domingo, 19 de julho de 2015

O mal que em nós habita

Em 1962, em Jerusalém, ocorreu um dos mais importantes julgamentos dos que tiveram como alvos criminosos nazistas. Adolf Eichmann, executor da “solução final”, foi levado ao tribunal pelos crimes de guerra e genocídio contra a humanidade que cometera. Hannah Arendt, judia, filósofa, ela mesma vítima das atrocidades perpetradas pelo nazismo, foi enviada pelo jornal The New Yorker para fazer a cobertura do julgamento e escrever um ensaio a respeito.
No livro “Eichmann em Jerusalém”, Arendt faz uma análise minuciosa do personagem nazista e discute a normalidade com que executou de forma metódica e precisa o extermínio de milhões de pessoas. Eichmann nunca admitiu culpa, pois sentia apenas que cumprira fielmente sua obrigação para com o estado alemão, do que tinha orgulho. Suas ações não foram feitas por ódio aos judeus, por tara ou sadismo: era seu dever. É nesse contexto que Arendt cria a expressão “banalidade do mal”.
A “banalidade do mal” se realiza num ambiente em que as pessoas abdicam de pensar, de empregar qualquer valor ético ou moral e, por conseguinte, de sentir culpa. Por este ângulo, se pode explicar os frequentes linchamentos e, em particular, o realizado há poucos dias em que um homem foi amarrado a um poste, despido e espancado até a morte aqui mesmo em São Luís.
Mas, cabe a pergunta: o que leva as pessoas a descerem a tal nível de barbárie? Freud, um pessimista com a natureza humana, comenta em “O mal-estar da civilização” que, em virtude de nossa tendência para a agressão, a sociedade civilizada está permanentemente ameaçada de desintegração. Reconhecia esta condição humana em seu construto teórico, ao qual denominou pulsão de morte.
Será que, ainda que seja compreensível, mas não justificável, as pessoas que assassinaram o homem – mesmo um marginal – foram movidas pela frustração, medo, sensação de desamparo, percepção de insegurança e descrença na justiça que tarda e falha, não poucas vezes, gerando, como subproduto nefasto, a certeza da impunidade daqueles que causam mal à sociedade?
Ainda que tudo isso seja verdade, parece insuficiente para, sozinho, explicar o comportamento violento das pessoas. A psicologia oferece várias teorias, entre elas a da frustração-agressão (final dos anos 1930) que, entre outras, concluem que não se encaixam em casos nos quais a violência se manifesta sem conexão aparente com uma força malévola que lhe justifique.
Tanto em Eichmann quanto em uma turba acontece um processo de desindividuação. Ele se diluiu numa máquina burocrática assassina, as pessoas que mataram Cledenilson se desconstituíram como indivíduos, mimetizados no povaréu, possessos de ira e, como um organismo selvagem sem freios, não se reconhecem culpados, nem carregam culpa.
A violência é inevitável? Estamos fadados a, num átimo, degringolar em selvageria por nos sentirmos com raiva ainda que, em certas condições, justificada? Tanto mais alheia e descrente nos valores ou estes relativizados, mais maquinal em seu comportamento a sociedade de consumo. Pessoas sujeitadas a processos em que são meras peças de uma engrenagem, desconstituídas do exercício da vontade, que abdicam da autodeterminação e cuidado de si em favor de um sistema árido e indiferente, mais propensos estarão a agir como se falidos em sua humanidade.
Educação, valoração de princípios que alimentem a prática da misericórdia, do respeito ao outro, do cuidado consigo mesmo. O fortalecimento das instituições que garantam o cumprimento das leis, da efetiva punição dos que maculam a organização social. A garantia de direitos, demonstram sociedades mais evoluídas, são caminhos que domam a fera que em nós habita. Acima de tudo, indicam inúmeras pesquisas no campo da psicologia social: o exercício da espiritualidade pode muito ajudar no convívio pacífico entre as pessoas. Especialmente aquele que tenha como base o fundamento ensinado por Jesus: amar ao próximo como a si mesmo.

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