Uma pesquisa
dos centros de controle e prevenção de doenças dos Estados Unidos descobriu que
o coração de quase 70% dos adultos é mais velho do que a idade cronológica da
pessoa.
Fonte: Jornal Nacional (02/09/2015)
Os sites na internete estão cheios de
“testes” que dirão com “precisão” se um é preconceituoso, racista, se sabe
lidar com o sexo oposto – expressão já com cara rançosa, talvez pela quantidade
de definições de sexualidades modernas –, se é estressado, ou até se se é portador
de transtorno explosivo intermitente. Assinale umas perguntas e no final, com
precisão matemática, uma pontuação dirá o grau de sua moléstia.
Tenho cismas com estas avaliações, então
quase nunca respondo. Mas eis que, por um cutucão do Jornal Nacional, fico
sabendo que uma pesquisa americana constatou: 70% dos americanos adultos tem o
coração mais velho do que sua própria idade. Confesso. Roeu o bichinho da
curiosidade. Será?
Um tanto cético, preenchi os dados e...
descobri estupefato que meu coração é um ano mais velho do que eu mesmo. À parte das razões biológicas e de hábitos de
vida que recheiam os dados da pesquisa, explicando tintim por tintim porque
esses corações provectos em corpinhos de trinta, batem descompassados e
caquéticos duvidei que o meu, dentro do meu corpo, tivesse espichado numa
carreira desabalada em direção ao fim e me deixado para trás, como se eu fosse
a tartaruga e ele a lebre.
Seria absurdo perguntar? Seria, claro.
Ocorreu-me que se ele morresse antes, eu continuaria, indiferente a ele. De fato,
com certa mágoa por ter sido largado sozinho depois de incríveis aventuras que
vivemos juntos. Já dirão que quem sente mágoa é o coração e ele não estando lá,
ou até presente, mas mumificado, como eu sentiria? Quem disse que é ele quem
sente mágoa? Isso é coisa da nossa cabeça, isto sim, ele só reage feito uma
besta, mas nem sabe por que o faz. É claro que compreendo que sem ele eu
morreria. Ele me roubaria um ano que, convenhamos, qualquer um quereria a mais.
Isso só aumentaria meu amarume com ele.
E como diz a vizinha gorda e patusca do
Nelson Rodrigues: há mistérios misteriosos. Sim, porque não me encaixo nos
famosos grupos de risco: obesos – bem, o IMC disse que estou numa condição
curiosa: “marginalmente” acima do peso. Não sou fumante. Uma vidinha
sedentária, mas nada ruinoso para as articulações e condições aeróbicas. Amante
da mesa, mas com parcimônia. Ora, não me encaixo nos parâmetros e porque arte
esse coração foi envelhecer um ano antes de mim?
Teria amado demasiado? Sofrido coisas
que não percebi e ele, quem sabe por pudor, manteve-se em silêncio, sofrendo
calado. E as desfeitas recebidas? Nisso acho que estamos empatados. Escapa-me a
hipótese. O teste não se importa com estas coisas. É indiferente. Escora-se em
numa amostra gigantesca de gente que, coitada, carrega velhinhos corações sem
saber. Sim, não há cãs à vista ou qualquer coisa que, a olho nu, se saiba que o
coração caducou. Essa é, talvez, a maior traição de todas. Ele se desminlinguindo,
válvulas e câmaras em pandarecos, e o sujeito do lado de fora fazendo todo tipo
de coisa achando que pode contar que ele vai segurar a onda. Não vai. Mas aí será
tarde.
Haverá
algum tipo de vitamina, cirurgia rejuvenescedora que reequilibre este
desmantelo? Nisso a reportagem não fala. Disse vagamente que um estilo de vida
saudável pode ajudar, mas não garantiu que os anos que o atoleimado coração
ganhou a mais vão reverter. Então só servirá o sacrifício para diminuir a
velocidade de que chegue aos noventa e tantos anos e você estacionado lá pelos
cinquenta achando, morto de enganado, que pode exagerar nas emoções. Coração é
bicho enganoso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário