sexta-feira, 10 de junho de 2016

A máquina calculadora de morte

O pesquisador, ao explicar sua máquina de previsão de morte, disse uma frase que, involuntariamente, tinha um que de poética, filosófica e quântica. Quântica?!?!?! De uns tempos para cá, essa palavra está na moda. Pulou o cercadinho da física e do linguajar dos especialistas para, se duvidarem, aparecer até em receita de bolo.
A frase com características quânticas é esta: “A cada ano que passa, várias versões simuladas de você morrem.” Existir várias versões de uma mesma pessoa, admitir essa possibilidade no sentido físico, pois não poderia acontecer as várias mortes apenas no sentido figurado, só adotando o tal entrelaçamento (ou emaranhado) quântico para entender. Em miúdos: duas coisas estão tão intimamente relacionadas entre si que alterações na condição de uma se reflete na outra, embora estejam separadas fisicamente. Entendeu? Sigamos.
Imagine um programa que com três informações – sexo, idade e etnia – diz com precisão estatística o como e o quando se dará a morte do consulente. Era assim que se chamavam aqueles que buscavam, às vezes escondidos, os préstimos dos bruxos e bruxas que, pelas artes mais diversas, adivinhavam as coisas e poderia até ser a morte (por que não?), ainda que, espertos que são, eles não entrariam neste terreno pantanoso sob pena de perder a freguesia.
Retomando. Justiça seja feita. O programa – HowYou Will Die não se pretende místico e trata do assunto com a assepsia emocional que a ciência gosta de se vender. Num quadro com centenas de pontos, que mudam de cor vertiginosamente à medida que os anos avançam, é como um filme de terror em que você assiste sua morte um monte de vezes.  Cada cor significa uma forma de morte. Há 113 formas na lista de causas distribuídas em vinte categorias. É hipnótico quando as bolinhas vão ganhando um colorido e enchendo todo o quadro. Quanto mais velho, mais colorido, afinal todas as mortes mais conhecidas vão sendo igualmente possíveis, especialmente todo tipo de doença do manual nosológico.
Uma curiosidade. Depois dos 80 anos cai muito a probabilidade de morte por “external causes”. Nessa categoria estão as mortes não causadas por doenças. Ocorre-me que esta seria uma ótima oportunidade para nessa idade começar a fazer esportes radicais e todo tipo de maluquice perigosa.
Gostei da ideia de uma versão ou versões de mim mesmo. Especialmente se elas morrem em meu lugar, eu que tenho ligeira antipatia pelo personagem morte. Há um filme com Bruce Willys, Substitutos, que mostra uma sociedade futura em que robôs idênticos às pessoas fazem toda a parte chata da vida. Mas, mesmo neste filme, não é possível passar uma procuração para que eles morram em nosso lugar. No caso presente, cada ponto no quadro da máquina calculadora de morte é uma versão de nossa vida. São 783 no total. Eu me contentaria com 500. Talvez menos, seria prudente tirar aquelas que se colorem primeiro no quadro.
Mensagem no whats num futuro não muito distante. Nossos cálculos indicam que neste ano o senhor terá um câncer. Qual de suas versões o senhor indica que adoeça? Imagine, você carrasco de si mesmo. Bem, de uma versão. Mas se, hipotetizemos, você fosse uma daquelas pessoas bem resolvidas que gostasse de todas as suas versões? Vejam que drama! Dá pra trocar pelo diabetes do ano que vem? você diria. A gente antecipa até, quem sabe, eu caia de ódio por um dos meus eus. Sabe como é relação íntima, né? Posso trocar o derrame pelo câncer de pele bobinho, quase uma impingem? Achei uma pessoa que está disposta a detonar uma versão sua, que ele odeia, com quatro doenças cabeludas?
Não duvido. Em pouco tempo haveria um mercado negro de troca de doença. Propina para o cara da máquina. Disfarces naquelas versões mais chegadas e que você quisesse proteger. Haveria gente vendendo versão para serem mortas, como quem vende um rim hoje. No Brasil, seria uma anarquia.
PS 1. No meu caso, tenho 11% de chance geral de morrer e 89% de continuar vivo. Devo admitir, não me impressionei com a chance de morrer.

PS 2. Quadro de Paul Klee - Angelus Novus (1920)

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