“Aprender a julgar quais vidas
podiam ser salvas, quais não podiam e quais não deveriam exige uma capacidade
de prognóstico inatingível. Cometi erros. Correr com um paciente para o centro
cirúrgico para salvar um cérebro só para que seu coração continuasse batendo,
sem que ele jamais pudesse voltar a falar, tivesse que se alimentar por um tubo
e estivesse condenado a uma existência que ele nunca desejaria não era uma boa opção.
Acabei considerando isso um fracasso maior do que deixa-lo morrer.”
Esta fala tão
lúcida e honesta, tão verdadeira e desabrida é de um neurocirurgião que faleceu
aos 36 anos de um câncer de pulmão que, segundo ele, acomete apenas 0,0012% das
pessoas com esta idade.
Sua história
está num best-seller com título em português “O último sopro de vida”. O nome
dele era Paul Kalanithi. O livro promove uma incrível reflexão sobre o sentido da
vida. O morrer e o viver com significado. O encontro da fé, sucesso, doença e
cura. Sem ser um livro de autoajuda, posto que se trata de um visceral
descrição da vivência de um homem na luta contra uma doença devastadora. Em sua
palavras: “Doenças graves não são obstáculos que alteram a vida. Elas as
despedaçam.”
Então, como
achar uma forma de seguir vivendo no tempo que for possível, em vez de seguir
morrendo? Kalanithi não nos dá um manual de regras, ele mesmo teve que aprender
aquilo que muito distante de sentir, ensinava aos seus pacientes. Era tão
aprendiz quanto eles.
A história
comove sem ser apelativa ou sentimentalóide. Há crueza e delicadeza. Medo e
esperança, artigo que os médicos também necessitam, como ele mesmo afirma.
Diante de sua
médica, ele deseja saber sobre a curva Kaplan-Meyer, fórmula que estima as
possibilidades de sobrevivência. Ele percebeu que sua relação com a estatística
havia mudado, então ele pensou: e se a curva fosse dividida em seções
existenciais? “Deixar algum espaço para um resultado estatisticamente
improvável, mas ainda plausível? Isso é esperança?”
Em certo
momento ele afirma: “A ciência pode fornecer a forma mais prática de organizar
dados de forma empírica e replicável, mas seu poder de fazer isso é prejudicado
por sua incapacidade de alcançar os aspectos mais essenciais da vida humana:
esperança, medo, amor, ódio, beleza, inveja, honra, fraqueza, empenho,
sofrimento, virtude.”
“... a realidade básica da vida
humana se opõe fortemente ao determinismo cego.” Levamos tempo para aprender.
Parece que apenas as experiências-limite mais agudas tem o poder nos arranca
destas certezas frouxas ou seguranças onipotentes, nós, cacos de barro.
O jovem médico,
amante da bossa nova, chegou num ponto em que antevia sua brevidade e um
dilema: o que deixaria dito para sua filha bebê que não o conheceria? Então lhe
veio a ideia: “palavras tem uma longevidade que não tenho.” Escreveria cartas,
mas que dizer? Haveria tanto a ser dito e talvez quase nada. Foi isso que disse
Kalanithi à filha:
“Quando você chegar a um dos muitos
momentos da vida em que precisar refletir sobre si mesma, fornecer um relato do
que foi, do que fez e do que significou para o mundo, peço, - peço não, oro –
para que não se esqueça de que você preencheu os dias de um homem à beira da
morte com uma alegria plena, uma alegria que me foi desconhecida em todos os
meus anos passados, um alegria que não pede cada vez mais, e, sim, descansa,
saciada. E, neste momento, isso é algo enorme.”
Será que este
não é o sentido último da existência de cada um de nós: ser presença
significativa para alguém, mesmo uma única pessoa?
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