sábado, 29 de setembro de 2012

O coma da juventude


Uma mulher que perdeu a memória após o rompimento de um aneurisma cerebral está reaprendendo a amar seus filhos e marido. Sarah Thomson, de Exeter, no Reino Unido, teve um coágulo de sangue no cérebro, que estourou em novembro do ano passado e a fez passar dez dias em coma em um hospital. Ao acordar, ela, que tem 32 anos, estava convencida de que ainda era uma adolescente de 19 e estava em 1998!
Segundo informações do “Daily Mail”, o coma eliminou 14 anos da vida da mulher, que não fazia ideia de já ter se casado com Chris, de 34 anos, e ter três filhos: Michael, 14, Daniel, 5, e Amy, 4 anos. 

Fonte: Site Virgula UOL (26/09/2012)      

        Confesse. Quantas vezes você quis estar no lugar desta mulher? Sim, tem um aneurisma no caminho. Mas, fazer as sobrancelhas tem um custo de dor. Retirar aqueles pelinhos incômodos no buço ou noutros lugares menos mostráveis e visíveis tem seu preço em repuxões e ardores, que queimam como se fossem ferro em brasa. E compensa, ou não? Nem se fale nos pós-operatórios de lipos e toda sorte de embelezamentos que custam os olhos da cara e dias e dias no estaleiro.
        Agora, imagine se o AVC da inglesa virasse uma “terapia” tão segura como os emagrecedores milagrosos vendidos pela internete e em canais pagos? Simples, minha senhora, a gente provoca um pequeno derrame no local onde a senhora armazena as memórias e voilá, benefícios incalculáveis que só um bom esquecimento pode trazer. Lembra aquele namorado bonitão, mas galinha, que lhe traiu vezes incontáveis e por quem você era arriada de morte? Bem, a senhora não lembra mais. Nem da raiva.
        A inglesa viraria garota propaganda. Seria uma versão radical daquela mocinha do comercial dos anos setenta do xampu Colorama. Ela, em destaque entre outras, perguntava: “Ei, ei, você se lembra da minha voz? Continua a mesma. Mas os meus cabelos...” A inglesa diria que nem mesmo se lembrava mais quem era, mas tinha certeza, estava em 1998. Fechando o quadro, o dono do negócio diria: podemos apagar quantos anos a senhora quiser. A senhora escolhe o período que quer apagar. Entregue suas más lembranças para nós, sabemos o que fazer com elas.  Como bom vendedor e em particular, advertiria que o que tivesse de bom naquele período também seria deletado.
        Se alguém perguntasse por um backup das memórias, o sujeito vendedor diria que estaria desenvolvendo uma nova tecnologia de armazenagem que o cliente levaria para casa num pen drive assim de pequenininho. Caso quisesse, poderia dar uma olhada para remendar um pedaço de história que lhe fosse conveniente. Sempre haveria o risco de voltarem todas as lembranças e, por evidente, a necessidade de novo aneurisma terapêutico. Por módica quantia, por suposto. Claro, o vendedor minimizaria todo risco. Por exemplo. Ele jamais diria: há o risco da senhora entrar em coma. Ou a senhora pode se tornar um vegetal que baba. E ainda: pode ser que a senhora se esqueça de um lado ou de todo o corpo que se recusará a lhe obedecer.
        Outro efeito do aneurisma terapêutico é que sem qualquer intervenção cirúrgica adicional, a cliente vai se sentir décadas mais jovem; se resolve apagar décadas. Quer dizer, a sensação de juventude será concomitante ao período do esquecimento. Bastará se olhar no espelho e ver que ali está uma jovial garotinha, pois será assim que o cérebro a fará se enxergar.  Um truque, alguém diria, mas o que é o real? Discutiriam os filósofos e psicólogos. Certamente não seria uma ilusão. Não seria uma alucinação. Para aquela que vê seria real, concluiriam.
        Haveria sempre o problema de recuperar as relações meio que borradas de pessoas importantes  no presente, mas que, devido o tempo de deleção, teriam sido apagadas substancialmente. Daí que desconhecer o namorado ou marido e filhos, seria um pequeno efeito colateral. Mas o vendedor logo diria que haveria um suporte técnico 24 horas à disposição das clientes. Obrigado por entrar em contato com nossa central de suporte de memória. Tecle 1 para esquecimento generalizado. Tecle 2 para recuperação de dados. Tecle 3 para bugs e falsas memórias. Tecle 4 para repetir o menu. Claro, você não utilizaria o suporte se o objetivo fosse esquecer estas pessoas.
                Uma pessoa que estaria disposta a pagar por este incrível serviço, deveria ser muito antenada à moda e todas as suas últimas tendências. É preciso dizer que, acordar em finais dos anos oitenta, faria você se vestir de um jeito um tanto bizarro, ainda que os modistas vivam ressuscitando coisas velhas e chamando de novas leituras. Você poderia tirar partido disso. Vender-se como alguém autêntica e que faz seu próprio caminho, quero dizer, moda. Embora ultimamente eu tenha visto muitas mulheres em legs de ginástica com meias três quarto (ou seriam meiões de jogador?) para fora em sol de 35 graus – uma coisa medonha – e sem o colorido dos anos oitenta.

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