terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Nietzsche, Paulo, daesh e as baboseiras do Contardo Calligaris

Vejam o que uma sensação de futilidade não faz uma pessoa escrever. O psicanalista Contardo Calligaris, autor da série PSI produzida pela HBO, estava sob pressão para escrever um texto para sua coluna na Folha antes de partir e entre outros muitos compromissos. Ao mesmo tempo, vivia um momento particularmente importante em sua carreira. Sua série fora indicada para o maior prêmio mundial do entretenimento televisivo, o EMMY Internacional, concorrendo na categoria série dramática, além do que, o ator principal, Emílio de Mello, também concorria ao prêmio de melhor ator dramático.
É nesse contexto, com as malas prontas, que Contardo é tomado pela sensação de que tudo isso é fútil. Até diria mais. Do sem sentido de todo o aparato, enquanto o mundo se convulsiona com o Isis (daesh) detonando etnias – homens, mulheres e crianças indistintamente – em sua louca sanha religiosa. Pelo menos foi esse tema que ele evocou. Haveria também um sentimento de culpa no colunista? Dependendo da sensibilidade de cada um, nada mais normal. Embora, suspeito, essa sensibilidade seja daquelas que causa leve comichão, enquanto se assiste a notícia, mas encarapitado numa cobertura e tomando um vinho importado. Ah, fazendo cara de nojinho, como diria Felipe Pondé.
Escrevo bem depois de o evento ter se realizado em Nova Iorque. Depois das declarações de praxe: foi muito importante ter sido indicado, blá, blá, blá. Não deu nem para o seriado nem para o ator. A essa altura, suponho que a tal sensação de futilidade e o raciocínio destrambelhado do colunista tenham voltado ao normal. Imagino que o sorriso amarelo e o travo na boca por não ter ganhado o prêmio já tenha se extinguido.
Acertadamente, o colunista afirma que os fanáticos nos tomam a todos por fúteis. O recente ataque a Paris foi, de maneira declarada, uma ação premeditada contra o que julgam ser o suprassumo da frivolidade ocidental: esporte, arte, shows, a diversão no barzinho. Os assassinatos foram um recado ao que chamaram de algo como: um ataque à capital da prostituição mundial.
O texto sem verve até aí tem seu fio condutor e aponta numa direção até interessante, a despeito da falta de inspiração. Então, nosso colunista desanda. O texto já pedia consistência e então se torna num libelo contra, pasmem, o cristianismo!!!
Se o texto já era raso, passou para o campo do nonsense. “No campo cristão...” Daí pra frente o psicanalista se valerá da mais obtusa e arcaica versão de certa variante teológica, portanto, construção intelectual de um grupo ou vertente do cristianismo e a toma como verdade para desancar a Paulo, a quem ironicamente diz ser um apóstolo autoproclamado que enveredou o cristianismo numa cruzada, segundo ele, contra a futilidade e o prazer. Calligaris coloca o daesh e Paulo exatamente no mesmo saco de gatos de fanáticos em geral.
Quisera Calligaris se contivesse por aí. O daesh foi literalmente esquecido, pelo menos por momento. Primeiro, há uma ligeira digressão para mostrar a fala de um filósofo que é, de certa forma, positiva a Paulo, mas apenas para discordar e indicar seu herói, Nietzsche, aquele que anseia pela condição de super homem e deplora tudo o que julga fraqueza humana, como o amor, por exemplo. Ao passo que Paulo, segundo este sábio, odiava o humano que havia nele e incutiu o mesmo ódio nos cristãos de todas as épocas. No que nisso Nietzsche é contraponto positivo a Paulo, o articulista não diz.
Não sei se rio ou choro ante tamanho despautério. Talvez Calligaris conheça Nietzsche, mas certamente não conhece Paulo. Ou o sabe por terceiras mãos, leituras bissextas ou ainda, como o filho do Lula, da Wikipedia. Calligaris vomita ignorância, mas deve pegar bem ao seu público ou a certa intelligentsia da qual se julga membro, em que usar a Bíblia para debochar da herança cristã que moldou o ocidente é prática comum. Mas isso o Isis e assemelhados já fazem. Com um pouco mais de ênfase, diga-se, pois metralham e explodem inocentes.
O homem estava incontido. Não satisfeito, resolve até admitir que será irreverente – esta foi a última coisa que conseguiu ser em seu texto – e aventurar-se em afirmações para-históricas. Vá lá, uma piadinha tosca sobre a famosa queda do cavalo que sofreu Saulo a caminho de Damasco. Calligaris não poderia ter sido mais infeliz. Uma única leitura do livro de Atos e, se conseguisse entender, descobriria que o evento e seus desdobramentos acontecem com o homem mais improvável de todos.
Vá lá Calligaris, leia Atos dos Apóstolos, pois ainda que o tome como literatura de ficção, descobrirá que há um personagem e uma história que faz todo sentido e nos força a concluir que Saulo, não tivesse vivido um extraordinário encontro com Jesus Ressuscitado, jamais se tornaria Paulo.   
Queda por imperícia como cavaleiro? Usar isso como desculpa para forjar um suposto encontro com Deus? Às tolas afirmações, Calligaris tenta dar um toque psicanalítico de boteco: toda a experiência de Paulo foi um mecanismo projetivo, afirma. O diagnóstico é de tal disparate que me pergunto se Calligaris andou lendo outro Freud, de outra dimensão em que projeção não seja uma identificação artificial com coisa ou pessoa, mas surto em que o sujeito se torna naquilo que odeia. No caso de Paulo, se tornar cristão.
A projeção desembestou numa versão de um cristianismo sombrio, na crença do próprio Paulo, categoriza Calligaris. Como um Cavaleiro da Triste Figura que lutava contra moinhos, Paulo é reduzido a um jacobino quem sabe, pervertido, que perseguindo aos pecadores, ele mesmo aplacaria seus desejos carnais.
Calligaris, do alto de sua sapiência, conclui: desta impostura religiosa paulina deriva toda nossa culpa ao sentir o prazer, mesmo os inocentes. Paulo nos chicoteia com seu desvario religioso que nos força a ter que pensar o tempo inteiro, diz o psicanalista, e nos preocuparmos tão somente com o divino e o absoluto e ai de nós se não for assim.
Não sei se o Calligaris sofreu algum trauma numa escola católica pré Vaticano II ou se sofreu sevícias – não necessariamente físicas – inconfessas de algum grupo terrorista islamita, ou tão somente é fruto de uma intelectualidade frouxa que se vale da liberdade que tem para proclamar besteiras sobre o cristianismo. Esse tipo de gente é desonesta, pois é incapaz de reconhecer que a Bíblia forjou tão profundamente os valores da liberdade e democracia dos quais goza e que são, afinal, a essência de tudo que defendemos no ocidente, mesmo pós-cristão.
Hoje direi o que o roteirista de Psi reclamou que alguém deveria ter dito a Paulo. Get a life, Calligaris! Vá viver sua vida! A salada que fez de jihadistas, Paulo, seu avô morto e seu quase prêmio, não faz sentido nenhum.

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