Há uma foto
que zanza pelo whatsapp em que um grupo de pessoas espera um trem. Todos estão
com os olhos fincados em seus respectivos celulares. A foto, para os padrões
vertiginosos de nossa época, é velha, mas não deve ter mais que dois anos, se
muito.
A foto não
causa mais qualquer estranheza, somos nós mesmos, diariamente e em todos os
lugares, quem a protagonizamos. Estamos afogados por serviços que nos ofertam e
que, dizem, precisamos; apps indispensáveis, novidades, amigos que pedem
inclusão em nossa rede e pouco se nos dá a respeito deles, compras; a vida
mesma corre agora paralela ao mundo virtual, encolhida.
O filme não
discute, portanto, nenhuma novidade, mas dá vida a um personagem que pode ser
qualquer um. Theodore (Joaquin Phoenix) é um sujeito simples, frugal,
solitário. Ganha a vida numa empresa que vende cartas virtuais. Ele está
acostumado a viver sentimentos e dores alheias, mas, para si mesmo, segue
anestesiado, apenas sentindo a solidão. Separou-se da esposa há um ano, mas
nunca teve coragem de assinar os papeis porque alega que gosta de estar casado,
e desculpa-se que é preciso pensar um pouco, mas, naturalmente, ele não o faz.
Nem mesmo ama a ex. A amarra legal serve, longinquamente, para lhe dar a
sensação de proximidade e de vínculo com alguém.
Por acaso, ele
descobre um novo e estonteante serviço. Uma assistente pessoal, como a Siri da
Apple, mas mais sofisticado. Esta inteligência artificial aprende continuamente
e, aos poucos, ganha mais parecença com um ser humano a ponto de, a certa altura,
não se saber se a voz de Samantha não esconde alguém de verdade.
Ainda não me
acostumei com pessoas rindo para o vazio. Gesticulando para o vento. Perdidas
em suas vozes e imagens. O filme passa ao largo desta interessante vertente.
Pessoas absorvidas no seu mundo virtual-matrix. Indiferentes umas às outras. O
real nada vale. O contato é só percepção. A vivência é impura e catastrófica. Que
importa se seremos devorados por Caríbdis ou hipnotizados pelo canto das
sereias?
Samantha é
eficientíssima. Como uma secretária humana. Ela vê os e-mails, é capaz de respondê-los
se sabe o que pensa o destinatário que o recebeu pelas conversas que teve com
ele. E várias outras coisinhas que o filme não se detém, mas pode-se imaginar:
tempo, diversão, compras, programas, viagens, mapas, coisas que hoje o leviatã
Google trata de unificar cada vez mais para ofertar dia desses com uma Samantha
pra cada um.
Quando
Theodore se espanta, está tendo conversas sobre a ansiada humanidade que
Samantha desejaria ter. Perguntas cavilosas que ela se faz sobre sua virtualidade,
mas ao mesmo tempo sentimentos que jura ter. Samantha chega a cortejar Theodore
que, por fim, cede a este estranho romance. Nasce uma relação com sexo.
Samantha tem um êxtase. A tela fica escura e a sugestão é toda da plateia. Em
cada espectador haverá um cena. “Sexo verbal não faz meu estilo / Palavras são
erros e os erros são seus / Não quero lembrar que eu erro também. Lembram do
Renato Russo?
Samantha
servirá de desculpa para, num encontro com uma mulher real, Theodore fugir de uma
relação a dois, real. Ele gosta da menina, mas gente é mais complicado.
Samantha até ensaia um ciúme, mas está longe de um olhar perscrutador,
inquiridor de uma mulher desconfiada. Samantha é um amor perfeito. Muitas cenas
são gastas nos passeios dele com sua namorada. Ele parece satisfeito e feliz.
Mas tudo se desgasta. A relação entra em crise. Ela liga, ele não atende.
Depois ele a busca e ela se esquiva. Estava com um amigo novo, um sistema
operacional mais interessante que Theodore.
A robô se
expande em conhecimento e, de repente, Theodore descobre que Samantha que lhe
jura amor, também o faz para dezenas de outros. Na verdade, a mente cibernética
por trás do programa, ama cada pedaço de humanidade que encontra em cada homem.
Mas Theodore não está disposto a dividi-la, miseravelmente humano que é.
O fim do namoro é uma volta
ao básico. Humanos são complicados, difíceis, instáveis, detestáveis,
traidores, iracundos, mal humorados, alegres, surpreendentes, belos, sensíveis.
Theodore volta para a mulher conhecida, de um namoro de faculdade. Previsível?
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