sexta-feira, 17 de março de 2017

Agarrado à vida como Jacó ao Anjo

“Aprender a julgar quais vidas podiam ser salvas, quais não podiam e quais não deveriam exige uma capacidade de prognóstico inatingível. Cometi erros. Correr com um paciente para o centro cirúrgico para salvar um cérebro só para que seu coração continuasse batendo, sem que ele jamais pudesse voltar a falar, tivesse que se alimentar por um tubo e estivesse condenado a uma existência que ele nunca desejaria não era uma boa opção. Acabei considerando isso um fracasso maior do que deixa-lo morrer.”
Esta fala tão lúcida e honesta, tão verdadeira e desabrida é de um neurocirurgião que faleceu aos 36 anos de um câncer de pulmão que, segundo ele, acomete apenas 0,0012% das pessoas com esta idade.
Sua história está num best-seller com título em português “O último sopro de vida”. O nome dele era Paul Kalanithi. O livro promove uma incrível reflexão sobre o sentido da vida. O morrer e o viver com significado. O encontro da fé, sucesso, doença e cura. Sem ser um livro de autoajuda, posto que se trata de um visceral descrição da vivência de um homem na luta contra uma doença devastadora. Em sua palavras: “Doenças graves não são obstáculos que alteram a vida. Elas as despedaçam.”
Então, como achar uma forma de seguir vivendo no tempo que for possível, em vez de seguir morrendo? Kalanithi não nos dá um manual de regras, ele mesmo teve que aprender aquilo que muito distante de sentir, ensinava aos seus pacientes. Era tão aprendiz quanto eles.
A história comove sem ser apelativa ou sentimentalóide. Há crueza e delicadeza. Medo e esperança, artigo que os médicos também necessitam, como ele mesmo afirma.
Diante de sua médica, ele deseja saber sobre a curva Kaplan-Meyer, fórmula que estima as possibilidades de sobrevivência. Ele percebeu que sua relação com a estatística havia mudado, então ele pensou: e se a curva fosse dividida em seções existenciais? “Deixar algum espaço para um resultado estatisticamente improvável, mas ainda plausível? Isso é esperança?”
Em certo momento ele afirma: “A ciência pode fornecer a forma mais prática de organizar dados de forma empírica e replicável, mas seu poder de fazer isso é prejudicado por sua incapacidade de alcançar os aspectos mais essenciais da vida humana: esperança, medo, amor, ódio, beleza, inveja, honra, fraqueza, empenho, sofrimento, virtude.”
“... a realidade básica da vida humana se opõe fortemente ao determinismo cego.” Levamos tempo para aprender. Parece que apenas as experiências-limite mais agudas tem o poder nos arranca destas certezas frouxas ou seguranças onipotentes, nós, cacos de barro.
O jovem médico, amante da bossa nova, chegou num ponto em que antevia sua brevidade e um dilema: o que deixaria dito para sua filha bebê que não o conheceria? Então lhe veio a ideia: “palavras tem uma longevidade que não tenho.” Escreveria cartas, mas que dizer? Haveria tanto a ser dito e talvez quase nada. Foi isso que disse Kalanithi à filha:

“Quando você chegar a um dos muitos momentos da vida em que precisar refletir sobre si mesma, fornecer um relato do que foi, do que fez e do que significou para o mundo, peço, - peço não, oro – para que não se esqueça de que você preencheu os dias de um homem à beira da morte com uma alegria plena, uma alegria que me foi desconhecida em todos os meus anos passados, um alegria que não pede cada vez mais, e, sim, descansa, saciada. E, neste momento, isso é algo enorme.”


Será que este não é o sentido último da existência de cada um de nós: ser presença significativa para alguém, mesmo uma única pessoa?

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