sexta-feira, 17 de junho de 2016

Culpados são sempre os outros.

Volto ao tema de Orlando. Faço-o motivado pelo desejo de dar um equilíbrio, talvez um pouco mais que isso, combater ideias estereotipadas, rasas, generalizantes sobre as razões porque o cara assassinou 49 pessoas e feriu 53.
Contardo Calligaris, já falei dele aqui, é um psicanalista de renome e como afirma em seu último texto na Folha de São Paulo (O responsável de Orlando, 16/06/2016), jornal no qual escreve semanalmente, tem mais de 30 anos de clínica. É um bocado de experiência! Mas quem disse que experiência é prova de equilíbrio, ouso dizer, honestidade intelectual?
Como eu escrevi no post anterior, logo que me dei conta das primeiras informações sobre as mortes, comecei a desconfiar que o assassino teria razões inconfessáveis para perpetrar ato tão hediondo. Pois bem, Calligaris – aí, sim, sua experiência mostra sua validade – fez uma bem fundamentada exposição (do ponto de vista psicanalítico) das razões psicoemocionais que levaram o sujeito ao ato. Devo dizer que concordo com Calligaris completamente neste ponto, embora não partilhe de sua aboradagem.
O psicanalista, contudo, não poderia negar seus fundamentos ideológicos. Assim, nos três parágrafos finais, o homem acusa quem de fato, segundo sua lógica torta, são os verdadeiros culpados. Um contrassenso com o título, como se verá.
A preparação do arremate do texto é uma temeridade. Diz Calligaris: “Por isso, atrás de cada infeliz que agride o membro de uma minoria sexual, há outros que são responsáveis e deveriam ser imputáveis tanto quanto o agressor – se não mais.” Isso equivale a um pequeno surto. Contra todos os cânones de princípios jurídicos vigentes no mundo ocidental, cristão e democrático, nosso herói sugere que a culpa por ato tão nefasto seja socializada. Parece que no mundo calligariano se pode desindividualizar a culpa. Lembra o PT ou o Lula – o que dá no mesmo – que, pegos nos atos criminosos, alegam que todo mundo fazia antes deles. Culpados são sempre os outros.
O psicanalista registra, por fim, que todos os enrustidos e reprimidos sexuais só o são porque existe um discurso que sustenta a propaganda política e religiosa, no caso presente, homofóbica. O argumento deste homem é, no mínimo, solerte.
A se levar a sério o que diz o articulista da Folha, o mundo deveria se tornar uma ditadura do pensamento sexual único. Toda a discurseira pró homo não tem mais que umas décadas, se tomarmos Stonewall como referência. Mas o pensamento judaico-cristão que, asseguro, NÃO É HOMOFÓBICO, se mede em milênios. Não faço competição temporal, ou defendo um chocho argumento tradicionalista/conservador. O tempo aqui tem a representação de algo que foi avaliado, pensado, articulado em palavras por milhares de pessoas ao longo do tempo. Está curtido de meditação. Ademais, e é o mais importante, tudo isso está fundado numa Palavra que tem um valor de fé. São princípios espirituais que se creem terem sido determinados por Deus. Não querem, por capricho, atazanar os gays. Nem deles se ocupam como se fossem a coisa mais importante do mundo. Em todas as passagens bíblicas, esta questão é apenas um item em uma lista de outras coisas.
Ah, tem algo curioso em que Calligaris reproduz o pensamento do Jean Willys em seus posts sem noção internet afora. A tara por acusar e incriminar o cristianismo. Ele só se permite acusar o islamismo de viés, na figura do pai do assassino. Tinha que ser o pai, né? O homem teria dito ao filho que os gays vão para o inferno. Calligaris não se faz de rogado e interpreta psicanaliticamente o que esta fala causou à mente do gay louco. No mundo politicamente correto destes insensatos, é proibido falar mal dos muçulmanos. Eles são vítimas do ocidente judaico-cristão. Os Palestinos, então, são as vítimas-coitadas universais. Se alguém não sabe, a esquerdalha é a grande patrocinadora do coitadismo no mundo. Voltando.
O país de Calligaris, a Itália, agachou-se na visita diplomático-comercial do presidente iraniano e até encaixotar obras da Renascença – porque estavam nuas – eles fizeram. Não queriam ferir os sacrossantos olhos do religioso xiita. O ridículo foi tanto que uma foto oficial entre presidentes, que tinha uma estátua equestre de um César ao fundo, foi cancelada porque aparecia o colhão do cavalo. A França que recebeu a mesma comitiva iraniana recusou-se a transigir com seus valores. Cancelou um almoço porque os fanáticos queriam determinar o cardápio, inclusive proibir vinho à mesa. E olha que os franceses queriam vender também, e venderam.
É fato inconteste, porém, que pessoas que se dizem cristãs, por exemplo – não me ocupo dos muçulmanos aqui –, estão eivadas de preconceitos, falsas compreensões, interpretações equivocadas, tudo fruto de teologias doentes e, mais que tudo, desconhecem o Espírito da Palavra que é misericórdia, justiça, amor, etc, etc. Agora mesmo, um pobre coitado conseguiu seus quinze minutos de fama nos EUA. Pastor, Roger Jimenez se disse triste porque o tresloucado não acabou o serviço na boate Pulse. Que gostaria que o governo colocasse os gays num paredão e explodisse suas cabeças. Ele também fez aquilo que Calligaris faz no penúltimo parágrafo de seu texto: generalizou. Atribuiu a todos os gays um comportamento pedófilo e os chamou de predadores e abusadores. Isso é cristão? Afirmo categoricamente: NÃO! A fé cristã sofre pelos mortos e chora com seus familiares.
Calligaris nos brinda com essa pérola: “São os que contribuem para que esse infeliz não consiga tolerar seu próprio desejo: o bêbado do boteco que faz piada de veado e traveco, os pastores e os padres que querem curar homossexuais...” É proposital o que faz este senhor: bêbados de boteco, pastores e padres... Por sua régua, todos em pé de igualdade. Acho que Calligaris bateria palmas se Costinha fosse exumado e seu corpo vilipendiado em praça pública. Na Escolinha do Professor Raimundo, sua única função era contar piadas de “bichinha” como ele chamava os gays. Ainda está no ar no canal Viva da Globo. Taí uma sugestão Calligaris: encabece uma petição virtual para cancelar a repetição do programa.
É evidente que vender a ideia de cura de homossexuais é errada. Nem sei se as pessoas fazem isso de forma tão direta como o fazia o finado Projeto Exodus e este mesmo se limitava a ofertar seus “serviços”. Mas é verdade também que muitos gays praticantes atormentados sozinhos por suas incongruências de alma, buscam na espiritualidade cristã uma forma de se resolver. E o fazem de livre e espontânea vontade. Não consta que igrejas, mesmo as mais destrambelhadas, cacem gays nas ruas para obrigá-los a se curar. Algo parecido com o que foi feito com os dependentes de crack em algumas capitais brasileiras.
Como o psicanalista sabe muito bem, há inúmeras outras coisas que as pessoas carregam em si e rejeitam. É possível que não tenha o peso de uma identidade ou desejo sexual, mas a estrutura do problema é o basicamente igual. Será que o diagnóstico do doutor está fundado também em discursos impróprios dos outros que, por loucos que sejam, existem e não são crimes na sociedade plural em que vivemos?
Calligaris está com raiva. Transparece no texto. Está cheio de certezas fanáticas, diversas de um Jimenez apenas porque despidas do elemento de fé. Sofisticado, não teria coragem de verbalizar as aberrações do pastor, mas, no fundo, é um fanático também.

Nenhum comentário: