A conversa de
que a grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa ganhou dimensões
inusitadas e muito mais concretas do que antes o monstro de olhos verdes nos
poderia dar a entender.
Há anos, o
estado americano mais rico, a Califórnia, vem sofrendo com períodos de secas
tão graves quanto as que sofre o Nordeste brasileiro. Lá sem a promessa-miragem
da transposição de um rio que por aqui, no dia em que for executada, nem haverá
rio de onde tirar água.
Mas sigamos.
Cidades com casas espaçosas e gramados quase sempre verdejantes, agora são
cenários desolados, tristes e marrons. Como dizem que a oportunidade é a mãe
das invenções, apareceram empresas que vendem a pintura para a grama seca. Em verde,
por suposto. A tinta, dizem, tem propriedades herbicidas, mata formiga, é
eco-amigável, a prova d’água, inodora, não tóxica e segura para crianças,
velhos e bichinhos de estimação, não necessariamente nesta ordem.
Outra empresa
vende mantas de um verde vivo que imitam com perfeição um belo gramado:
eternamente aparado e limpo da mais singela erva daninha. As empresas estão
vendendo feito água, literalmente. Sai mais barato do que a multa de 500
dólares por dia para quem for pego “aguando” seu jardim.
A questão da aparência
é tão velha quanto o andar bípede. Em muitos casos o que menos importa é a
realidade, mas aquilo que a imagem simula. As pessoas que pagam para (re)criar
um simulacro de gramado sentem um incômodo enorme com a ressecada visão da entrada
de suas casas. Evoca a ideia de abandono, de descuido e de descaso. A pintura
ou a grama falsa amenizam a sensação de incongruência percebida e sentida.
De fato, a
percepção de si é uma das marcas da inteligência de seres superiores. Testes
com golfinhos e macacos, por exemplo, sugerem que eles se reconhecem. Ora,
reconhecer-se indica um tipo de consciência. Em nós ela é infinitamente mais
aguda porque ao nosso reconhecimento agregamos valores, adjetivos, comparamos
com nosso próprio sentido estético ou com o que se diz que é aceitável e
bonito. Mas como tudo na vida, a dose desse notar-se, como a quantidade separa
o remédio do veneno, é a distância entre um sintoma de doença mental ou de
saúde.
A lista de
transtornos que está relacionada com a aparência é grande: vigorexia, bulimia,
anorexia, etc. O desleixo consigo mesmo, ou melhor, a aparência descuidada, é
um dos sinais a ser observado numa consulta psiquiátrica. Se uma doença mental
atinge o ego, e todas elas o fazem, para mais ou para menos, esse zelo consigo
será irremediavelmente afetado. No limite, o super-cuidado ou o desmazelo,
matam.
Se alguém se
abandona porque algo se rompeu na sua inteireza como ser, não haverá espelho
que o faça remontar os pedaços esfacelados. Se uma perda ou forma de supercompensação
se faz necessária, uma dessintonia se instalou profundamente e o espelho produz
ilusões irreais, impossíveis de serem alcançadas.
A grama ou
nosso corpo e rosto, pedem mais que a percepção qualitativa aparente. O
autoengano proposital diminui a sensação de feiúra, mas a verdade das coisas
não se altera. A grama está verde e... morta. Já conosco a situação fica
ligeiramente mais vasta e... complicada. Menciono apenas uma coisa. O
desconforto conosco, refiro-me ao excessivo, aponta para uma quebra – ou nunca
esteve inteiro – do valor, estima, e amor próprio que gera a autoaceitação.
A
busca da perfeição reflete somente uma obsessão que corrói o íntimo. Ela se
torna o centro de tudo. É o máximo de existência autocentrada que, longe do que
lembra Jesus em sua frase célebre, não é um amar-se a si mesmo que, por
conseguinte, impede o amor pelo próximo, é uma doença da alma que produzirá uma
solidão eterna e frustrante.
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