.
Voltando. Depois de idas e vindas, condenações e liberações do ladrão, o caso chegou, absurdamente, ao STF!!! Entra em cena o Ricardo Lewandovski, aquele que se o Joaquim Barbosa não tivesse peitado, não haveria uma miserável condenação no Mensalão.
Pois esse ministro decidiu: “Ante a inexpressiva ofensa ao bem jurídico protegido e a desproporcionalidade da aplicação da lei penal ao caso concreto, deve ser reconhecida a tipicidade da conduta. Possibilidade da aplicação do princípio da insignificância.”
Trocando em miúdos. O Ministro liberou o bandido acobertado pelo famigerado princípio. O grande detalhe desta história é que, vá lá, e evocação do princípio deve ser para beneficiar um ladrão réu primário. NÃO se aplicava ao trambiqueiro em questão, posto que era praticante profissional de furto.
A pergunta, neste caso, é: o valor de R$90 é insignificante para quem? Um trabalhador que ganha um salário mínimo seria tungado em 10% de seu salário, o que certamente faria muita falta caso ele tivesse que comprar outro aparelho. Evidente que para um sujeito como o Lewandovski este valor é, sim, insignificante. Mas suponhamos que o furtado não fosse pobre, o que certamente leva à questão de que, possivelmente, não teria um celular de R$90. Mas que fosse. E o dano psicológico? Ou alguém ignora que o brasileiro urbano vive permanentemente num nível de estado de alerta altíssimo, o que leva ao estrese e ansiedade com a (in)segurança pública?
Será que o tal ministro já foi furtado ou roubado? Como se sentiu? A sensação de impotência, o medo, o desamparo, a condição comportamental de tensão ao andar na rua, será que já sentiu? Duvido.
Outra questão importante. A mensagem que uma decisão dessa passa é que o crime, sim, compensa. Bem, todos sabemos, mesmo com a Lava Jato, o crime compensa no Brasil. Os dedos-duros, às dezenas, roubaram tanto que, mesmo devolvendo milhões, terão ainda dinheiro para duas ou três vidas nababescas.
Do ladrão de galinhas ao mega ladrão tipo Sérgio Cabral e a gang do PT, verão nessa decisão infeliz uma mensagem: roubemos que a gente vai se dar bem. Ao cidadão comum que trabalha duro, acorda cedo, sustenta a família, paga impostos escorchantes, suporta a inflação, sofre com o desemprego, a falta de saúde e educação, anda em ruas esburacadas e às escuras, é roubado e furtado pelos ladrões profissionais, quando não agredido ou morto, a este cidadão a mensagem é: vocês são um bando de idiotas!!!

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Cativar e se tornar responsável... tô fora!

O pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry é uma das obras mais traduzidas do mundo – mais de 250 traduções. Até o ano passado havia vendido um número superior a 140 milhões de exemplares. Um feito grandioso para um livro que ao longo de seus setenta e quatro anos tem fascinado muitas gerações.
Algumas de suas frases têm sido repetidas e citadas um sem número de vezes nas mais diversas situações. Uma delas tornou-se um clássico: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. A fala é dita pela raposa. Ela explica que cativar é fazer com alguém se torne distinto e especial para nós. Cativar, segundo a raposa, é tornar alguém especial para si e ser o mesmo para o outro. O aforismo fecha diálogo.
A frase me veio à mente quase que automaticamente. Não recordo o que me fez relembrá-la. Algo deu um estalo em mim. Um incômodo. Como se ao ouvir uma música conhecida percebesse uma nota dissonante, ouvisse o cantor desafinar. O que seria?
Aviso, não sou do contra. A frase tem seu valor, mas... a responsabilidade que evoca está bem para além do razoável. Confesso que tentei salvar a frase para mim mesmo. Mas os senões se multiplicavam em minha cabeça. Ser responsável é se importar?
A maioria das pessoas entende o “aquilo” como outra pessoa, afinal uma cadeira ou um planetinha não pode ser cativado, o contexto do diálogo reforça a ideia. Então, ao cativar, encantar, seduzir, maravilhar alguém – não encantá-la no sentido de enfeitiçar –, você se torna responsável por mantê-la com a mesma opinião sobre você? Lembrando Raul. E se eu quiser dizer (ou fazer) o oposto do que eu disse (ou fiz) antes? Estarei amarrado à responsabilidade de conservar o outro ainda encantado comigo? Isso não cheira a uma armadilha?
A palavra “eternamente”, percebi, me dá urticária. Sim, eu dou o desconto da licença poética, mas continuo achando-a muito pesada para criaturas datadas e cheias de finitude como nós. O que quer dizer “responsável” na frase? Parece não haver saída que não admitir seu significado direto: alguém que é capaz de responder por seus próprios atos ou pelas ações de outras pessoas.
Responder por si, mesmo quando se quer desdizer o que se disse antes, é um belo desafio e um símbolo de autonomia e certa liberdade íntima. Ser responsável pelo o que os outros fazem, nem com procuração! É um peso grande demais.
Talvez Exupéry quisesse dizer que quando cativamos alguém, irmanamo-nos com ela. Essa quase identificação sugere mais uma responsabilidade nossa que do cativado. Ou queria dizer que devemos ser responsáveis por aquilo que fazemos e dizemos, pois cada um teria o poder de influenciar os outros. Imagine usar este poder para cativar pessoas e levá-las para o mau caminho. Por que elas iriam? Por que são criaturas de mentes simples e sem referencial. Talvez carentes como a raposa que está cansada da vida monótona que leva.
Haveria diferença entre cativar de propósito, donde a palavra seduzir estaria mais adequada, e cativar pelo jeito de ser, pelo carisma pessoal? O primeiro pode conduzir a um tipo de dominação, carrega uma intencionalidade nem sempre honesta. O segundo seria espontâneo, pois o cativado foi atraído porque nele mesmo já estaria a identificação com quem o cativou.
Você pode aceitar a frase sem prensar em suas sutis implicações, seus pedidos de explicação ou repensá-la assim: Sou responsável por aqueles que cativo, mas sou livre e os deixo livres para partir e buscarem outros encantos onde desejarem e não tenho obrigação de satisfazê-los em suas expectativas sobre mim. Sei, perdeu a poesia, encardiu-se de realidade, diminuiu o efeito encantador, talvez porque em plena guerra, Exupéry quisesse apenas que seus leitores sonhassem um pouco, a realidade era cruel demais para aguentar. Talvez ainda seja. 

quarta-feira, 12 de julho de 2017

"No" ofenda a ninguém

“No ofenda a ninguém” Ignoro se a frase era uma tradução ruim do espanhol ou se foi um erro que os danados destes corretores costumam fazer nos pregando peças.
Era um videozinho destes que se distribui pelo whatsapp e – você pode ver aqui nesta postagem –, convenhamos, enchem a paciência com suas mensagens açucaradas de autoajuda.
Acontece que este tinha um quê de recomendações pseudofilosóficas e subpsicológicas com as quais a maioria das pessoas concorda sem pensar. O vídeo contém aquele tipo de afirmação que se pretende um tipo de verdade autoexplicativa. Discordar do que diz é caminhar sob os cenhos franzidos de reprovação das pessoas.
Mas vamos lá! O “no ofenda a ninguém” está ok, mas isto é o título. O problema está na frase que explica porque “no” se deve ofender o próximo. Neste primeiro, a razão dada é porque há pessoas que não podem falar e não podem se defender. Como? Não “falo” Libras, mas sei que se pode falar e muito, inclusive xingar, por suposto, se defender. Não se deve ofender, porque devemos respeitar quem quer que seja. Ponto.
O segundo quadro não melhora. “não reclame do gosto da comida”. A razão? Algumas pessoas não tem nada para comer. Como assim? A comida tá um grude, coma? A comida queimou, coma? No máximo não reclamo por constrangimento, a famosa vergonha alheia, só!
Adiante. “não reclame de seu companheiro” e conclui de forma fantástica: alguém enterrou seu companheiro ontem. É o cúmulo! Milhões enterraram alguém seu ontem, hoje e vão enterrar amanhã. O que isso tem a ver com reclamar de um preguiçoso, irresponsável e desleal...? 
A bobagem segue. “não reclame de sua casa: algumas pessoas não têm onde dormir.” Outra vez milhões estão nesta condição. É uma tragédia, sem dúvida, mas não tem relação com reclamar da goteira ou meramente desejar uma casa maior porque a sua está pequena para suas necessidades.
Agora uma punhalada na lógica. “não reclame de seus filhos: algumas pessoas nunca poderão ser pais.” Pois que adotem! Não discipline seu filho, não dê a ele regras e normas de educação com peninha porque ao fazê-lo, se lembrará que existe um monte por aí que não tem filhos. Eles continuarão sem filhos e você, com sorte, com um mandrião dependente; com azar, com um bandido para visitar no presídio.
Esta é para você, aposto. “Não reclame de seu trabalho: algumas pessoas lutam para encontrar um.” Este é o cúmulo da idiotice. Acorda! No Brasil são doze milhões de desempregados. Ter um pouco de ambição e desejar crescer profissionalmente não fere a condição catastrófica do desempregado. Trabalhe com responsabilidade, mas reclame se lhe exploram, se lhe assediam moral ou sexualmente, se lhe dão condições desastrosas para cumprir suas tarefas. Que coisa!
E com essa eu concordo: “não amaldiçoe a sua vida...” a conclusão ou a razão para não fazê-lo, no entanto, é ridícula. “algumas pessoas são jovens e tem doenças incuráveis.” É triste, sim, mas não se deve se autoamaldiçoar porque é melhor amarmo-nos a nós mesmos, não de forma narcisista, autocentrada, mas porque devemos cuidar de nós mesmos, pois quem não se ama, possivelmente, está em depressão severa ou tem outro transtorno mental. Quem não se ama precisa de terapia e um psiquiatra e não pode amar aos outros.
Uma coisa desta fede a socialismo bolivariano. Não é tolerância, é coitadismo. Não é respeito pelo outro, é um tipo de glorificação da miséria. É um igualitarismo doentio. Desrespeita as diferenças que a vida impõe e a de cada um. Podemos ser solidários, empáticos, compassivos, o videozinho estimula a pena pelos outros que é o mesmo que anulá-las. Pior, nos anula junto.
Enfim, detesto estas coisinhas que são distribuídas como se fossem o suprassumo da sabedoria pratica para a vida e não passam de tolice rematada que vai devorar a memória do celular. Eu deleto tudo.

