A jabuti fêmea “Vovó”, que
fazia tratamento medicinal baseado no método da acupuntura, para
combater uma paralisa nas patas morreu há cerca de dois meses,
segundo a direção do Parque Zoobotânico Municipal de Macapá. De
acordo com o setor de medicina veterinária do local, a causa da
morte foi natural. O quelônio foi deixado por ribeirinhos no parque
há 8 anos.
Fonte: G1 (31/07/105)
Havia certa consternação no ar,
percebida tão logo se entrava no ambiente. Não se ouvia um pio.
Vovó morrera. Oito anos se passaram desde sua chegada. Havia versões
contraditórias sobre como chegara ali, pois supostamente, já
naquela época, tinha problemas de locomoção. Como chegara então
sem cadeira de rodas, andador, carregada por estranhos, canoa? Quase
todas as histórias contemplavam uma destas formas de deslocamento.
Vai se saber. Canoa??? Sim, canoa, houve quem dissesse que
ribeirinhos teriam trazido Vovó no fundo da piroga, deitada como uma
Iara capturada à força.
Estava doente. Pudera, mesmo sem
saber a própria idade, as rugas não negavam. No mínimo, uns cem
anos Vovó tinha. É de família que vive muito, mesmo com os
maltratos que a vida no interior impõe. Dizem que até escapou de um
ataque de uma onça faminta. Não duvido. Nem digo que teria sido
pela coragem ou destreza em lutar com o felino, ela não era nenhuma
Ronda da vida. Deve ter sido por pura sorte. Sei de caso de onças
muito velhas como Vovó que perderam muitos dentes e passaram fome,
coitadas, embora as garras ainda fossem capazes de causar um estrago.
Vovó mesma não tinha um dente sequer na boca. Mas ela não era
felino, pois, pois.
Uma das pernas de vovó estava
bamba. Não se sustentava e quando o fazia dava-lhe um andar em
círculo, porque sequer conseguia arrastar a perna inválida. Uma
cicatriz, suponho, mostrava o embate com a tal onça. Ela mesma
contava uma história diferente a cada um que perguntava. Esse
segredinho levou para o túmulo. A boca desdentada não ajudava
também na dicção. Era mulher também de poucas palavras.
Por ali chegou um profissional da
acupuntura que prometeu tratá-la. Velhice não se cura, pois não?,
mas da perna escambichada ele trataria que também lhe dava uma dor
nos lombos, embora fosse encrustado e duro, curtido de sol. A perna
hirta até deu algum sinal de vida, chegou a mexer, mas sem força, o
que animou a todos, mas, dizia o profissional: é tratamento longo.
Pra mais de dez anos. Nenhum problema para Vovó, pois se chegara
àquela idade provecta em duras condições, agora mesmo é que
aguentaria recebendo quindim do povo.
O segredo de sua vida tão longeva,
coisa que as Giseles Bundchen da vida dariam seus milhões para
descobrir, claro que sem as rugas de pesçoco de galinha que Vovó
tinha, era sua atitude estóica diante das vicissitudes da vida.
Comia pouco, umas folhinhas de nada. Nunca se apressava como nós que
nos abufelamos por qualquer titica. Veja-se a história da onça. Um
de nós em tal situação, era trauma para milênio de tratamento.
Não haveria psicólogo que chegasse. Mas Vovó, como dizia
antigamente o lema indulgente e malandro das propagandas petistas,
era uma brasileira, não desistia nunca.
O fato é que o tratamento que,
inicialmente, animou a equipe tratadora, pedia uma década de
continuidade. Vovó, por outro lado, se se deixava espetar sem
reclamar, com a boa vida no lugar ganhou peso e de repente nem a
outra perna se mexia. Eram dois molambos sem serventia. Carregá-la,
embora baixinha, é desse tipo atarracada, ossos pesados, dava uma
trabalheira. Coisa que, diga-se, o pessoal fazia de boa vontade,
embora esmorecido depois. Era o único momento em que se notava algum
arremedo de riso em sua boca banguela. A velhinha nunca imaginara que
terminaria seus dias em tal lugar.
Certa manhã, logo ao passar por
todos os demais moradores do lugar, seu mais fiel acompanhante, uma
quase familiar, deu com Vovó mortinha. Querida como era, inclusive
por gente que nem privava de sua amizade, causou com sua morte muita
tristeza. Seu jeito encabulado e meio selvagem, suas atitudes e sua
história inusitada, despertava atenção. Ou tinha lá Vovó um
talento nato para se destacar dos demais. Algum dom que lhe renderia
fortuna como garota propaganda. Até mais, creio eu, do que a
velhinha da propaganda do Duster que berra: folgado! Tu é folgado!
Em vida, foi corajosa e destemida.
Era capaz de subir em árvore sem mão humana nem enchente. Seus
familiares se perderam ao longo do século de sua existência – era
o que imaginávamos todos. Vovó era o apelido carinhoso de um
quelônio fêmea que foi parar no zoo de Macapá e que virou notícia.
Mais pelo apelido diferente, imagino. E tu aí, né Denise, você
defensora dos fracos e oprimidos, achando que eu era um neto
desnaturado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário