domingo, 24 de maio de 2015

Still Alice



No começo eram lapsos leves. Até risíveis. A troca de uma palavra por outra. Depois, a sensação de estar perdido num lugar conhecido como um pequeno apagão. Assustador. A frequência e a intensidade foram corroendo no cérebro uma história de vida. Eventos, compromissos, a letra de uma canção, a receita de bolo, vão se esboroando como neve à luz de um sol intenso. O referencial temporal e espacial vão e vem como uma luz que apaga e acende sozinha.
A sensação de embaraço é desconcertante. É como tentar conter o ar com as mãos. Perda do controle de seu entorno e o medo enorme de que se desvaneça em nada quem você é. O cérebro como que se recusa a ser ele mesmo, pois ela o desconhece e ele falha em reconhecê-la. Olhar para o espelho começa a ser um desafio, sim, porque as demais pessoas já são trocadas ou simplesmente esquecidas e devem ser apresentados outra e outra vez. Não que isso adiante alguma coisa.
O trabalho se foi. Iria de qualquer jeito, fosse intelectual ou manual. Alice corre desesperada contra o esfarelamento das memórias. Repete palavras como se treinasse um músculo que se desminlinguiu pela falta de uso. As palavras que eram a matéria prima de sua profissão de linguista estão escasseando em sua mente, se tornando desconhecidas. Ela que tinha uma palavra para cada coisa, agora usa “coisa” como substituto dos nomes dos objetos, dos sentidos, das sensações, das ideias. Usa “negócio” para falar de uma caneta marca texto, pois havia esquecido o que era. O ambiente, por mais familiar, cada dia se torna um desafio exaustivo. Onde fica o banheiro da casa mesmo?
Ela luta bravamente contra o apagão, mas nada resiste à ferrugem que consome seus neurônios e tudo que sabia e conheceu. Aos poucos, Alice é transformada em algo semelhante a um vegetal, há um corpo, mas não há mais nada que identifique a pessoa Alice, posto que cada um é aquilo que existencializa em pensamentos, fala, sentimentos, relações.
 O filme Still Alice (Para Sempre Alice) e comovente e honesto. Julliane Moore mereceu o Oscar.

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