Após ser detida na
semana passada ao tentar invadir o Palácio do Planalto, Edmeire Celestino da
Silva, 29, foi abordada novamente nesta terça-feira ao se aproximar do Palácio
da Alvorada, residência oficial da Presidência.
Fonte: Folha de São Paulo (18/09/2012)
Chamaram-na de louca. Trataram-na como
uma no pior sentido possível do termo. A imagem nos jornais não ajudava, é
certo. Na cara, um esgar enviesado, olhos esbugalhados. Pudera. Jogada ao chão,
algemada e imobilizada por um joelho com coturno. Os seguranças, trogloditas,
monstros pré-históricos, dinossauros sanguinolentos sem respeito e sem
sentimento a subjugaram. E que crime cometera? Amara tresloucadamente. Quem
nunca enlouqueceu de amor? Pensava ela, como que a se consolar. Era vítima do
amor, isto sim. Ele não escolhe cara nem condição. Acontece, assim, sem mais.
A presidente não sabia de suas dignas e
pudicas intenções, se soubesse, corresponderia. Se tão somente deixassem que
ela se declarasse. Ela era delicada, sensível, reagiria positivamente à sua
declaração e, quem sabe, aceitaria sua proposta de casamento. Ela seria um bom
marido. Ouviria suas queixas e pesares, faria cafuné em sua cabeça, coçaria seu
dedão, traria flores todas as manhãs colhidas ali mesmo, nos arredores do Torto.
Seria seu protetor e guardião das hienas da base aliada.
A subida pela rampa fora impedida pelos
captores de sua Dulcineia confinada presa naquela torre de mármore sujo.
Enxotada como um cão sem dono, não havia mais nada a fazer por momento. Montou sua
Rocinante, uma motoca de cinquenta cilindradas que despejava fumaça engolfando
a Esplanada com todos os poderes. Tentou empinar o animal, cantar pneu, para
mostrar coragem e fidalguia, mas todo o esforço só produziu mais fumaça
fedorenta a engasgar as pobres emas que pasciam na frente do palácio-prisão.
Refugiou-se em Samambaia. Precisava de
ajuda. Onde estaria seu Sancho Pança? Lembrou que precisava se declarar. Sancho
saberia como fazer. Poderia ser com alguma coisa do Vinícius. Ele poetizou
sobre um amor louco. Ouvira alguém dizer. Onde ele andaria? Colocou uma notícia
na rádio do bairro. “Atenção, senhoras e senhores ouvintes! Busca-se
desesperadamente pelo Vinícius, vulgo poetinha. Quem souber de seu paradeiro e
der informação segura, será recompensado com cinquenta reais.”
Por dias o anúncio ecoou. Uma
professora, curiosa, quis saber quem queria saber do Vinícius. Da rádio, uma
voz pastosa e cansada perguntou se ela sabia onde o Vinícius andava. Vocês já
acharam o Vinícius? Indagou a professora. Onde foi a sessão espírita? Não
sabemos dele, nem quem seja. Deve estar fora do país. Vinícius morreu! Disse a
professora laconicamente. Silêncio. Alô! Era a própria Edimeire na linha, ainda
estupefata pela notícia. Eu queria a ajuda dele para me declarar. Dizem que ele
entendia desses amores loucos. A professora, consternada, prontificou-se a
ajudar.
Diga ao seu amor assim: “Maior amor nem
mais estranho existe / Que o meu, que não sossega a coisa amada / E quando a
sente alegre, fica triste / E se a vê descontente, dá risada.” É tiro e queda.
Mas se ela resistir: “Louco amor meu, que quando toca, fere / E quando fere
vibra, mas prefere / Ferir a fenecer - e vive a esmo.” E o golpe de
misericórdia. “Fiel à sua lei de cada instante / Desassombrado, doido, delirante
/ Numa paixão de tudo e de si mesmo.”
Edimeire não cabia em si. Era um
cavaleiro de Triste Figura, um lunático em missão libertadora. Voltaria ao
Palácio, gritaria sua devoção àquela que lhe conquistara todos os sentidos e
vida. A dulcíssima Dulcineia haveria de se comover e como não? Ela cantaria sua
formosura, pois assim seus olhos a viam, ainda que andasse como um soldado e
tivesse perfil de um tanque de guerra. Ela enfrentaria todos os Dragões da
Independência como um super São Jorge com seu fiel alazão. Haveria ainda que
lidar com uma guarda secreta de petistas chamada de guerreiros impolutos. Mas nada
a deteria.
Edimeire acordou no dia que decidira libertar sua
adorada senhora, soberana de seu coração encardido por tantos amores pequenos
que tivera, mas agora estava liberta. Montou em Rocinante. Ao seu lado, Sancho,
em espírito, lhe fazia mesuras com um copo de uísque 18 anos, seu cachorro
engarrafado, enquanto cantarolava: “olha que coisa mais linda, mais cheia de
graça...”
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