Este filme passou
longe das salas de cinema que só exibem blockbusters. A moda agora nos cinemas,
inclusive, é banir filme legendado. Os cinemas de dois shoppings de São Luís só
passam agora filmes dublados. Estão em regiões de classe média baixa – nem sei
se existe. O povo não gosta. Não consegue ler e assistir ao filme ao mesmo tempo.
O mercado alimenta a mediocridade e se alimenta dela.
Enfim, vamos
ao que interessa. The World Made Straight (2015), sem tradução em português, é
um daqueles filmes que se fica pensando tempos depois. Parece que, como diz o
personagem Leonard, mas falava ele a respeito do tempo, é feito em camadas.
Começa com a
execução sumária de um grupo de pessoas por soldados confederados. Cem anos
depois, como o mundo daquela gente é feito em linha reta, a execução ainda
produz seus efeitos. O jovem Travis Shelton é descendente daqueles que foram
executados. O professor Leonard descende dos executores. Aparentemente uma
briga de família. Os Shelton eram menos confederados, o que significava ser ianque,
do que desejavam seus vizinhos.
A fotografia
do filme é muito bonita, mas melancólica. Ela serpenteia o rio que passa
espremido pelas montanhas Apalache. Não há cidade. As casas estão distantes umas
das outras, o que reforça um ar de hostilidade e solidão. É frio o tempo
inteiro. Sombrio. A vida está paralisada. Ela não corre como o rio.
O jovem Travis
não tem futuro, largou a escola. Busca um lugar, enquanto convive perigosamente
com a marginalidade. Tem uma relação conturbada com o pai que, há muito, deixou
de ser referência de qualquer coisa. O pai não facilita. Eles vivem a um triz
da agressão física.
O professor é
um homem desiludido, em busca de redenção, se ela aparecer. Vive num treiler
com a drogada Dena. Enquanto isso, trafica pra um sujeito que canta gospel na
igreja. Ele está ali porque perdeu seu lugar na comunidade por que um aluno,
com quem teve um problema, acusou-o falsamente de ser traficante na escola. Em
seu carro, foram encontradas as drogas. Ele foi preso. A mulher o abandonou e levou
a filha do casal.
O destino
envolve o professor e Travis. A amizade entre os dois dá ao professor um filho
e ao jovem, um pai. O professor tem muito documento da guerra. O jovem se
encanta e se torna meio obsessivo com o massacre de seus parentes. O professor
se identifica com seu tataravô, médico, que discordava da execução, mas nada
fez e nunca se perdoou. Travis se identifica com o jovem David Shelton que, à
época do assassinato, tinha apenas 12 anos.
O filme ganha
volume e mais dinâmica e, entre algumas reviravoltas em que verdades velhas vêm
à tona, as rixas e tensões também aparecem em dois planos: o passado e o
presente. O traficante, a drogada Dena, o professor e Travis formam a trama de
uma história antiga que mantém sua força, porque as pessoas não se permitem
esquecer, pois seria como perder suas identidades.
O professor,
por causa da história de seus familiares, recusa-se a ser violento, ainda que
seja exímio atirador e traficante por um tempo. As armas, porém, diz ele, são
mais para intimidar e impor respeito aos usuários e ao traficante de quem
compra a droga.
Em certo momento,
o professor diz a Travis: Deus me pegou muito cedo. Ele sondava se o jovem
percebia o mundo espiritual ainda vivo, no lugar onde ocorreu o massacre.
Travis não faz ideia. Ele ainda está embrutecido das dores passadas, contadas
repetidamente a fortalecer a versão que sustenta o ódio e a desconfiança entre
as pessoas no presente.
Leonard
estimula Travis a retomar os estudos. O jovem havia achado um rumo sem volta. O
professor, diferente de seu ancestral que morre entre dores físicas por causa
de um tiro na barriga, recusando-se a tomar qualquer remédio que aliviasse como
forma de autopunição pela sua participação no massacre, tem sua chance de
redenção.
Sua defesa intransigente
pela paz. Sua recusa de nunca atirar em alguém o leva a escolhas crísticas. Sem
intenção, ele faz o a papel de salvador para Dena e Travis. Sem perceber, sua
caminhada o fazia ser o profeta Ozéas, a quem foi pedido que se casasse com uma
mulher de prostituições numa das passagens mais bizarras da Bíblia. Ela o traía,
voltava e ele a recebia. Curava suas feridas, abrigava e outra vez a amava, como
se seu amor por alguém perdido saneasse sua alma negra dos pecados seus e dos
antepassados. O mundo não segue em linha reta. Tem andar de Bêbado.
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