domingo, 13 de janeiro de 2013

As razões da escolha


O que uma pesquisa de psicologia realizada em Praga (Rep. Theca) tem a ver com um sequestro de uma família no interior do Paraná? Nada, seria a resposta com mais chance de estar correta. Com razão. Dois mundos distantes e muito diferentes. O tema da pesquisa não é exatamente novo, pois há outras muito similares. Tampouco é incomum atitudes tresloucadas de homens sequestrarem ex-mulheres, com filhos incluídos, como expressão de rancor e frustração por uma separação.
A pesquisa expôs imagens de 40 homens e 40 mulheres que foram submetidas a 105 voluntários. Estes deveriam escolher quais daqueles rostos seriam mais confiáveis. A princípio, pensou-se que os olhos castanhos seria a razão da escolha. Descobriu-se, depois de apurar melhor, que o conjunto dos traços do rosto era a verdadeira razão da escolha. Isso ocorreu mesmo depois de mudarem a cor dos olhos, especialmente nos traços masculinos.
A psicologia evolutiva costuma explicar, em correlação com o comportamento animal, que os traços ou formatos de rosto e corpo, no caso de relacionamento, indicam saúde, vigor, virilidade, fertilidade e, em consequência, uma prole saudável e a perpetuação da espécie. Seriam programas automáticos de escolha, inconcientes, portanto, instalados em nossos genes. Obviamente, estes tais programas não dão conta de valores, integridade e caráter do escolhido(a), no caso humano.
A sabedoria nordestina cunhou uma frase: beleza não põe mesa. E este é um traço que normalmente aquela programação não dá conta também, posto que é subvertida pela cultura de cada canto, embora, hoje, em função da indústria da moda/cosmética se tenha forjado um padrão de beleza pasteurizado, comum aqui e no Afeganistão.
A pesquisa fala de escolha e o sequestro também é resultado da mesma coisa. Não o ato em si, exposto e acompanhado pela polícia e tv, mas muito antes, o que mediou a escolha mútua do casal. Guiamo-nos pelos atributos visíveis, mas o que dá vida longa a uma relação não tem nada a ver com isso. De fato, nossos olhos se acostumam, a forma é frugal e logo o olhar cansado procura outra forma para se deleitar. Queremos novidade o tempo inteiro e a lógica capitalista sabe disso. O produto é o mesmo, muda-se a cor e um penduricalho qualquer e lá nos vamos seduzidos pelo novo.
A forma, na maior parte das vezes, suplanta a função, no caso dos relacionamentos, o cuidado da vida comum e a necessária resiliência para enfrentá-la. É claro que se pode analisar o caso do sequestro por outro ângulo. O sequestrador é um homem perturbado, não por amar demais – o casal estava separado há três anos – mas por outros fatos como sentimento de posse – resultado de um ciúme doentio –, desvalor, baixíssima autoestima, etc.
Todo mundo enfrentou em algum momento da vida a dúvida da escolha. Primeiro. Por quais valores devo escolher? Segundo. Como saber se aquela pessoa é a certa? À primeira pergunta existe uma solução, para a segunda não há, mas pode-se ter um mínimo de garantia se aqueles valores do primeiro passo forem adequados. A beleza aqui é só um pequeno acessório, infelizmente supervalorizado. Defendo os feios? Não. Há feios maus caráteres. Apenas que se conheça a pessoa mesma. Sim, este é um desafio para a vida inteira, bem sei. Mas as qualidades permanentes estão lá, na maioria dos casos, bem óbvias já no início. Exceto nos sociopatas.
O amor não pode ser estúpido. Mais da metade da humanidade não fez as escolhas de suas vidas pelo outro. As famílias o fizeram. À parte de conluios econômicos e de poder, a experiência e a vivência, além dos efeitos coercitivos de sociedades com regras bem claras, produziu, sim, muitas relações boas. A voz da experiência de alguém próximo, sua própria sensibilidade e um pouco de realismo são ajudas muito importantes que podem minimizar o dar com os burros n’água. Paciência.
O velho e genial Cartola dizia em “Ciúme doentio”: “Todo mundo dizia que Ana Maria era muito legal / Eu me apaixonei e com ela casei este foi o meu mal / Brigas permanente um ciume doente nunca vi coisa assim / Se eu voltar em Mangueira sei que a turma inteira vai zombar de mim.”

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