Exceção ao diretor Ang Lee, que
tem entre sucessos “O Tigre e o Dragão” e “O Segredo de Brokeback Mountain”,
você não terá qualquer dos atores consagrados de Hollywood neste filme. Nem por
isso as interpretações são menos convincentes. A marca registrada deste diretor,
as imagens belíssimas, oníricas, uma fusão da boa utilização da computação
gráfica com cenas reais de grande beleza, estão presentes.
O mote que convida a assistir ao
filme é frágil. A frase diz: acredite no extraordinário. Ao contrário. A obra
até pode explorar a fantasia e o faz com maestria, mas nem de longe se refere a
algo mítico ou imaginosamente impossível. Fala da realidade de cada um de nós e
de como nos expressamos para o transcendente.
Talvez seguindo seu ecletismo nos
temas de cada filme que faz, Lee nos leva a uma incrível aventura em forma de
parábola sobre uma questão fundamental para todas as pessoas, crentes ou não. O
filme tem como tema principal a fé em Deus. Abstraindo uma possível tentativa do
diretor de dizer que Deus é igual, independente da religião, ou que é possível,
afinal, uni-las todas ao redor do que, supostamente, partilham os mesmos ideais,
a discussão proposta é estimulante, inteligente e de extremo bom gosto.
Cristianismo, Islamismo,
Hinduísmo, Budismo e Judaísmo aparecem representando as grandes manifestações
religiosas do mundo. Nenhuma é colocada superior à outra. Cada qual é vista com
respeito e tolerância na figura do personagem principal, o ainda garoto Pi
Patel. Pi é hindu e hinduísta de nascimento. Aos 12 anos conhece o cristianismo
e se fascina com a figura de Cristo. Logo a seguir, diz ele, Deus se apresenta
novamente, agora na forma de Alá. Adulto, se torna professor de Cabala na universidade.
Ele decide seguir as três religiões ao mesmo tempo. Seu pai, um provável
agnóstico, defende que é impossível seguir três religiões e que pode acabar sem
seguir nenhuma. Defende que ele busque na razão os fundamentos da verdade. A
razão da descrença do pai é que num leito, com pólio e ainda criança, pediu a cura
a Deus e este não o atendeu. Ele foi curado pela medicina ocidental, afirma o
personagem, embora tenha ficado a sequela na perna adoecida.
Concordo com Lee com o fato de
que Deus não necessita explicação para a sua existência. Se tomamos a
perspectiva judaico-cristã, ele diz de si que ele é aquele que é. Sem começo ou
fim. Autoexistente. Eterno. Embora, ainda pela visão cristã, Jesus seja a forma
de nós nos relacionarmos e conhecê-lo. Assim diz o padre com quem Pi conversa
na igrejinha encravada nas montanhas plantas de chá.
Lee defende pelo personagem Pi Patel
que no final das contas, a versão da aventura não importa. Duas histórias são
contadas por Pi em sua desventura, escolha a que melhor lhe agrada. A razão por
que o navio afundou talvez nunca tenha uma explicação – e nenhuma da histórias de
Pi explicam –, importam as vidas que nele estavam e foram perdidas, o drama pessoal
do personagem, ou o que ele, como único sobrevivente fez com a sua vida. Ele se
revoltará contra Deus que lhe inflingiu tanto mal com o naufrágio, ele o
encontrará e entenderá?
O navio metaforiza Deus e o mundo. Somos todos
viajantes nele. Em meio às borrascas do mar, sempre há várias possibilidades: chegar
ao destino, morrer na tentativa ou sobreviver ao fundamento do navio. A vida é
uma aventura incrível. Não sabemos o que nos espera, mesmo que racionalmente
tomemos decisões abalizadas e bem planejadas e façamos ainda com a melhor das
intenções. Nós simplesmente não temos controle. Deus tem.
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