Theodore Dalrympe é o pseudônimo do médico psiquiatra inglês
Anthony Daniels. Guardando-se as proporções devidas, Dalrympe é o
Mr. Hyde do dr. Jekyll (Daniels). Ironia e sarcasmo seguem o curso do
livro sem qualquer pedido de desculpas ao politicamente correto.
Ainda bem. Imagine em certos círculos no Brasil, dominado por uma
ralé carregada de ideologia, especialmente em órgãos públicos
aparelhados pelo petismo deliquente, alguém dizer a seguinte frase:
“… é puro sentimentalismo ver viciados em drogas como vítimas
de uma doença.” Ou ainda sobre o mesmo tema: “...eles se tornam
viciados em heroína com algo que só pode ser chamado de
determinação...”
É evidente que se deve ler o contexto da fala de Dalrympe para não
acusá-lo injustamente de insensibilidade e até de ignorância
criminosa, posto que drogados fazem parte do público atendido pelos
psiquiatras nas atuais formas de tratar o problema.
O livro inteiro é dedicado a explicar porque as sociedades
ocidentais deixaram caminhos mais assertivos e meritórios para serem
devoradas por um sentimentalismo que subsidia todas as ações de
governo e mesmo até media a criação de filhos.
Dalrympe tem décadas de quilometragem atendendo no sistema de saúde
pública inglês e viu as transformações, nem sempre para melhor,
que os SUS saxão sofreu ao longo do tempo. Ele admite que definir
sentimentalismo não é fácil, mas o tipo de sentimentalismo a que
quer chamar atenção não é exatamente aquele que os dicionários
definem como excesso de emoção, afetação, superficialidade, que
normalmente se refere a uma manifestação no plano pessoal, mas o
que este comportamento gera no espaço público.
O autor também trabalhou no sistema penitenciário inglês e desta
experiência traz alguns exemplos interessantes. Imagino que
enriqueceria uma próxima edição de seu livro a inclusão do que no
Brasil se denomina: auxílio-reclusão. Para o marginal sai a jato
enquanto a concessão de uma aposentadoria é uma via crucis
para o esfolado trabalhador que contribuiu com o sistema por décadas
e agora na iminência de ter esse tempo aumentado ainda mais. O que
justificaria essa aberração? O sentimentalismo.
Possivelmente, o protagonismo que as redes sociais instigam as
pessoas a manifestar, gerou um tipo de competição que pede cada vez
mais exagero nas expressões de sentimentos. O sentimentalismo se
tornou a nova verdade pessoal, pois sem ele indivíduo não passa
veracidade naquilo que manifesta. Estaria aí a moda de jogadores de
sucesso posarem ao lado de crianças com câncer? Parece que nesse
tempo escorregadio não basta jogar bem, há que justificar os ganhos
estratosféricos – quase imorais – ante aqueles que realmente
produzem no plano bem prático, serviços à sociedade.
Uma característica peculiar do sentimentalismo é o pouco uso da
racionalidade. Bastam as emoções para autenticar um ato, uma
demonstração seja do que for. Dalrympe não diz, nem passa perto,
mas será que o Estado Islâmico, esta força demoníaca disfarçada
de religião, não intuiu que nós ocidentais nos tornamos bebês
chorões e então eles carregam as tintas (e imagens) em seus
espetáculos freaks de assassinatos requintadamente perversos para
impactar o mundo frouxo e desregrado no que o ocidente se tornou?
Se bem entendi, o sentimentalismo substitui as palavras que
constituem argumentos. Basta o espetáculo, a aparência das coisas
para que sejam justificadas. O sentimentalismo, a seguir o raciocínio
de Dalrympe, alimenta a culpa e dela extrai toda sorte de vantagem
malandra travestida de justiça social quando diz que nós ainda
somos culpados, todos os brasileiros, pela escravatura no país. Que
ao pobre dá uma condição especial de merecimento e de proteção
que o Estado deve suprir. Daí os montes de bolsas-qualquer-coisa.
Particularmente não sou contra a ação do estado em favor dos mais
pobres, é que nos Brasil a ação estatal é manipulatória, matem a
pobreza, sustenta uma súcia de políticos e partidos. Vicia o pobre,
retira sua dignidade e o transforma numa faroleiro manipulador e
glutão de benesses.
A pobreza, no sentimentalismo, é virtude. É claro que a se seguir
com esta lógica, a sociedade vai se esfacelar em grupos os mais
diversos, todos cheios de direitos, inclusive os menores assassinos e
ladrões que aprenderam a manipular a lei em seu favor e quando se
fala em alterar um sistema com um quarto de século de fracasso quase
integral, as vozes sentimentalistas gritam que a solução para o
descalabro atual não é boa o bastante. Então o quê?
O sentimentalismo alimenta a cultura do vitimalismo e do coitadismo.
Todo mundo é vítima. Quase sempre, diz Dalrympe, em seus próprios
termos, pois como exemplifica, a vítima é que diz que é, segundo
sua própria concepção. O sistema, de certo modo, atende ao seu
clamor pois eles, organizados, paralisam as ruas, avenidas, estradas
– isso se tornou comum no Brasil – porque, dizem cheios de razão,
estão reivindicando “seus direitos”. É um mundo de gente que só
tem direitos e os demais, o estado acima de tudo, corre a atendê-los,
pois pareceria vergonhoso e injusto não fazê-lo. O sentimentalismo
nos tornou reféns da esperteza. “A desonestidade emocional não
conhece fronteiras”
“O desejo ou ânsia de se transformar numa vítima tornou-se tão
grande que hoje as pessoas afirmam ser vítimas de seu próprio mau
comportamento.” Essa é outra questão que Dalrympe aborda. A
vítima nunca é responsável. O coitado também não. O que eles não
suportam – o coitado bem mais que a vítima – é que os chamemos
pelo nome certo. Vítima nem tanto, pois como a Dilma está careca de
fazer publicamente, ainda mais quando acuada, é evocar seu tempo de
guerrilheira que foi presa e torturada. Conquanto ninguém em sã
consciência admita que torturar é correto, ela correu o risco e
pagou por isso. Não foi apenas por defender ideias à época
proibidas, mas porque pegou em armas, assaltou bancos. Sua ideologia
admitia o sequestro como legítima forma de luta e estes atos são
crimes em qualquer lugar do mundo, mesmo em ditaduras. Pela mesma
lógica, volto ao nefasto EI, é válido matar, crucificar, queimar
pessoas vivas, decapitar, porque sua fé assim admite e pede.
O coitado se espoleta se o chamarmos assim. É que não pega muito
bem. O coitado ama
as vantagens que tem e que os outros, vítimas de
suas chantagens, lhes dão, mas odeia que o coloquem neste lugar.
Vítima dá status, coitado é xingamento.
Dalrympe é uma leitura mais que necessária para pensarmos fora da
caixa ou da camisa-de-força que a atual conjuntura psicossocial
impõe como verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário