Acho que não
sou injusto com Eckhart Tolle se reduzir seu “O poder do agora” a
essa frase: o passado e o futuro não existem, existe apenas este nanossegundo
em que você está. O escritor é o guru da vez. O livro vendeu milhões de cópias.
As falas sobre sua obra são superlativas. O The
Independent disse que ele é o homem que vai mudar sua vida.
Merchandising à parte, o
autor redescobre uma velha ideia que está presente na filosofia e na religião.
Bem, e na psicologia que é meio filha das duas. A afirmação de que só há este
momento e no exato instante enquanto escrevo ele já não é mais, é provocante.
Ela desafia nossa forma datada de viver, mãe de todas as ansiedades.
Estar no instante
presente nos coloca plenos naquilo que realizamos e expulsa o automatismo com
que fazemos quase tudo. Nosso cérebro pensa continuamente, mas refletimos sobre
nossas ações? Temos verdadeira consciência de nossos atos? Os pensamentos
atravessam repentinos aos milhares uma fresta consciente. Quase não notamos,
exceto aqueles que ganham adjetivos, um valor, e se tornam preditivos, fazem
nascer expectativas, mas quase sempre na forma ansiogênica.
Curioso que doenças como
ansiedade e depressão têm, fundamentalmente, uma dimensão temporal. A primeira
lança sua vítima para um futuro do qual se quer garantias agora, o controle, a
certeza. A segunda arrasta para um passado em que todas as dores, ou algumas em
particular, se tornam pesos descomunais a puxar o frágil barco para o fundo dos
sumidouros da água. Elas matam o presente que só é percebido em forma de
desprazer, agonia e dor. Lembro Gil. “Não se
iludam, não me iludo. Tudo agora mesmo pode estar por um segundo.”
Jesus, em seu discurso
do Sermão do Monte, ensina (parafraseio): em vez de andarem ansiosos com o
vestir, olhem os lírios do campo, pois nem Salomão teria se vestido como um
deles. A planta é frágil, de ciclo curto, então se não se olhar, vai-se perder
a beleza, a delicadeza e o perfume da flor. Ele se referia ao zelo e cuidado de
Deus com os seus, mas entendo que sugere um olhar para fora, em vez de um estar
ensimesmado com as falhas e faltas que ainda virão.
O agora, a que se refere
Tolle, dialoga com o Kairós. O tempo exato da oportunidade, nem mais, nem
menos. O instante propício que não depende de nossa vontade ou desejo. Ele nos
é dado como um presente. Por isso se chama tempo de Deus. O cronos, outra ideia
de tempo, é nosso domínio. Como o deus que lhe deu nome, ele devora tudo,
inclusive seus filhos. Temos nele sempre a sensação de perda e projetamos nossas
ilusões de controle, corremos em busca dos desejos. É cheio de nomes: segundos,
minutos, horas, dias meses, anos... Com ele nos medimos e de tal sorte nisso
estamos focados que só nos esquecemos dele quando fazemos algo realmente
significativo. Então, quando voltamos ao tempo, nos damos conta de que ele
escorreu e não percebemos, mas sem sofrimento, apenas admiração.
O
cronos vende cosmético, movimenta uma roda de dinheiro, faz promessas de
retardar o inexorável e, alguns ousados, juram parar o tempo. Mas ele é um
indiferente a nós. O grande drible contra o tempo tirano é dar-lhe pouca
importância. Focar no ato, na ação do presente, que é quando validamos nossa
existência e a ela damos uma dimensão transcendente. É a única forma de nos
manter inteiros, doutro modo, como é comum, estaremos divididos entre a versão
de ontem e a de amanhã de nós. “Time is on my side”?
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