quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Aparências nada mais...

A conversa de que a grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa ganhou dimensões inusitadas e muito mais concretas do que antes o monstro de olhos verdes nos poderia dar a entender.
Há anos, o estado americano mais rico, a Califórnia, vem sofrendo com períodos de secas tão graves quanto as que sofre o Nordeste brasileiro. Lá sem a promessa-miragem da transposição de um rio que por aqui, no dia em que for executada, nem haverá rio de onde tirar água.
Mas sigamos. Cidades com casas espaçosas e gramados quase sempre verdejantes, agora são cenários desolados, tristes e marrons. Como dizem que a oportunidade é a mãe das invenções, apareceram empresas que vendem a pintura para a grama seca. Em verde, por suposto. A tinta, dizem, tem propriedades herbicidas, mata formiga, é eco-amigável, a prova d’água, inodora, não tóxica e segura para crianças, velhos e bichinhos de estimação, não necessariamente nesta ordem.
Outra empresa vende mantas de um verde vivo que imitam com perfeição um belo gramado: eternamente aparado e limpo da mais singela erva daninha. As empresas estão vendendo feito água, literalmente. Sai mais barato do que a multa de 500 dólares por dia para quem for pego “aguando” seu jardim.
A questão da aparência é tão velha quanto o andar bípede. Em muitos casos o que menos importa é a realidade, mas aquilo que a imagem simula. As pessoas que pagam para (re)criar um simulacro de gramado sentem um incômodo enorme com a ressecada visão da entrada de suas casas. Evoca a ideia de abandono, de descuido e de descaso. A pintura ou a grama falsa amenizam a sensação de incongruência percebida e sentida.
De fato, a percepção de si é uma das marcas da inteligência de seres superiores. Testes com golfinhos e macacos, por exemplo, sugerem que eles se reconhecem. Ora, reconhecer-se indica um tipo de consciência. Em nós ela é infinitamente mais aguda porque ao nosso reconhecimento agregamos valores, adjetivos, comparamos com nosso próprio sentido estético ou com o que se diz que é aceitável e bonito. Mas como tudo na vida, a dose desse notar-se, como a quantidade separa o remédio do veneno, é a distância entre um sintoma de doença mental ou de saúde.
A lista de transtornos que está relacionada com a aparência é grande: vigorexia, bulimia, anorexia, etc. O desleixo consigo mesmo, ou melhor, a aparência descuidada, é um dos sinais a ser observado numa consulta psiquiátrica. Se uma doença mental atinge o ego, e todas elas o fazem, para mais ou para menos, esse zelo consigo será irremediavelmente afetado. No limite, o super-cuidado ou o desmazelo, matam.
Se alguém se abandona porque algo se rompeu na sua inteireza como ser, não haverá espelho que o faça remontar os pedaços esfacelados. Se uma perda ou forma de supercompensação se faz necessária, uma dessintonia se instalou profundamente e o espelho produz ilusões irreais, impossíveis de serem alcançadas.
A grama ou nosso corpo e rosto, pedem mais que a percepção qualitativa aparente. O autoengano proposital diminui a sensação de feiúra, mas a verdade das coisas não se altera. A grama está verde e... morta. Já conosco a situação fica ligeiramente mais vasta e... complicada. Menciono apenas uma coisa. O desconforto conosco, refiro-me ao excessivo, aponta para uma quebra – ou nunca esteve inteiro – do valor, estima, e amor próprio que gera a autoaceitação.
A busca da perfeição reflete somente uma obsessão que corrói o íntimo. Ela se torna o centro de tudo. É o máximo de existência autocentrada que, longe do que lembra Jesus em sua frase célebre, não é um amar-se a si mesmo que, por conseguinte, impede o amor pelo próximo, é uma doença da alma que produzirá uma solidão eterna e frustrante.

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