Todos nós estamos
familiarizados com as terminologias técnicas de algumas doenças mentais que,
nestes tempos estranhos, dão a desconfortante sensação de que cada um guarda um
mal em si, pronto para se manifestar no primeiro deslize. Talvez porque haja
uma verdadeira sanha de patologizar tudo que é apenas humano, talvez porque dar
nomes a doenças seja uma forma de dominá-las, circunscrevê-las a um campo passível de intervenção
medicalizante na maior parte das vezes.
Shame (2012),
filme que causou certo impacto entre o público cinéfilo, explora uma destas
facetas do comportamento humano, a sexualidade, porém, sem dar nome ao que
chamaríamos de compulsão sexual (ou seria um transtorno obsessivo compulsivo
com característica sexual?). O personagem vivido pelo excelente Michael Fassbender, Brandon, é um sujeito que
chegou ao topo da carreira, vive numa metrópole e tem um lado oculto na vida
que nenhum dos amigos consegue sequer imaginar.
Sem explicações de qualquer natureza, o diretor
expõe este personagem de forma crua, sem limites, num enquadre temporal onde a
única referência ao passado é sua irmã Sissy (Carey Muligan), atriz que fez
outro filme muito elogiado, Drive, que estreou também este ano. Assim como não
há passado, também não se vislumbra qualquer futuro. Não no sentido das aspirações
típicas do que se convencionou chamar, mas já é um termo velho, sociedade pequeno-burguesa
cujo sonho é ter três carros, propriedades e uma conta recheada que permita ser
um alegre consumidor de badulaques de luxo.
À medida que a história avança, Brandon - que já
vive numa roda viva de sexo com prostitutas e qualquer outra mulher disponível
- vai perdendo completamente o controle. Sites, revistas, filmes, encontros e
masturbação nos intervalos. Tudo isso começa a expô-lo perigosamente.
A chegada da irmã repentinamente agrava o frágil
equilíbrio que ele ainda mantinha, se é que se pode chamar assim. Sissy é uma
clássica loser que manipula os outros
emocionalmente com uma dependência e carência quase mórbida de qualquer um que
dela se aproxime.
Em certo momento, ele está à caça num bar. Sua
postura é completamente suicida e não está disposto a fazer qualquer concessão,
até porque todos os limites que conhecia não existem mais. Esta guinada
enlouquecida resulta numa surra com a expulsão do bar e a volta às ruas. Noutra
virada pendular, aproxima-se de uma colega de trabalho com quem ensaia toda a
clássica postura da corte, jantar, conversas e, só então, sexo. Nem precisa
dizer que esta tentativa de normalidade dá em nada. Aliás, uma leitura possível
é dizer que o personagem é o que é e nada mudará sua desgraçada existência.
Em
paralelo, a presença de sua irmã lhe tira toda a liberdade em sua casa onde ela
se instalou e de onde não tem a menor intenção de sair. Numa das conversas
entre si, os personagens reservam duras palavras de parte a parte. Eles são
miseravelmente iguais e diferentes ao mesmo tempo. Mas não há salvação para
nenhum dos dois. Estão condenados a serem fúteis, escravos das paixões,
inconsequentes e perdidos dentro de si mesmos, pois não há nestas vidas
quaisquer pontes emocionais que lhes permitam tão somente contatar outros sem
precisar trocar fluidos corporais de qualquer natureza.
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