domingo, 30 de dezembro de 2012

Tudo novo de novo


“Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que deu o nome de ano, foi um indivíduo genial.” A frase não é minha, é de Carlos Drummond de Andrade. Contar os dias, como continhas de quem monta um colar, não é ideia de um único indivíduo. Digamos que é uma produção coletiva de todos os povos, pois existem tantos calendários quantos povos existem. Alguns sofisticados, outros nem tanto. Uns se guiam pela lua, outros pelo sol, pelas estações. Nossa temporalidade e finitude, a percepção da passagem do tempo, portanto, das vivências do presente, passado e futuro, nos levam a organizá-lo de tal forma que dá um sentido à cotidianidade e à monotonia, sua filha legítima. Tem uma utilidade prática óbvia, tanto para os homens das cavernas, como para nós.
        Drummond de Andrade diz ainda que que o tal fatiador do tempo, “industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão”. Esta palavra esperança está intimamente ligada à passagem de um ano. É nossa principal moeda, pois com ela negociamos os planos e projetos que acreditamos: se realizarão, ainda que muitos deles sejam repetições de outras tantas passagens, logo, nunca realizados, mas agora convenientemente esquecidos, se revestem de novo mesmo fedidos a mofo.
        Neste período, lançamo-nos ávidos a “fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta. Chorar arrependido pelas besteiras consumadas e parvamente acreditar que por decreto de esperança a partir de janeiro as coisas mudarão” (Carlos Drummond de Andrade). A lista é quase infinita. De fato, é o período propício para organizar nossas incongruências, harmonizar e diminuir a distância entre um eu real e um eu projetado. O primeiro, falho, esquecido e não cumpridor das promessas. Ele é quem está no controle na maior parte do tempo, valorizando o prazer, às vezes o dever, nem que seja como mera desculpa para se escusar de não realizar o que deveria fazer.
        O segundo é aquele que se gostaria de ser. Crédulo, motivado, alegre e com a maioria das qualidades que tanto apreciamos, inclusive físicas, mas que por razões que nos escapam, estão sempre a um passo de distância. Dependendo do ângulo, na frente ou atrás. Para emulá-lo, nos esclarece Jung, usamos máscaras, personas simuladas, não necessariamente falsas, para trabalhar, se relacionar, viver, enfim. Mas sabe-se o que são, exceto quando um adoece e a máscara, apegada à face, torna o personagem algo que suplanta o ser real.
        Talvez devamos nos perguntar por que falhamos em nossas promessas de ano novo? Uma razão é o distanciamento confortável entre o momento da afirmação e o momento fático da realização. Acreditamos que por artes mágicas o prometido se realizará, quase sem nosso esforço e suor. Outra razão é porque apagamos todos os problemas ligados à realização de um projeto. Não há custo e os planos são perfeitos.
Ainda com Drummond. Ele diz que ao final de doze meses, qualquer um está cansado e pronto para entregar os pontos, afinal, digo eu, fez-se uma baita viagem arrodeando o sol. É uma estrada de 930 milhões de quilômetros. Então estamos prontos, volto a Drummond, com “outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.” Acreditar é outra razão para fazermos promessas. Tomados de uma incrível fé em nós mesmos, não há qualquer dúvida que faremos isso e aquilo tal qual foi dito. Até que se é engolfado pela vida e suas urgências inadiáveis e então, como se tem ano à vontade pela frente, procastinamos.
Com as promessas é preciso parcimônia. Elas não devem ser tratadas como descartáveis. Simples motes de roda de conversa, pois logo se tornam autoenganos e estes hábitos de como driblar e sabotar a vida.

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