Em 1962, em Jerusalém, ocorreu um dos mais
importantes julgamentos dos que tiveram como alvos criminosos
nazistas. Adolf Eichmann, executor da “solução final”, foi
levado ao tribunal pelos crimes de guerra e genocídio contra a
humanidade que cometera. Hannah Arendt, judia, filósofa, ela mesma
vítima das atrocidades perpetradas pelo nazismo, foi enviada pelo
jornal The New Yorker para fazer a cobertura do julgamento e escrever
um ensaio a respeito.
No livro “Eichmann em Jerusalém”, Arendt
faz uma análise minuciosa do personagem nazista e discute a
normalidade com que executou de forma metódica e precisa o
extermínio de milhões de pessoas. Eichmann nunca admitiu culpa,
pois sentia apenas que cumprira fielmente sua obrigação para com o
estado alemão, do que tinha orgulho. Suas ações não foram feitas
por ódio aos judeus, por tara ou sadismo: era seu dever. É nesse
contexto que Arendt cria a expressão “banalidade do mal”.
A “banalidade do mal” se realiza num
ambiente em que as pessoas abdicam de pensar, de empregar qualquer
valor ético ou moral e, por conseguinte, de sentir culpa. Por este
ângulo, se pode explicar os frequentes linchamentos e, em
particular, o realizado há poucos dias em que um homem foi amarrado
a um poste, despido e espancado até a morte aqui mesmo em São Luís.
Mas, cabe a pergunta: o que leva as pessoas a
descerem a tal nível de barbárie? Freud, um pessimista com a
natureza humana, comenta em “O mal-estar da civilização” que,
em virtude de nossa tendência para a agressão, a sociedade
civilizada está permanentemente ameaçada de desintegração.
Reconhecia esta condição humana em seu construto teórico, ao qual
denominou pulsão de morte.
Será que, ainda que seja compreensível, mas
não justificável, as pessoas que assassinaram o homem – mesmo um
marginal – foram movidas pela frustração, medo, sensação de
desamparo, percepção de insegurança e descrença na justiça que
tarda e falha, não poucas vezes, gerando, como subproduto nefasto, a
certeza da impunidade daqueles que causam mal à sociedade?
Ainda que tudo isso seja verdade, parece
insuficiente para, sozinho, explicar o comportamento violento das
pessoas. A psicologia oferece várias teorias, entre elas a da
frustração-agressão (final dos anos 1930) que, entre outras,
concluem que não se encaixam em casos nos quais a violência se
manifesta sem conexão aparente com uma força malévola que lhe
justifique.
Tanto em Eichmann quanto em uma turba acontece
um processo de desindividuação. Ele se diluiu numa máquina
burocrática assassina, as pessoas que mataram Cledenilson se
desconstituíram como indivíduos, mimetizados no povaréu, possessos
de ira e, como um organismo selvagem sem freios, não se reconhecem
culpados, nem carregam culpa.
A violência é inevitável? Estamos fadados a,
num átimo, degringolar em selvageria por nos sentirmos com raiva
ainda que, em certas condições, justificada? Tanto mais alheia e
descrente nos valores ou estes relativizados, mais maquinal em seu
comportamento a sociedade de consumo. Pessoas sujeitadas a processos
em que são meras peças de uma engrenagem, desconstituídas do
exercício da vontade, que abdicam da autodeterminação e cuidado de
si em favor de um sistema árido e indiferente, mais propensos
estarão a agir como se falidos em sua humanidade.
Educação,
valoração de princípios que alimentem a prática da misericórdia,
do respeito ao outro, do cuidado consigo mesmo. O fortalecimento das
instituições que garantam o cumprimento das leis, da efetiva
punição dos que maculam a organização social. A garantia de
direitos, demonstram sociedades mais evoluídas, são caminhos que
domam a fera que em nós habita. Acima de tudo, indicam inúmeras
pesquisas no campo da psicologia social: o exercício da
espiritualidade pode muito ajudar no convívio pacífico entre as
pessoas. Especialmente aquele que tenha como base o fundamento
ensinado por Jesus: amar ao próximo como a si mesmo.
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