Morador da província de Shaanxi, na China, um pai estava cansado de pedir para que seu filho
jogasse menos videogame e fosse atrás de um trabalho. Como não obteve sucesso
na conversa, o homem decidiu contratar um “assassino virtual” para que
derrotasse sem parar o filho.
Fonte: Do G1, em São Paulo (04/01/2013)
Ping Li é um típico cidadão da
segunda geração da revolução maoísta. Vida severa e comedida, quase sem lazer,
resumida ao trabalho e sua dedicação à família. Permite-se uma aventurazinha
num dos muitos restaurantes onde pode se deliciar com um bom cachorro preparado
à moda chinesa. Verdade é que nem se dá conta do Estado que determina quase
tudo em sua vida, mas a abertura econômica anuviou esta presença ostensiva. Não
liga para a política, embora tenha a carteirinha do partido, pois é útil em
muitas coisinhas nos escaninhos da burocracia chinesa. Também ajuda a encontrar
trabalho e a provar militância de alguma maneira: confere algumas regalias.
Dentre as ambições que tinha,
cumpriu quase todas. Ter trabalho. Ter uma casa. Casar e ter um filho. O
primeiro e único – regra do partido – foi menino. Fez mandingas de todo tipo
para garanti-lo. A mulher tomou muita beberagem esquisita e... deu certo. Feng
teve crescimento normal como toda criança. Mas, diferente de seu pai, mal
percebeu que vive num país comunista até o tutano e, como qualquer jovem pós-geração
Y, seu mundo se divide entre o real e o virtual. Mais este que aquele.
Na escola, Feng sempre teve
desempenho medíocre com várias ocasiões em que, por pouco, não tomou bomba.
Ping Li, coitado, sempre desesperado com a performance raquítica do filho,
tentou puni-lo, esconder celular, computador, negociar, chalerar, pedir ajuda
aos ancestrais, enfim. Feng chegou ao final do ciclo médio aos trancos e
barrancos. Universidade ficou em segundo plano, não dava para passar no Enem
chinês. Aos cutucões do pai, era preciso arrumar trabalho. Esta parte foi
fácil, mas Feng não parava em emprego nenhum por faltas, baixo desempenho, preguiça
e até o puro e simples abandono.
A cabeça de Feng sempre esteve
nos jogos, no Baidu – o Google chinês – e no mundo das redes sociais mandarinas
onde tinha centenas de amizades e era só nesse. Mas nada de ganhar um centavo
com ele, ao contrário. Era como se o Feng físico fosse mero suporte para o Feng
virtual que, aliás, se chamava Paul Black. Havia uma clara competição entre os
dois Fengs e o feito de bytes ganhava disparado do feito de carbono.
O Feng de bytes era campeão num
jogo em primeira pessoa ao estilo do velho Doom. Em rede, não dava para ninguém:
o Paul Black matava a todos. Ping Li estava cansado destes dois filhos, um peso
duplo nas despesas da casa. Resolveu, desatinado, que um deles tinha que
morrer. Após intensa pesquisa neste submundo, sabia exatamente o que fazer. Mas
entre receber uma bala na cabeça ou prisão perpétua numa prisão chinesa – não
sei se o trabalho nas minas de carvão por lá é menos penoso – melhor um
assassinato virtual. Era preciso contratar um matador.
Feng vivia alheio a isso tudo. Em
seu mundo, estava feliz e gozava a fama de exterminador implacável, o que compensava
de longe sua falta de habilidade social e a escassez de amigos de carne e osso,
dinheiro e namorada. Assumir o Paul era como se sentia vivo. Não era o jogo
apenas, era o banho de dopamina no cérebro que causava enorme prazer. De
repente, porém, Paul passou a ser insistentemente caçado e morto. Começava a
jogar e logo aparecia um bruto qualquer que, sem a menor cerimônia, lhe
metralhava, esfaqueava, explodia, atropelava. Sua fama acabou. As amizades
escassearam e a vida que ele conhecia azedou. Jogar virou um suplício de
humilhações recorrentes com mortes vergonhosas.
Disfarçou-se de um terceiro
personagem, John Doe, e andou pesquisando. A perseguição implacável contra Paul
Black tinha motivações suspeitas. Uma namorada insatisfeita? Não, nunca tivera
namorada. Um coitado a quem matou várias vezes? Tampouco. Quem era o mafioso de
uma figa? O tratante infeliz? Uma mensagem anônima deu a pista. Ping Li. Assim,
lacônica.
Num rompante de coragem,
confrontou o pai. Ping Li levantou os ombros como quem admite a culpa, mas disse
que estava feliz porque seu filho estava de volta e Paul Black estava morto. Agora
é assumir a sua vida, filho, falou carinhoso. Então sua face se transmuta e
diz: Aviso-o, se você voltar a jogar, mato-o de novo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário