O que
uma pesquisa de psicologia realizada em Praga (Rep. Theca) tem a ver com um
sequestro de uma família no interior do Paraná? Nada, seria a resposta com mais
chance de estar correta. Com razão. Dois mundos distantes e muito diferentes. O
tema da pesquisa não é exatamente novo, pois há outras muito similares. Tampouco
é incomum atitudes tresloucadas de homens sequestrarem ex-mulheres, com filhos
incluídos, como expressão de rancor e frustração por uma separação.
A
pesquisa expôs imagens de 40 homens e 40 mulheres que foram submetidas a 105
voluntários. Estes deveriam escolher quais daqueles rostos seriam mais
confiáveis. A princípio, pensou-se que os olhos castanhos seria a razão da
escolha. Descobriu-se, depois de apurar melhor, que o conjunto dos traços do
rosto era a verdadeira razão da escolha. Isso ocorreu mesmo depois de mudarem a
cor dos olhos, especialmente nos traços masculinos.
A
psicologia evolutiva costuma explicar, em correlação com o comportamento
animal, que os traços ou formatos de rosto e corpo, no caso de relacionamento,
indicam saúde, vigor, virilidade, fertilidade e, em consequência, uma prole
saudável e a perpetuação da espécie. Seriam programas automáticos de escolha,
inconcientes, portanto, instalados em nossos genes. Obviamente, estes tais
programas não dão conta de valores, integridade e caráter do escolhido(a), no
caso humano.
A
sabedoria nordestina cunhou uma frase: beleza não põe mesa. E este é um traço
que normalmente aquela programação não dá conta também, posto que é subvertida
pela cultura de cada canto, embora, hoje, em função da indústria da
moda/cosmética se tenha forjado um padrão de beleza pasteurizado, comum aqui e
no Afeganistão.
A
pesquisa fala de escolha e o sequestro também é resultado da mesma coisa. Não o
ato em si, exposto e acompanhado pela polícia e tv, mas muito antes, o que
mediou a escolha mútua do casal. Guiamo-nos pelos atributos visíveis, mas o que
dá vida longa a uma relação não tem nada a ver com isso. De fato, nossos olhos
se acostumam, a forma é frugal e logo o olhar cansado procura outra forma para
se deleitar. Queremos novidade o tempo inteiro e a lógica capitalista sabe
disso. O produto é o mesmo, muda-se a cor e um penduricalho qualquer e lá nos
vamos seduzidos pelo novo.
A forma,
na maior parte das vezes, suplanta a função, no caso dos relacionamentos, o
cuidado da vida comum e a necessária resiliência para enfrentá-la. É claro que
se pode analisar o caso do sequestro por outro ângulo. O sequestrador é um
homem perturbado, não por amar demais – o casal estava separado há três anos –
mas por outros fatos como sentimento de posse – resultado de um ciúme doentio –,
desvalor, baixíssima autoestima, etc.
Todo
mundo enfrentou em algum momento da vida a dúvida da escolha. Primeiro. Por
quais valores devo escolher? Segundo. Como saber se aquela pessoa é a certa? À
primeira pergunta existe uma solução, para a segunda não há, mas pode-se ter um
mínimo de garantia se aqueles valores do primeiro passo forem adequados. A
beleza aqui é só um pequeno acessório, infelizmente supervalorizado. Defendo os
feios? Não. Há feios maus caráteres. Apenas que se conheça a pessoa mesma. Sim,
este é um desafio para a vida inteira, bem sei. Mas as qualidades permanentes
estão lá, na maioria dos casos, bem óbvias já no início. Exceto nos sociopatas.
O amor
não pode ser estúpido. Mais da metade da humanidade não fez as escolhas de suas
vidas pelo outro. As famílias o fizeram. À parte de conluios econômicos e de
poder, a experiência e a vivência, além dos efeitos coercitivos de sociedades
com regras bem claras, produziu, sim, muitas relações boas. A voz da
experiência de alguém próximo, sua própria sensibilidade e um pouco de realismo
são ajudas muito importantes que podem minimizar o dar com os burros n’água.
Paciência.
O velho e genial Cartola
dizia em “Ciúme doentio”: “Todo mundo
dizia que Ana Maria era muito legal / Eu me apaixonei e com ela casei este foi
o meu mal / Brigas permanente um ciume doente nunca vi coisa assim / Se eu
voltar em Mangueira sei que a turma inteira vai zombar de mim.”
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