O burburinho
do restaurante não a perturbava. Estava totalmente absorvida. Eu que vagava os
olhos ao redor fui distraidamente atraído para aquela mesa. Havia uma mulher de
meia idade, cabelos pintados de um amarelo estridente, estava em seu mundo diante
da telinha do celular. Descobri logo em seguida: embevecida – ou nem tanto –
com a própria imagem que, aparentemente, teimava em não sair exatamente do
jeito que sua imagem mental idealizada de si mesma queria.
As
tentativas de encontrar o ângulo exato começou com o distanciamento do braço, o
celular espremido entre o polegar e o médio e o indicador livre para clicar. A
cabeça inclinava numa posição, noutra, ora séria, ora num riso estranho, posto
que forçado. O que atrapalhava? Acho que era o cabelo que caía perturbando a
paisagem do rosto, pois a todo momento os alisava e tentava colocar em alguma posição
na qual, obediente, deveria ficar. Seguia-se o teste de qualidade da prova.
Algo saiu errado. Voltava à tentativa de busca da aparência mítica. De repente
sacou da bolsa um pau de selfie. Agora ela tinha, definitivamente, toda minha
atenção. Que tenacidade!
Selfie foi a
palavra do ano (em 2013) para o dicionário Oxford. É a abreviação de
self-portrait. Em tradução literal: autorretrato. Inúmeros artigos, inclusive
de profissionais da psicologia, viram aí um efeito secundário negativo da
tecnologia. Apontavam para uma exacerbação do eu numa sociedade já
suficientemente individualista. O fenômeno apenas refletia um comportamento
frívolo. Ou perigoso. Não é difícil encontrar na internet imagens e até
pequenos filmes de pessoas que ao fazer um selfie, morreram de forma absurda.
Teriam razão
os articulistas ao condenarem este narcisismo exuberante? Seria o tédio da vida
moderna ou o sem sentido destes tempos que se liquefazem ante nossos olhos como
descreve Bauman? É uma sensação de futilidade que precisa ser substituída por
aprovação contínua e muitos likes nas redes?
Uma pesquisa
recente patrocinada pela Sony, sugere que o selfie pode dar dinheiro, ou
melhor, já que as pessoas gostam tanto de “selfiar” isso pode ter uma função e
impactar várias áreas. Pois foi o que a pesquisa rastreou. As áreas: saúde,
entretenimento, finanças, relacionamentos, moda, comércio on-line, segurança
pessoal e doméstica, robótica, esportes e, claro, relacionamentos amorosos.
Como um
cachorro que precisa de um biscoito para registrar de forma positiva a
experiência de dar a pata quando ordenado, grande parte das pessoas apenas tem
um pouco de aprovação quando realizam alguma coisa, por simplória que seja – como
cortar o cabelo – postar o selfie do novo look e receber elogios. Desde muito
pequenos precisamos dessa aprovação, mas, à medida que crescemos, se isso
acontece de maneira saudável, desenvolvemos um senso de segurança e identidade,
auto aprovação que cria a autonomia pessoal, e isso alimenta a nós próprios.
Se acontece
algo errado nesse processo: figuras afetivas importantes ausentes ou
indiferentes, privação afetiva, abandono, violência emocional, então temos
alguém sem o necessário suprimento interno que o sustentará na vida adulta e em
relações livres e sem cobrança que levam as pessoas a fazerem as coisas não na
lógica do custo-ganho, mas de fazer, por exemplo, porque é o certo. Agradar
porque ama. Servir porque se realiza. Ajudar porque tem empatia pelo próximo. Fazer
algo sempre na expectativa do ganho do biscoito emocional: alguma coisa está
errada.
Haveria uma
medida de quantidade de selfies que indica um distúrbio emocional? Desconheço.
No adulto maduro, ainda que a imagem física tenha importância, a imagem mental
medida pelo caráter, pela sensatez, por uma razão de sentido de existência, por
um sentido de utilidade, são superiores à imagem estética ou àquela sustentam.
O excesso de selfies, especulo, pode indicar uma substituição total da imagem
composta apenas pela física. Então um fio de cabelo fora do lugar, conta. Um
centímetro a mais na barriga, conta. No limite, são desastres.
Ah,
aquela mulher? Ela quedou-se naquele afã, naquela busca inglória por muito
tempo. A cada foto, um turbilhão de julgamentos que vinham junto com as supostas
falas negativas daqueles de quem esperava a aprovação. As contorções no rosto
denunciavam este dilema. Ao passar ao seu lado, aparentemente, depois de muitas
fotos descartadas, tinha desistido daquela imago perfeita. Por aquele
momento...
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