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Cidadão Ilustre

A frase emblemática neste filme é: Meus personagens não conseguem sair de Salas e eu nunca consegui voltar. Salas é a cidade de nascimento do personagem Daniel Mantovani (Oscar Martinez) que fez também Contos Selvagens, mas agora como personagem principal no filme Cidadão Ilustre.
Mantovani saiu de sua pequena cidade aos dezessete anos. Tornou-se um cidadão do mundo. Quarenta anos depois ele é um escritor premiado com o Nobel, está em crise criativa e, em vez de estar aproveitando os louros de tão grande realização, ele está deprimido.
Apesar da distinção que imortaliza a obra de um artista, ele percebe o prêmio como uma declaração de sua morte criativa. É o topo, daí para frente mais nada. Ele foi aceito, ele foi cooptado pelo estamento que diz que esta obra é boa e aquela outra não merece vencer.
O momento pós Nobel se torna um frenesi de convites e prêmios secundários, festas, Feiras de Internacionais de Livros, reconhecimento, ele recusa todos, pois é como se sua vida tivesse sido sequestrada. Mas entre as cartas de convites diversos, ele recebe uma de sua pequena de insignificante Salas. Recusa de imediato com um riso que expressa o absurdo que seria ir a até aquele lugarejo para receber o título de cidadão salense, inauguração de um busto e participar extensa programação cultural.
Eis o mote do roteiro que, de novo, dá de dez a zero no lixo filmográfico nacional que, cevados pelas burras públicas, continuam sugando o dinheiro suado do contribuinte para produzir irrelevâncias. O cinema nacional oscila entre o humor sem criatividade, pastelão e os pretensos filmes políticos, para defender posições de esquerda, e torná-lo mera propaganda das ridículas posições políticas de seus atores e diretor, veja-se o descartável Aquarius com Sonia Braga e trupe desqualificando o país nas amostras internacionais de que participaram gritando “Fora Temer” como se fossem estudantes desajuizados. Um detalhe, as viagens pagas com dinheiro público. Não é à toa que essa gente vive defendendo cotas nas grades das redes de cinema e tv para os filmes nacionais, ninguém quer ver, então eles se obrigam a serem vistos.
Num rompante, Mantonvani decide aceitar o convite da Prefeitura salense. Fantasmas do passado foram acordados e eles virão requerer seu direito de continuarem vivos. A namorada que deixou para trás, amigos, gente que ele nem conhece, com suas mentes prisioneiras de um jeito simplório de viver, com seus horizontes toscos, transformarão a estadia do escritor num inferno.
Eles estavam e pertenciam a dois mundos que não se tocavam. Um imerso num absurdo o outro vendo a vida de uma maior amplitude. Mantovani se coloca como ele é e no que acredita, mas, constrangido, negocia seus valores para se adequar aos primitivos habitantes do lugar. É claro que esta receita não funciona. Ele jamais será daquele lugar e eles, possivelmente, jamais conseguirão sair dali.
O filme é magistralmente bem dirigido, os atores dão um show, a história muito bem contada e talvez nos diga que reconhecer-se naquilo que se é, com pouquíssimas concessões, é nossa forma de ser inteiros e viver uma vida mais livre, pois não nos cabe tornar os outros no que somos e jamais aceitar nos mimetizar neles sem perder nossa essência, se você a tiver.

domingo, 28 de maio de 2017

Negação


“Na guerra, a primeira vítima é a verdade.” Não deve soar entranho, então, que até a guerra precise de regra. Depois da Primeira Guerra Mundial vários acordos internacionais tentaram estabelecer ordem na selvageria, o problema é que, como no caso recente da Síria, em que mais de uma vez gás venenoso foi usado contra a população indefesa, seguir uma regra é uma questão de caráter e escolha pessoal. As leis internacionais preveem punições, mas neste mundo multipolar em que um assassino como Assad escapa com a proteção da Rússia, pode-se virtualmente tudo.
Este parágrafo é apenas para ilustrar o que o livro “Negação” explora. A obra virou filme em 2005. Os judeus têm sido, ao longo dos séculos, saco de pancada verbal, ideológico ou real de muita gente e países. Os dentes dos racistas e antissemitas continuam afiados, mas exploram outras áreas.
Os “Protocolos dos Sábios de Sião” foram desmascarados e é, virtualmente, insustentável hoje usá-los como prova de que está ou esteve em curso uma trama judaica para dominar o mundo. Mas, conquanto tolices como essas sejam repetidas, haverá sempre um público ignorante consumidor novo, como o barbeiro com quem corto o cabelo de vez em quando que mistura Iluminatis, cristianismo apocalíptico – o anticristo incluído – e a velha trama da dominação judaica que, segundo ele, é dona do banco central brasileiro e de todos os outros segundo sua fonte. Ele não é louco, antes que alguém ria disso. 
Durante alguns anos proliferou no mundo acadêmico na área historiográfica várias versões históricas sobre o Holocausto. Entre elas uma que ficou conhecida como Negacionista. Isto porque o grupo de acadêmicos que, por desonestidade intelectual ou antissemitismo, quando não as duas coisas juntas, defendiam que o extermínio judeu pelos nazistas não passou de ficção. Se muito, admitiam que morreram poucos e não por uma política deliberada dos nazistas.
A história do livro relata que um dos mais notórios negacionistas, o inglês David Irving, estrela acadêmica, agressivo contendor, cujos livros vendiam milhares de cópias entre o público racista e antissemita e também entre aqueles que eram meros curiosos, resolveu processar Debora Lipstadt por causa de sua obra “Um estudo acadêmico sobre o negacionismo do Holocausto”. Em seu livro ela apontava Irving como um partidário de Hitler. Um escritor que manipulava e distorcia documentos históricos, omitia evidências contrárias às suas teses. Irving ganhava muito dinheiro com livros e palestras disseminando suas teses nos EUA e Europa. Por esta razão sentiu-se lesado em sua honra como historiador de reputação mundial e isto o levou ao pedido de reparação por danos à sua imagem, por calúnia e difamação.
O mais nosense dessa história é que, a despeito de Lipstadt ter feito um trabalho irretocável do ponto de vista histórico e usando seu direito à liberdade de expressão, em seu país, os EUA, ela possivelmente não seria processada. Mas como a editora inglesa, Penguim, publicou o livro na Inglaterra, ela foi sujeita a um sistema jurídico em que o acusado é que deve provar sua inocência e não o acusador deve provar que foi lesado.
O livro conta uma batalha jurídica emocionante. Uma saga que uniu pessoas em três continentes em favor da verdade. A equipe realizou uma epopeia de pesquisa que custou mais de dois milhões de dólares à acusada, mas que recebeu imensa solidariedade e o pagamento foi realizado com doações de pessoas de vários lugares.
A leitura de Negação é educativa e nos mostra algo aterrador. A verdade, às vezes, não basta a si mesma. Não é óbvia ou evidente por seus próprios méritos, ela precisa de uma guerra em sua defesa. As mentiras de Irving, sua obra nefasta e enganadora, seu cinismo e arrogância, foram expostos de maneira devastadora, mas sua obra, como cabe no ocidente democrático e livre, continua viva, seus livros mesmo agora, possivelmente não editados por editoras sérias, não entraram para um índex ou receberam uma fátua que os destinaram a uma fogueira. Seu veneno potencial está ativo e ao alcance de qualquer um. Eles têm um verniz de seriedade e de pesquisa científica, mas são mentira assim mesmo.
Ler Negação é entender que a mentira pode ser tremendamente convincente, passar anos despercebida como se verdade fosse, ou pelo menos uma versão contrária admissível da verdade mais aceita. Ela continuará sua sanha até que algo se lhe imponha a verdadeira máscara. É o que acontece a David Irving e seus admiradores nesta incrível história. Mas certamente eles ou seus filhotes atingidos no âmago de suas ideias falsas, talvez estejam apenas como esporos, aguardando condições adequadas para germinar outra vez.

sábado, 20 de maio de 2017

Silêncio

(contém spoiler)

Século XVII, Japão feudal. Durante alguns anos a evangelização católica foi bem sucedida. Mas por razões nacionalistas o país, temeroso de uma desvirtuação de seus valores, deu uma guinada severa em sua abertura aos jesuítas que realizavam a implantação do cristianismo e passou a persegui-los e a todos aqueles que demonstrassem a fé cristã publicamente.
Dois jovens jesuítas defendem junto ao seu superior em Portugal, que deveriam ir ao Japão em busca de seu mentor, padre Ferreira, que ali desaparecera depois de ter conseguido algum sucesso como missionário. Em sua última carta havia indícios perturbadores de que algo estava errado. O filme “Silêncio” de Martin Scorcese é um projeto que o Diretor acalentava desde 2002, ano em que lançou o “Gangs de Nova York”.
O elenco principal conta com Andrew Garfield (pe. Sebastião Rodrigues) – fez o homem aranha –, Liam Neeson (pe. Cristovão Ferreira) – dispensa comentários –, e um ator emergente em Hollywood, Adam Driver (Frei Francisco) – fez o neto de Dart Vader em O despertar da força na saga Stars Wars.
Os dois jovens padres viverão uma verdadeira epopeia na busca por seu professor e amigo. Descobrirão que a fé, a despeito da perseguição, resistia nas vilas pobres e nos pequenos grupos escondidos nas montanhas. Seu guia, um sujeito inconfiável, era cristão com uma história pessoal de sofrimento por causa da perseguição religiosa.
Os dois religiosos logo encontram um grupo de cristãos que os recebem com grande alegria. Durante algum tempo, em quanto se aclimatam e entendem aquele país tão diferente, experimentam as perseguições e mortes cruéis a que são submetidos aqueles que se negam a deixar a fé cristã.
Todo este sofrimento vai num crescendo. A busca pelo amigo desaparecido de quem se ouve alguma outra esparsa notícia, mas nada palpável. O homem que os ajudou a entrar clandestinos, fora cristão, volta-se para fé novamente. Pede batismo, mas numa alusão à traição sofrida pelo próprio Cristo, pe. Rodrigues será traído por ele várias vezes, sempre por dinheiro, e logo após o arrependimento e em cada vez o padre o perdoará.
Em torturas diversas, psicológicas e físicas, pe. Rodrigues será levado ao limite de sua fé. Verá a morte de várias de suas ovelhas, resistindo em sua fé a Jesus. Seu torturador não demonstra raiva, apenas deseja que ele renegue a fé. Pisar na imagem do Cristo crucificado é uma das formas de demonstrar sua negação.
Ele se volta para Deus, pede socorro, mas os céus estão em silêncio. Ele sucumbirá para salvar os que criam. Verá seu amigo morrer para salvar uma garota. Sua alma será dilacerada em seus últimos recursos.
Por fim, encontra o que fora seu amigo, confessor e mestre. Tornara-se um japonês. Foi lhe dada uma mulher. Aqui aparecem as sutilezas. Aquele que homem que fala como se tivesse repudiado a fé cristã, parece guardá-la em algum lugar de si mesmo.
Pe. Rodrigues seguirá o mesmo caminho. Igualmente, como parte da cultura local, ele receberá uma mulher que enviuvara. Ele seguirá os rituais que lhe imporão. Negará a fé repetidas vezes para satisfazer aos seus captores pisando a imagem do Cristo crucificado. Ele sabe agora que aquele ato nada é, quando o Cristo continua vivo dentro dele.
Em sua morte, os rituais externos da religião Xintoísta foram elaborados e milimetricamente obedecidos. Então a surpresa, sua esposa, sua alma íntima que com ele se convertera, sabia que ele calou, mas aquilo que creu jamais se morreu nele. Entre suas mãos, a cruz repousava delicadamente que ela amorosamente colocou.

