O Procon
Estadual do Rio de Janeiro, por meio da Defesa do Consumidor (Seprocon),
suspendeu a venda dos ovos de páscoa Bis Xtra + Chocolate, da Lacta, nesta
quarta-feira (2). A venda foi interrompida, de acordo com o órgão, por
considerar que o produto incentiva o bullying.
Fonte: GI
Rio (02/04/2014)
Depois do ovo
da Clarice Lispector – por favor, a maravilhosa Clarice nunca pôs um ovo – não
se viu ovo assim sem galinha, sem pena nem brancura. Ela escreveu um texto que
não me arvoro a dizer em que categoria, dado o inusitado do tema, sobre um ovo
com o qual ela inesperadamente se depara certa manhã. O que ocorreu, de fato,
foi um alumbramento inspirativo e aí, saiam de baixo, nasceu um dos textos mais
esquisitos e curiosos da literatura brasileira. Ela modificou aquela frase
estúpida das cartilhas de abecê: Ivo viu a uva. Para: eu vi o ovo.
Mas dizia que
depois do ovo quântico e cosmogônico da Clarice, o ovo mais perturbador de que
se tem notícia – foi elevado a esta categoria por causa das suscetibilidades de
mentezinhas do Procon do Rio de Janeiro – foi o ovo de Páscoa de uma empresa de
chocolates. Vamos que o departamento de marketing e quem aprovou a estratégia
para vender o tal ovo demonstrou um sem-noção abissal. Está certo que quem
vende ovo está se lixando para a Páscoa propriamente dita e seus significados,
querem é vender os indefectíveis ovos que brotam nas gôndolas de supermercado
como cogumelos depois da chuva.
Acho que
queriam balançar as campanhas óbvias e mornas. A chatice que é andar por baixo
daqueles corredores poloneses de ovos pendurados. Queriam dizer que seu ovo é
melhor que os outros, que é descolado, que é ultra-qualquer-coisa, que é mais
elipsóide que os demais, por aí. Então, a tal empresa resolveu colocar dentro
dos ovos ocos adesivos, como se fosse um ovo de carnaval ou do dia das bruxas.
Na capa do ovo se dizia: “Sacaneie seus amigos”. E dentro do ovo boçal haviam
adesivos com singelos dizeres: “morto de fome”, “nerd”, “nervosinho” e sei lá
mais o quê. Vão ganhar o prêmio de criatividade jumenta do ano. Criei o prêmio
agora.
Percebam a
delicadeza. Em tempo de, pelo menos culturalmente, contrição, resguardo,
introspecção, os caras sugerem que você dê uma sacudida neste marasmo e nestas
baboseiras e... sacaneie seu amigo. Convenhamos que, em momentos apropriados, é
divertido. Este, naturalmente não é “o ovo certo” de que falou a Clarice. É o
ovo torto, endiabrado, perpetrador da desunião, diferente anos-luz do ovo
Clariceano que lhe medita e idealiza.
Mas ovo sacana
à parte, o fato real é que você e eu vivemos à mercê dos malucos do
politicamente correto que viram no ovo um atentado aos mais comezinhos valores
cristãos. À tradição secular e milenar da celebração do renascimento de Cristo
que o ovo, como símbolo da fertilidade, sugere. Dona Cidinha, Secretaria dos
Direitos do Consumidor fluminense viu o ovo também, mas nele um pavio e a bomba
do bullying. Em defesa daqueles que, incautos, comprando o ovo-peste poderiam
se tornar vítimas ou vitimadores de outros com os adesivos infernais, decretou:
doravante o ovo-deboche será banido das prateleiras. Ou muda o ovo ou não
vende.
O mundo acordou
mais assustado que morador da favela em dia de tiroteio. Era caso de defesa
nacional e salvação da burra patuléia. A heroína Cidinha, abufelada por tamanha
heresia, pôs-se a discursar sobre as impropriedades dietéticas do ovo
mefistofélico. Clarice, coitada, se viva estivesse, teria uma síncope, pois
escrever sobre o ovo, da forma como fez, só uma vez na vida. O que faria com
este ovo ameaçador da paz mundial?
Cidinha,
sozinha, jamais teria acordado para o ovo infame, não fosse as temíveis redes
sociais. Ali, loucos, cismáticos, paranoicos despejam suas elucubrações,
cerceiam, fuxicam, censuram o que lhes dá na telha. Ai do infeliz que cair na
boca das redes! Era a voz do povo contra o ovo. Cidinha, política sagaz, entoou
o cântico da Páscoa ao lado dos ofendidos com o ovo. Interveio porque vários
coelhinhos, que parecem carregar os danados dos ovos pra lá e pra cá, haviam
sido chacinados como culpados, embora, miseráveis criaturas, nada tivessem com
o peixe, digo, ovo.
Ao final de
tão grave imbróglio que mexeu com o sono de líderes mundiais, quiçá,
estratosféricos intergaláticos, decidiu-se que a sugestiva e malévola frase
“sacaneie seu amigo” ou seria retirada da embalagem ou tapada. Os adesivos, as
verdadeiras setas assassinas, permaneceriam na barriga dos ovos, posto que
arrancá-los de lá levaria a uma mortandade mais sanguinária de ovos que de
golfinhos na baía japonesa de Taiji.
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