Muito romantismo pesa: a prefeitura de Paris irá retirar na próxima
segunda-feira centenas de milhares de "cadeados do amor" presos à
famosa Pont des Arts.
Fonte: Da France Press (G1) (29/05/2015)
A cigana que ele
resolveu consultar ensinou: não precisa achar a chave que você jogou no rio,
mas encontre o cadeado que colocou na ponte e esfregue entre as mãos até arder.
Marion vai voltar. Pierre, meio desconfiado, indagou: só isso? A cigana, ainda
em transe, disse em voz gutural: siiimmm.
Ele lembrava exatamente
o local onde colocara o cadeado no gradeado da ponte naquele dia feliz em que
Marion aceitou dividir a vida com ele. Ah, Marion! Que linda, que diaba de
mulher que agora o deixou desacorçoado e tudo por causa daquele brasileiro
cheio de malandragem e sabe lá o quê mais.
Noutro lugar da cidade.
Prefeito, a ponte está entortando. Está selada, disse outro auxiliar, que
mostrou uma foto em que se via a ponte nitidamente empenada. É o peso dos
cadeados. Alguém estimou que deve ter um milhão deles e pesar umas 45
toneladas. Se não mandar tirar, a ponte vai cair. A proibição não adiantou. Os
apaixonados driblam os fiscais, corrompem, fazem de tudo para colocar os
cadeados.
O prefeito balançou a
cabeça, desanimado com o problema. Amor pesa, disse como se falasse consigo
mesmo. Outro assistente ainda tentou ponderar que botar cadeado na ponte era
uma das grandes atrações de Paris. Que vinha gente de tudo quanto era lugar do
mundo só para amarrar seu amor naquela ponte. Pois que ponham cadeado nas pontes
de suas cidades. Vão derrubar nosso patrimônio histórico e matar um monte de
gente. O coitado se calou.
Tem mais. A Sociedade
Protetora dos Animais anda nos rondando por causa do aumento de peixes mortos
engasgados com as chaves que os enamorados jogam no rio. Tem até o caso de
alguém que pescou uma piaba, foi comer frita e também se engasgou com um molho de
chaves. Tudo isso dentro de uma piaba! Mas esse foi fácil, tomou laxante e se
resolveu. Não sei como foi que a chave saiu! Pergunta besta!
Chamem nosso chefe de
jornalismo. Ponham agora a determinação de que vamos arrancar todos os
cadeados. Não interessa se vai desempregar gente e fechar lojas da região que
só vendem cadeado. Agora vai ser cadeado virtual. A ponte vai ter telas de alta
definição no lugar das grades, o casal paga módica quantia, escolhe o cadeado
do amor entre zilhões de modelos e a imagem vai ficar ali por um tempo, tudo
integrado com celular, tablete, redes sociais, satélite, gps, o escambau.
Pierre tomava café,
comia sua baguete e se preparava para esfregar as mãos no cadeado que ele e sua
amada colocaram em doces momentos pregressos. Ao ler o jornal, viu a notícia
nefasta. Prefeito ordena a retirada dos cadeados do amor e quer fundi-los para
fazer tampas de bueiros e postes. Aquilo foi uma facada. Engasgou. Largou o
café por tomar e saiu em desabalada carreira em direção à Pont des Arts.
Ao chegar, os cadeados
no lado que colocou estavam em cima da caçamba de um caminhão. Gritou,
esperneou, chorou desesperado. Que queria seu cadeado. Que os desalmados o
fariam perder a Marion pra sempre. Logo apareceram turistas, transeuntes, mal
humorados moradores da cidade que, num ato de solidariedade surpreendente,
pularam na caçamba a fim de achar o cadeado e salvar uma história de amor. Pierre,
meio enlouquecido, havia se algemado à grade da ponte.
O caos havia se instalado. Ninguém
se entendia. Chamaram a polícia, que resolveu jogar duro. Deram choques com
tasers, tacaram spray de pimenta e bombas de efeito moral – o que o barulho tem
que ver com a moralidade dos protestantes? –, gás lacrimogêneo e não houve no
mundo o que fizesse Pierre largar a ponte. Por fim, deram um cadeado que ele
alucinou que era o dele. Esfregou, esfregou e entre um sorriso com olhos
injetados e esbugalhados: agora é só esperar Marion voltar e deu uma gargalhada
sinistra.
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