O TJ (Tribunal de Justiça) de São
Paulo absolveu, em decisão publicada na segunda quinzena de novembro, um homem
que admitiu ter furtado mais de 20 calcinhas do varal de sua vizinha em
Piracaia, cerca de 100 km da capital.
Fonte: Eduardo Schiavoni. Colaboração
para o UOL, em Ribeirão Preto (25/11/2015)
Era réu
confesso. Que fazer? Havia sido pego com a mão enfiada na botija. Todo o
mistério do sumiço das calcinhas fora desvendado por reles câmera que hoje
qualquer camelô chinfrim vende na esquina. Só não está pior que o Delcídio e
sua versão de ajuda humanitária a um delator que podia lhe causar um buraco
gigante na sua reputação. Preso, não mentiu ao delegado, embora tenha como que
acordado do transe e sentido um pouco de vergonha. Confessou tudo, num arroubo
de sinceridade suicida.
Por bom tempo,
aquilo fora um segredo daqueles que se vive o antegozo de quando se é o único a
saber. Ouvir as fofocas da vizinhança, a sensação de estranheza das pessoas, o
disse-me-disse sobre o suposto autor, quando se está ali, ao alcance da mão,
dentro de um elevador, ou partilhando o balcão da padaria da esquina. Isso dá
ao criminoso uma sensação de poder, de superioridade, de distinção ante seus
próprios olhos. Era assim que se sentia o Silva.
Passada a
surpresa dos vizinhos, a coisa já corria de boca em boca, a despeito de a
vítima ter tentado manter os furtos sob sigilo, pois provavelmente se sentia
envergonhada com a exposição. Pensava nas piadas de que poderia ser vítima. Temia
ser vista como uma mulher que desperta a tara alheia.
Há coisas
incoercíveis dentro de nós. Estão adormecidas. Parece que se fingem de mortas.
Aguardam sorrateiras o momento oportuno para se manifestar como gatunas de
nossa vontade. Uma vez manifestas, nem que seja por leve sugestão, crescerão
como a mistura de fermento com bromato no pão. Infladas, elas nos carregarão
para as profundezas das taras que açulam.
E de nada
adianta pensamento positivo. Os chicoteios da culpa moral. A consciência
berrará feito louca, e logo se dará uma luta sangrenta entre a compulsão da
vontade e os, a essa altura, frágeis interditos que nos pespegaram o juízo e
deram num castelinho de crenças, agora minadas pelo desejo que escoiceia como
cavalo louco.
Dirão alguns,
pelo visto de nada temos culpa, somos todos vítimas de nossas mazelas ocultas.
Sim e não. A resposta é difícil. Veja o caso de Silva. Sujeito que se via
normal. Um trabalho simples, vidinha besta como diria Drummond. Mas um dia a
Besta dentro dele acordou. Foi só um olhar furtivo na calcinha que, como
bandeira a tremular feromônios, espargia suas más intenções. Silva sentiu um
calafrio que lhe subiu pela espinha e instantâneo o desejo surgiu.
Pequenininha, arteira, travessa, buliçosa balançava suave à brisa da tarde.
Um plano louco
se lhe tomou a mente. Tentou ver tv, comer, olhar o face, nada. Cada minuto o
plano ia e vinha. Voltar e pegar calcinha. Sua mente perturbada via a mulher
dos sonhos dentro dela. Todo tipo de pensamento veio como matilha de
demoniozinhos a sugerir coisas das mais românticas até as mais assanhadas
fantasias sexuais.
Cedeu ao
primeiro ímpeto e então se tornou preso ao vício. Não eram só as calcinhas e os
prazeres que elas proporcionavam. E toda a adrenalina de pensar planos para
furtar o objeto do irrefreado desejo? O medo de ser pego? Não havia mais
limite. A coleção foi aumentando, o rumor da vizinhança também. A fantasia
assomou em vertiginosa rapidez e já não eram suficientes as horas de homenagem
solitária, passou a vesti-las. Ia ao trabalho com elas, porque a fantasia
estava descontrolada. Deu muitos bons dias à vítima vestido em sua calcinha,
conversou com pessoas próximas até na tentativa de adivinhar quem era o tarado,
enquanto gozava o prazer do seu segredo.
O
que era prazer tornou-se logo um sofrimento, uma escravidão. Ficou cada vez
mais ousado, pois a dose de perigo precisava ser aumentada para satisfazer ao
vício. Sabia que seria pego. Mas vestido em três calcinhas? Foi um alívio! O
chato agora é que virou meme. Sua foto de tanguinha vermelha foi usada até em
propaganda de sex shop para um natal apimentado. Existe louco pra tudo.
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