No começo eram
lapsos leves. Até risíveis. A troca de uma palavra por outra. Depois, a
sensação de estar perdido num lugar conhecido como um pequeno apagão. Assustador.
A frequência e a intensidade foram corroendo no cérebro uma história de vida. Eventos,
compromissos, a letra de uma canção, a receita de bolo, vão se esboroando como
neve à luz de um sol intenso. O referencial temporal e espacial vão e vem como
uma luz que apaga e acende sozinha.
A sensação de
embaraço é desconcertante. É como tentar conter o ar com as mãos. Perda do
controle de seu entorno e o medo enorme de que se desvaneça em nada quem você é.
O cérebro como que se recusa a ser ele mesmo, pois ela o desconhece e ele falha
em reconhecê-la. Olhar para o espelho começa a ser um desafio, sim, porque as
demais pessoas já são trocadas ou simplesmente esquecidas e devem ser
apresentados outra e outra vez. Não que isso adiante alguma coisa.
O trabalho se
foi. Iria de qualquer jeito, fosse intelectual ou manual. Alice corre desesperada
contra o esfarelamento das memórias. Repete palavras como se treinasse um
músculo que se desminlinguiu pela falta de uso. As palavras que eram a matéria
prima de sua profissão de linguista estão escasseando em sua mente, se tornando
desconhecidas. Ela que tinha uma palavra para cada coisa, agora usa “coisa”
como substituto dos nomes dos objetos, dos sentidos, das sensações, das ideias.
Usa “negócio” para falar de uma caneta marca texto, pois havia esquecido o que
era. O ambiente, por mais familiar, cada dia se torna um desafio exaustivo.
Onde fica o banheiro da casa mesmo?
Ela luta
bravamente contra o apagão, mas nada resiste à ferrugem que consome seus
neurônios e tudo que sabia e conheceu. Aos poucos, Alice é transformada em algo
semelhante a um vegetal, há um corpo, mas não há mais nada que identifique a
pessoa Alice, posto que cada um é aquilo que existencializa em pensamentos,
fala, sentimentos, relações.
O filme Still Alice (Para
Sempre Alice) e comovente e honesto. Julliane Moore mereceu o Oscar.
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