“Relatos
Selvagens” é um filme com uma proposta inusitada. São várias pequenas histórias
que exploram mundos emocionais e psicológicos diferentes. Todas são
independentes e tem em comum questionar que nossa decantada organização social
e pessoal são tão sólidas quanto uma bolha de sabão.
Impossível
ficar inerte e não se deixar tocar por situações “comuns” que, no dia a dia,
nos tiram da zona de conforto, nos sacodem e colocam em cheque nossas certezas.
Desafiam o precário equilíbrio de nossa domesticação social. Põe-nos frente a
frente com o imponderável. O diretor e autor do roteiro, Damián Szifrón, afirma
que suas histórias ultrapassam a linha da sociedade organizada para a barbárie.
As primeiras
cenas reúnem um grupo de pessoas dentro de um avião. Todas tem algo em comum:
Gabriel Pasternak. Ali estão todos a quem Pasternak – que não aparece na cena –
acredita serem culpadas de todas os seus insucessos e de uma vida miserável.
Em cada
história aflora com força nosso lado animal. O sem limite. A insanidade, a
esperteza, o orgulho, a ganância, o senso torto de justiça, o assassínio que em
nós habita à espera para acontecer.
O humor é
sutil e em alguns momentos causa asco. Como é que dois homens a partir de um
pequeno desentendimento na estrada lutarão com ódio brutal até se matarem da
maneira mais tosca? Esta história foi a mais impactante para mim. “Bombinha”,
estrelada por Ricardo Darín, cujo personagem se esfalfa e luta impotente contra
pequenos dissabores que se juntam com uma cola gosmenta e fétida e, aos poucos,
lhe minam a paciência e qualquer urbanidade.
“A proposta”,
“Até que a morte os separe” e a garçonete que é humilhada por um sujeito
arrogante de quem tem ódio e é constantemente insuflada pela cozinheira a
matá-lo. Ela oscila, mas opta sempre por suportar até que...
Relatos
Selvagens exagera com seus animais na tela. Artifício cinematográfico. O que
perturba é que parece tão natural que alguém passe de um estado de tranquilo
cidadão, para um bruto sem juízo e sem qualquer valor a considerar. Mais
absurdo é concluir que muitos de nós já estivemos, muitas vezes, à beira de ter
reproduzido o que os personagens expressam de forma descomedida.
Os argentinos continuam
fazendo filme com “f” maiúsculo. Por aqui vamos enchendo as salas com comédias
pastelão. Se um tenta fazer um drama, lá descamba para a chatice. Com raras
exceções.
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