segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A dor da perda


Em Brasília, o feirante tinha o rosto crispado de uma dor intraduzível nas palavras que saíam de sua boca em sibilos e entrecortadas. Uma das mãos, levada ao rosto, tentava esconder o sofrimento e choro contido enquanto tremia levemente. Não ousava levantar os olhos, enquanto a repórter o enchia de perguntas. “Era a chance de ficar rico”, disse, finalizando a fala.
Simultaneamente, a mil quilômetros de distância, em São Paulo, um taxista reproduzia exatamente a mesma cena diante da câmera. Como um tique nervoso, mexia nas folhas de apostas como se fosse um jogo de baralho, tentando desesperadamente entender sua desdita.
Os dois casos reproduzem a mesma perda. Ambos acertaram as seis dezenas da mega sena da virada que pagou mais de 240 milhões. Contudo, por razões também muito parecidas, eles não registraram os jogos. Restava lamentar-se. O primeiro, quedou-se inconsolável. O segundo, alegou vagamente à vontade de Deus, enquanto dizia que a quantia perdida resolveria sua vida.
O sofrimento da perda é algo da condição humana tão inevitável quanto a morte, certamente sua mais pungente tradução. Um dia, cada um de nós a enfrentará. Aos sintomas visíveis e invisíveis deste processo, chama-se luto. No caso do feirante, houve um quadro sindrômico que culminou com um desmaio, fato que o levou ao hospital.
Um dos efeitos terríveis da perda é a culpa. No processo de tentar entender, o sujeito especula mil formas que ora o joga para o futuro – tateando as consequências se tal coisa não tivesse acontecido –, ora está preso ao passado – mais este – indagando possibilidades de “se” tivesse feito tal coisa, “se” fulano não tivesse aparecido e outros milhões de “ses”, perdido que está num círculo vicioso consumidor. O peso da culpa pede um bode expiatório, posto que difícil entrar em contato com tal sentimento sozinho. Em grande parte das vezes, nenhum deles é suficientemente bom para expiar a angústia opressora.
Angústia é um dos principais componentes da perda/culpa. É fruto da irremediável impotência ante um momento que passou e ao qual é impossível retornar e fazer diferente. Abre um abismo entre o fato presente, consumado, e as suas possibilidades irreconciliáveis que agora existem apenas no mundo mental daquele que sofre. A palavra, em sua origem latina, significa estreitamento, apertamento que é a sensação que se sente no peito. Produz ansiedade, tristeza profunda, amplia a consciência da perda com a consequente sensação de incapacidade e percepção de desvalor. Produz também paratimia, que é a manifestação de emoções desencontradas com a realidade.
A perda e suas manifestações, contudo, tendem a passar, por mais que o tempo psicológico, nestas situações, deem a percepção de eternidade. Pode ser um processo longo ou não. A elaboração de toda esta energia psíquica, manifesta também em várias reações corporais, precisa encontrar um veio de significação. É uma experiência limite que deixará lições, cicatrizes. Superá-la é percebê-la sem os mesmos movimentos emocionais sentidos no momento do ocorrido. Ou senti-los muito atenuados, sem angústia.
Em se tratando de dinâmica psicoemocional, existem princípios de enfrentamento, não fórmulas iguais para todos. É certo, sem dúvida, que a cura pede a visita ao fenômeno tal qual ele ocorreu, muitas vezes se necessário, até que os sentidos sejam construídos, a aceitação do que não pode ser mudado se instale.
Ao feirante e ao taxista cabe agora um processo de superação desta infeliz experiência. O gosto amargo permanecerá por longo tempo, mas passará. A vida aos poucos voltará ao seu eixo, ainda que numa forma que eles não sonharam para si.

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