sábado, 6 de maio de 2017

Mãe de pet também é mãe

Desde os anos 1990 o politicamente correto – que não assola apenas as relações entre as pessoas –, por uma espécie de efeito colateral, invadiu também a cultura, seja religiosa ou mundana. Por exemplo, nos EUA as grandes redes de lojas passaram a adotar a expressão Happy Hollidays para fazer suas campanhas de Natal, em vez do tradicional Merry Christmas que definia com mais exatidão o período da festa cristã. A razão desta insanidade é que a sociedade americana, como ademais toda sociedade democrática, é diversa religiosamente e o fato da loja destacar uma religião em particular estaria, por extensão, discriminando quem era de outra religião. A razão verdadeira é que travestido de respeito à diversidade religiosa, o capital quer vender para o maior número de pessoas e o “feliz feriado” insípido e neutro atrairá qualquer um. O capital não tem preconceito com dinheiro de quem seja, desde que os cofres continuem enchendo.
Pela perspectiva religiosa-cultural, a falácia do raciocínio é chocante. Ainda mais quando é fácil constatar: a sociedade e cultura americanas são definidas fundamentalmente pelo seu cristianismo, especialmente o protestante. Um exemplo? Sem os negro espirituals, não haveria jazz nem blues.
Como é fácil perceber, o que o politicamente correto tenta é dar uma igualdade a todas as coisas, de tal modo que o contraditório, a discordância ou a menor diferença sejam como que extintas e as pessoas, em tese, seriam mais respeitosas umas com as outras. É como se vivêssemos na barbárie, no estado de natureza como afirmou Hobbes, e o politicamente correto nos salvou.
O resultado, porém, é uma sociedade de patrulhadores comportamentais, gente enfatuada, assomada de direitos, e os demais pisando em ovos por puro medo de falar algo inoportuno e que ferirá, certamente, alguma minoria que eles sequer conhecem. Outro efeito que percebo é a infantilização das pessoas que, incapazes de se sustentar para se defender ou se colocar assertivamente em seus pontos de vista, por exemplo, recorrem à muleta do politicamente correto que tem seu próprio cânon de regras e leis a dizer os “podes” e os “não podes”. Temos uma sociedade menos espontânea, superficial, materialista e totalmente contingenciada pelo labirinto de comportamentos que se deve ter em público para atender as minúcias da infindável lista de palavras, ideias e, claro, comportamentos, que foram inseridos no índex do politicamente correto.
Antes que um desavisado ou maldoso infira que discordo da proteção social a grupos que realmente precisam de ajuda, afirmo que não é isso, mas se por sua realidade, verdadeira ou suposta, qualquer grupo é elevado ao status de onipotência e a uma posição tal que não pode ser contestado, como se sua condição lhe desse o condão de ser puro e infalível, sim, me oponho.
O politicamente correto distorce valores, recria castas, regride as pessoas emocionalmente e lhes dá uma posição de verdade e absolutização de suas ideias e posições políticas. Atender às suas demandas quase sempre estão associadas às ideias de justiça, reparação e igualdade, termos que, convenhamos, têm poder por si mesmos, pois quem será contra realizar estas coisas? A questão, porém, é que no agir destes minoritários estes pressupostos são usados como fatores de constrangimento e inculcação de culpa em quem nada tem que ver com isso, especialmente se o que reclamam aconteceu num passado longínquo, mas é culpado ou porque tem posses ou tem uma cor específica.
É tal a contaminação desta forma de ver a vida que tanto faz o que for, desde que a maioria de minorias aprovem. Eu que tenho o azar de não ser parte de nenhuma minoria – nem desejo – estou virtualmente num limbo. Estou com todos os outros quase sempre vistos em oposição às centenas de minorias com suas razões imaculadas. E eu só preciso ser diferente deles.
Assim me deparo com a campanha do dia das mães da Potiguar/Terra Zoo, cuja frase é um primor desta filosofia que aqui deploro: Mãe de pet também é mãe. Vejam, não contradigo qualquer valor afetivo ou utilidade de se ter um animal em casa, até mesmo como efeito terapêutico, como afastar a solidão. De fato, existem estudos que indicam o benefício de se ter um bicho de estimação entre idosos, crianças e pessoas com algum problema de saúde. Mas este não é o ponto, mas a elevação das relações afetivas entre pessoas e animais ao nível das relações inter-humanas. A foto icônica que define aquela campanha das empresas co-irmãs é um cachorro lambendo o rosto de uma jovem mulher e a palavra “mãe” cobrindo quase toda a foto.
O que acontece aqui nesta foto “inocente”? As mães foram rebaixadas ou o cachorro foi elevado? Se é certo que muitas pessoas, chamam cachorros especialmente de “filhos”, a questão não é só semântica, como se pudéssemos usar as palavras como bem entendermos. No caso aqui, define uma realidade repetida à exaustão que neste texto não é possível avaliar. Para quem fala é ipsi literis o sentido de um filho, gerado nas entranhas, embora o tal bicho desconheça, por óbvio, que aquela pessoa seja sua mãe de verdade, mas reage ao ser tratado com cuidado. É um animal meramente condicionado, sem desmerecer o fato.
É tal a situação horrenda gerada pelo politicamente correto que um caso recente, mesmo tendo sido no Supremo Tribunal Federal, que se gaba de não ouvir a voz roucas das ruas, mas apenas as leis ou a Constituição – uma mentira –, teve lugar no imbróglio da proibição da vaquejada. Pouco antes daquela decisão, o juiz contrário mais aguerrido conta a vaquejada, sua excelência Luís Barroso, avançou para além da Constituição que deve defender, a despeito de suas ideologias pessoais, e decidiu que um feto até o terceiro mês pode ser perfeitamente abortado, sem que nem médico que pratica o aborto, nem a mãe incorram em crime. O Código Penal diz que abortar é crime. Li a piada em algum lugar que o ministro dá mais valor ao rabo de um boi do que a um ser humano.
A única forma de enfrentar o politicamente correto é com a verdade e a defesa do direito de todos igualmente. É acusar o coitadismo que esta forma de pensar cria; é substituindo o elemento pena pela compaixão nas relações humanas; é afirmar o valor de princípios que são perenes contra a lei do vale tudo que deseja forjar um tipo de igualdade burra.

“E mais: então não haverá mais nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia.” (Irmãos Karamazov - Fiódor Dostoiévski)

sábado, 22 de abril de 2017

A Baleia Azul

Eu soube do fenômeno Baleia Azul pelos jornais, mas logo em seguida os grupos dos quais participo no whats foram engolfados – não é uma figura de retórica – numa verdadeira histeria de imagens – algumas terríveis e nem se sabe se são de pessoas ligadas ao problema – e textos que iam do pavor e fala apocalíptica à piada ridícula e sem graça, algumas religiosas. Como se as vítimas dessa horrenda “brincadeira” fossem meros idiotas que não tem o que fazer ou que lhes faltam disciplina e religiosidade.
Acho que chego atrasado. Um jovem youtuber, que tem coisa de 10 milhões de seguidores, postou um vídeo que teve quase 5 milhões de visualizações até o momento em que escrevo este texto – não sei se foi orientado por um profissional – que fala algo quase óbvio: meninos e meninas emocionalmente saudáveis estão vacinados contra essa demência coletiva. Em resumo foi isso que disse.
Mas claro! Pessoas se tornam pessoas quando aprendem a lidar com suas emoções. Este aprendizado quase sempre vem de uma família que, a despeito de suas idiossincrasias – toda família tem –, se importam uns com os outros, se afagam, são afetivamente atuantes, conversam entre si e criam com isso um ambiente propício à liberdade, à tolerância, à empatia.
A nefasta Baleia Azul é um ser parasítico. Quem a conduz e organiza, são seres miseráveis e nefastos, mas não aquele comum cujo maior mal que faz é a si mesmo. É um tipo maligno de mal, aquele que goza com o domínio, o controle, a manipulação emocional e cognitiva dos mais fracos. Os que estão por trás desta Baleia Azul assassina, se alimentam da miséria alheia, são comedores de tristeza e desamparo. Eles são atraídos pela dor e como tubarões famintos são capazes de cheirar sangue a quilômetros de distancia. Eles usam iscas que simulam algo grande, transcendente para almas fracas e abandonadas, estas viciadas em suas próprias dores porque apenas conhecem do mundo – alguns muito cedo – o que há de pior na raça humana. Ou adoeceram, tem anemia emocional, um sistema afetivo imune debilitado.
A Baleia Azul parecerá às pessoas saudáveis um exotismo que não lhes atrairão, pois gostam de luz, não de trevas como os milhões de jovens depressivos, melancólicos, afetivamente abandonados, violados em sua inocência e que não receberam uma gota de aprovação de pessoas que os apreciassem pelo que são. O buraco da grande falta precisa de algo do tamanho de uma Baleia para tapar. Que importa se é uma Baleia-demônio, que importa sua cor, que importa se ao final de uma lista de tarefas está a morte – eles já se percebem mortos em algum grau –, basta que prometa que seu vazio, de alguma maneira insólita, será preenchido. A dor física como caminho que acaba com a angústia nada é, a morte também não.
Dizem que a discussão e os alertas devem ser sobre suicídio, infelizmente um problema que tem aumentado. O aumento de pessoas deprimidas está diretamente relacionado. O Brasil é o terceiro país mais deprimido do mundo, atrás dos EUA e França. Cerca de 5,8% da população brasileira tem depressão. Aqueles que são diagnosticados que, seguramente é uma parcela menor, pois não é raro que a doença castigue alguém por anos até que seja tratada. Entre os deprimidos, ao redor de 15% tentam o suicídio, alguns conseguem. Todo deprimido tem ideação suicida. A morte parece ao deprimido a libertação suprema, pois qualquer coisa é melhor do que o vazio abismal que abriga no peito. Uma pessoa desesperada não tem medo.
Nenhum ser humano é pra baixo por natureza. Nenhuma pessoa é triste sem causa. Ela o será por contingência ou por doença. Mudanças de comportamentos que permanecem por mais de duas semanas, isolamento, desmotivação, semblante permanentemente fechado como um céu que se prepara para uma tempestade, apetite e sono descontrolado – para mais ou para menos –, pessimismo, falta de energia, desprazer em coisas que antes eram prazerosas, são sinais fáceis de perceber. Ajuda especializada deve ser procurada.

A depressão é insidiosa às vezes. Não importa o seu grau, ela causa estragos emocionais, sociais e, se não tratada, produz consequências nefastas. O jogo baleia azul é apenas um carniceiro que se aproveita de uma fragilidade que já existe. O remédio contra ele é o cuidado de nossos jovens.  

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Não sou tão ruim assim, sou vítima do machismo

A história teve enorme repercussão. Começou como fogo em monturo: é quente, há fumaça, mas não há labareda. Bem, até achar um combustível mais incendiário. No caso em questão foi a realidade que se impõe de novas e necessárias relações entre homens e mulheres, mas também pelo escândalo em que a coisa se tornou. Um ano antes, a moça fez uma reclamação no RH e nada.
“E agora José?” O primeiro movimento do ator José Mayer foi clássico quando alguém é pego em flagrante delito, mas que a ficha ainda não caiu. Institivamente, o sujeito nega que tenha praticado uma versão bruta do teste do sofá. Tenta, como ele, vender-se acima do bem e do mal evocando seu lugar de homem público que se coaduna com as boas relações de respeito às colegas. Neste momento a ferramenta é a dissonância cognitiva, afinal a fera só atacava nos bastidores. A versão pública era a estrela. Em seguida clama por suas relações familiares, que é sempre um bom salvo conduto de toda canalhice.
Derramado o leite, sem saída, encalacrado com a mão na botija, a esquerda, literalmente, exposto pela investigação, suspenso, a saída, única possível em tais circunstâncias: confessar. O caminho da redenção sempre começa com a confissão e possível reparação. Uma carta aberta, que tal?
Mas, refeito do susto, com algum grau de controle de si, despertado para a perda gigantesca de credibilidade, o que implica em perda financeira também, está atordoado. O sujeito não está disposto também à autoimolação no altar do sacrifício ante a plateia do “mexeu com uma, mexeu com todas”, a opinião pública que brada por uma fogueira em praça. Então é preciso uma saída em que se admita o mal feito, mas também que, de algum modo, se é vitima, o que relativiza a culpa.
Aqui está o X da questão na carta. Talvez a única coisa que escape em toda ela é a frase com duas palavras: “Eu errei.” Todo o resto é dispensável. Exceto aquilo que não está lá: peço perdão. A segunda frase, embora ratifique o “eu errei”, prepara o terreno para o mais importante: sou vítima. Gozei, aproveitei, me esbaldei nesta condição por sessenta anos, mas exposto, digo que aprendi e estou em reforma, mas não teria aprendido se não fosse pego, porque era bom e sempre deu certo.
A vitimização pela cultura machista é uma boa estratégia, mas não funciona. É razoável crer que um ator com toda esta cancha, dezenas de papeis de galã e mocinho, sequer desconfiasse que, no quesito em que falhou, já não se admite? O pessoal tem cisma do fiufiu, que dizer da mão boba? Ou ele tinha toda a confiança de que poderia fazê-lo sempre sem nada dar errado?
Condenar o machismo porco chauvinista é ótimo – mesmo que admita ser um, momentaneamente, por 60 anos – para a plateia feminista e o povo do politicamente correto. Mas será mesmo que os “Zecas Bordoadas” são os culpados? Ou a empáfia, o senso de onipotência cevado em papeis que o galgaram ao lugar de astro e no qual, parece, ele acreditava piamente? A sensação de segurança por morar no Olimpo global para quem uma mulher jamais diria não? A decrepitude que ameaça na esquina, afinal o sujeito vive de aparência e agarrar uma donzela talvez funcione como um antídoto? O exercício de uma virilidade capenga, de um garanhão ameaçado por outros machos candidatos ao posto alfa? Ter a doce, inebriante e perigosa sensação de poder sobre um outro inferior? Dar vazão ao seu narcisismo rapinante?
O singelo palavrão com que alcunhou a vítima – Vaca – revela um homem tomado de frustração, um homem cheio de soberba, que se percebe no controle, mas que o vê desafiado por uma “reles” figurinista que, por razão que lhe escapa, não cede aos seus arroubos chinfrins. O que ela pensa que é?
Explorar a versão de um homem em processo de reestruturação é uma boa sacada, mas também não funciona quando se coloca no lugar de mártir, o primeiro de uma raça livre daquele vírus chamado machismo. Sua nova persona, refeita, refinada no que chama de “dolorosa necessidade de mudança”, se torna um exemplo e um convite para tantos que pensavam e agiam como outrora foi: que mudem!
É uma versão sofisticada do mantra tristemente consagrado pelo petismo: todos fazem... e na cabeça do público um pensamento, ele espera, complementa a frase: então não sou tão ruim assim. Mas isso é só cinismo.