O velho tema,
verdadeira obsessão de Woody Allen está lá, mas com humor renovado. Allen
voltou à forma. Diálogos rápidos, incisivos, irônicos. Deus continua sendo o
tema preferido do autor de “Noivo Neurótico, Noiva nervosa” (1977) e,
secundariamente, o sentido da vida. Esse é o grande quebra-cabeça: dar sentido
ao mundo sem Deus, se há um propósito maior à existência humana, embora Allen
não passe nem perto de querer fazer prosélitos.
Colin Firth
faz o personagem Stanley Crawford, um mágico famoso disfarçado num personagem
chinês. É um cético rematado e não exatamente conhecido pelos bons modos. De
fato, sua enorme desilusão com o mundo e as pessoas, o tornam um tanto insuportável
na convivência. A certa altura, o personagem diz que é um misantropo e, por
isso mesmo, não tem raiva das pessoas, elas são o que são, não há o que esperar
delas.
Além da
mágica, Stanley caça charlatões. Nos anos vinte, período em que o filme é
ambientado, os ricos, entre uma festa e outra, adoravam jantares onde recebiam
picaretas com supostos poderes. Quase todos estes não passavam de embusteiros,
viviam de golpes com o uso da ilusão, mágica, prestidigitação como se fosse um
tipo de poder extra-sensorial e enrolavam muitos destes crédulos entediados.
Stanley é
convidado por um amigo a desmascarar uma jovem encantadora, Sophie Baker (Emma
Stone, a mais nova queridinha de Allen), que estaria causando assombro junto a
uma família riquíssima, mas que alguns parentes desconfiam de ser uma trapaceira
interessada em arrancar um casamento com o herdeiro e muito dinheiro.
Convencido
pelo amigo, Stanley aceita a missão com a arrogância de quem expôs outros
malandros e com sua arma predileta: o ceticismo e a crença, se se pode dizer
assim, na ciência, em sua percepção de que o mundo não tem mistério algum e que
absolutamente tudo tem uma explicação.
As
reviravoltas do filme são muito bem estruturadas e no timing perfeito. Os
diálogos ajudam a sair da aridez da quase ausência da palavra nos filmes
blockbusters. A imagem é quase tudo, mas sem a palavra ela se torna
intraduzível. As nuances da história não se contam.
O
filme trabalha a defesa intransigente da verdade científica, sem ilusões ou
concessões até que o personagem de Colin se depara com o imponderável, com o
mistério, com o sentimento de amor, e isto é o que torna o mundo suportável, “vivível”,
sem o qual seria um enorme tédio e uma repetição infindável de fatos desconexos,
sem propósito ou qualquer forma de valor. Lembra-me a célebre frase de “Os
Irmãos Kamarazov”: “se Deus não existe, tudo é permitido”. Mas ainda não é
desta vez que Woody Allen cedeu à fé.
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