sexta-feira, 20 de novembro de 2015

De jumento a commodity

Durante missão na China, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, recebeu uma demanda inusitada de um empresário. O investidor disse ter interesse em importar 1 milhão de jumentos por ano. A história foi relatada pela própria ministra, pelo microblog Twitter.

Fonte: estadão Conteúdo (18/11/2015)

Juntar jumentos e chineses num mesmo texto é um desafio. Então, vamos lá. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu, está na China. Diz que fazendo negócios para o Brasil. Estava ela no convescote, a provar dos exotismos culinários do Império do Meio, o passeio na Praça da Paz Celestial. De repente, ao caminhar pela icônica Muralha, saído do nada, um empresário chinês propôs à queima roupa: tem jumento pra vender? Tô precisando de um milhão por ano, por aí. A ministra riu, incrédula. Teve que perguntar ao tradutor o que diabos dizia aquele chinês. O tradutor assegurou que havia dito corretamente: o homem queria comprar jumentos.
A ispilicute ministra que, parece, voltaria contando mundos e fundos, mas de sério necas, abriu um sorriso desse tamanho. Voltou-se para o tradutor: pois diga ao nobre empresário que temos jumento pra vender. Jumentos made in Brazil. Quantos ele quer? Havia dois cifrões nos olhos da ministra. Em sua cabeça, as ideias passavam rápido. Uma frase saltou entre todas: era a libertação do nordeste de séculos de miséria que o jumento representava tão bem. Isso trabalhado por um marketeiro dava uma vaga na disputa pra presidenta. Lembrou que outro dia um Promotor recomendou churrasco de jumento como forma de dar um destino aos abandonados animais em estradas e pelo desemprego cavalar em que estão eles e nós. Povo pouco apegado às tradições, os nordestinos substituíram os jumentos por motos sem cerimônia. Um disparate!
O tal churrasco jumentício causou manifestações estridentes contra e a favor. O brasileiro, nordestino, ainda olha para o jumento com pena, como seu parente esquecido. Tudo bem ignorá-lo, largá-lo nas ruas e BRs, mas comê-lo, aí só numa seca braba daquelas de querer comer couro de tamborete. Estão quase chegando lá com o novo El niño que veio endiabrado dessa vez e a transposição do São Francisco que ficará para o próximo milênio.
Ainda em devaneios, a ministrete teve o semblante obnubilado por ligeira preocupação. Não correria o risco de, por engano, exportar os jumentos do governo, a começar pela presidenta jumenta? valha-nos! Seria um baita escândalo diplomático. Nesse governo pode acontecer de tudo. Ela queria se referir à jumentisse, naturalmente no sentido figurado, conotativo, pois não? Os jumentos emprestaram seu nome ao epíteto desinteligente pelas caras de parvos que têm. Eles, propriamente, podem ser acusados de razinzas, teimosos, empacadores, birrentos, lerdos até, mas não de retardados. Refiro-me à pessoa do jumento.

Auxiliares que souberam da alvíssara notícia, ainda que, convenhamos, um tanto despautérica, perguntaram à ministrete para que fim o chinês queria tanto jumento. Os chineses teriam descoberto um filão de ouro com nossos jumentos, o que nos colocaria, de novo-velho, na condição de meros fornecedores de matéria prima? A ministrete leu esse pensamento. Os jumentos seriam os novos insumos da cadeia produtiva de... do quê mesmo? Ela mesma estava disposta a ser garota propaganda mundo afora das maravilhas que só nossos jumentos têm. Eles seriam o mais novo ramo do agronegócio exportador. A commodity que seria negociada nas principais bolsas do mundo. Aliás, era só botar o pé no país e proporia a criação imediata da BFJ – Bolsa Futura de Jumentos medida pelo índice zurrotech. Se duvidar, acredita ela, teremos o equivalente a uma nova era da cana-de-açúcar ou pau-brasil.
E se os chineses quiserem falsificar carne? Vender jumento passando-se por boi, não vai prejudicar nossa exportação bovina? Cala a boca, meu filho! Nós aqui ante a conquista da China e tu pensando pequeno! A venda de jumentos livra o Nordeste dessa peste. Tu sabes que jumento virou peste, né? Gera divisas pro Brasil. A essa altura ela contava nos dedinhos cheios de aneizinhos. Alimenta a chinesada e, quem sabe, o mundo. Ah, vai dar emprego aos nordestinos.  
A caravana ministerial com quatrocentos e cinquenta assessores, fora maquiadores e puxas-saco – a ministrete não tem saco, sei, sei – estavam em estado de graça. Dilma já convocava a imprensa para uma coletiva em que diria que, sim, deu com os burros n’água, mas achou a saída nos jumentos. Sabe lá o que é descobrir a salvação do Brasil?

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