quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Fim dos tempos


Ao longo do mês de janeiro, os canais de tv a cabo Discovery, History Channel e National Geographic Channel, apresentaram documentários sobre o fim do mundo. Cada qual deu sua própria nuance. Um enfatizou os cataclismos naturais como o aquecimento global. Outro buscou nas idéias apocalípticas diversas, religiosas e de culturas extintas. E ainda outro, misturou vários detalhes, incluindo um possível meteoro que poderá, num futuro remoto, acabar com tudo.

Mas eis que me deparo com o teólogo Jurgen Moltmann, autor de Teologia da Esperança, que em seu livro “Vida, esperança e justiça: um testamento teológico para a América Latina”, no capítulo “O Deus da ressurreição”, diz o seguinte: “As imagens ou idéias com as quais nós imaginamos o fim, sejam religiosas ou seculares, militares ou ecológicas, certamente são boas imagens apocalípticas. Mas será que elas são também cristãs? Não, elas não são. A original e autêntica expectativa de futuro do Cristianismo não tem nada a ver com o fim, o fim da vida, o fim da história, o fim de todas as coisas; mas com o início, o início da vida, o início do reino de Deus, o início da nova criação de todas as coisas.”

Sua fala cutucou minha letargia sobre ter visto aqueles documentários como que anestesiado. Não de medo. Mas de indiferença. Meu filho menor amedrontou-se e encheu-me de perguntas enquanto assistíamos e respondi lá de qualquer jeito, mais preocupado em amenizar seu temor que explicar qualquer coisa.

Relatei a ele uma experiência que tive mais ou menos na sua idade na casa de um colega vizinho. O menino mostrou-me um livro com figuras sobre o fim dos tempos e me fez correr em desabalada carreira e pranto para casa, amedrontadíssimo. A ponto de minha mãe ter que falar com a mãe do tal menino para que não me mostrasse aquelas coisas. Assim se consolam os crentes em geral, pelo menos a parcela que ainda recorda de algo que se pareça a segunda vinda de Cristo. Sim, porque a moda corrente é preocupar-se com o hoje – saúde e dinheiro – e esta história de esperança futura que fique por lá, em algum ponto perdido no tempo.

Antes da esperança, há que se passar pelas idéias teológicas mais em voga, pela (grande) tribulação. A esperança servirá como vara para um salto sobre o obstáculo do apocalipse, que amedronta os infiéis e aos especiais, ditos salvos, resta a expectativa de livramento desta hecatombe por meio de um arrebatamento.

Vejam, não nego um arrebatamento, pontuo apenas um tipo de movimento em relação a este evento por demais sobrecarregado com a busca de sinais no tempo e esquecido de viver em novidade de vida. Pode-se dizer, por exemplo, que a resposta de Jesus aos discípulos sobre sua pergunta de quando seriam aqueles acontecimentos que anunciavam um fim (Mt 24.2-14), não tem o propósito de estabelecer um ponto final, mas de motivar seus discípulos a viverem os valores da Vida em meio a um mundo dominado pela morte. Faça um exercício simples. Leia o texto de Mateus e veja se cada coisa à qual Jesus se refere não aconteceu ali mesmo, no tempo e aos próprios discípulos.

A ênfase atual, entretanto, firma-se no fim, como diz Moltmann. No mesmo capítulo, o teólogo afirma: “Na ressurreição de Cristo, nós reconhecemos o começo real do futuro de Deus, em meio a este mundo da morte e essa história passageira.” Isto faz enorme diferença. A expectativa da destruição não é adequada até porque ressurreição é começo, mas no que foi dito: “Eis que faço novas todas as coisas.” (Ap 2.15) Estar em Cristo é ser nova criatura, as coisas velhas estão para trás. (2 Co 5.17) Que parte pode ter o da fé e esperança com a destruição e morte?

Ah, alguém poderia dizer, mas vai acontecer o fim dantesco. Pode ser. Mas não é nisso que Jesus está, mas no começo do começo. Ele é o ponto de partida para o novo, não em algum lugar perdido no tempo, mas agora. Pensar deste modo deve mudar nossa forma de ser cristão. Porque aquele que faz parte do novo e é para isso que o Reino se instalou em nós, não cogita do passado nem na forma de viver que tem referência no modo antigo de agir e ser, que apenas serve ao discipulado do mal. Jesus nos diz: “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós.” (Mt 12.28) Onde o reino de Deus chega, as trevas devem dar lugar à luz. E aí, por meio do Santo Espírito, o fazer será sempre criativo, pacificador, misericordioso e gracioso. Basta ler as bem-aventuranças em Mateus 6.

Viver no reino de Deus hoje, portanto, numa antecipação do futuro onde haverá novo céu e nova terra, implica uma atitude ativa. Não à toa o reino é comparado às dez virgens. Há todo tipo de comportamento no espaço do reino enquanto palmilha a história. Pessoas que foram alcançadas, mas que vivem numa expectativa, sem que esta se traduza em ação à imitação de Cristo. As virgens que são louvadas são aquelas que são prudentes. No contexto, sinônimo de sábias e atentas ao seu próprio interesse. No caso, o encontro com o noivo. Ora, do que se ocupa alguém que tem algo como fundamental em sua vida? Evidente que é daquilo que lhe é importante. Assim, se consideramos a relação com o Senhor algo de importante, é disso que nos ocuparemos a cada minuto. Não será trocado nem substituído por cultos, ativismos, nem qualquer outra coisa, senão o cuidado de andar com Ele e nEle.

Moltmann toma a ressurreição de Cristo como paradigma deste reino. Não só porque ele mata a morte e todas suas formas, mas porque Ele estende este poder a todos quantos nele fixarem os olhos. Ressurreição produz cura de um jeito mortal de viver e, neste sentido, a morte, a inimiga, torna-se incapaz de matar e ainda que o faça ao corpo, aquele que morre está vivo diante de seu Deus. Não em forma de um retrato em cima de uma cômoda, mas de fato vivo, pleno e a salvo nEle. Ademais, a ressurreição que rompeu com uma ordem estabelecida em cujo centro a morte reina, garante ao que crê também a ressurreição do corpo. Lembre, ele fará novas todas as coisas, isto inclui a você e a mim.

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