quinta-feira, 12 de julho de 2012

Shame


Todos nós estamos familiarizados com as terminologias técnicas de algumas doenças mentais que, nestes tempos estranhos, dão a desconfortante sensação de que cada um guarda um mal em si, pronto para se manifestar no primeiro deslize. Talvez porque haja uma verdadeira sanha de patologizar tudo que é apenas humano, talvez porque dar nomes a doenças seja uma forma de dominá-las, circunscrevê-las  a um campo passível de intervenção medicalizante na maior parte das vezes.
Shame (2012), filme que causou certo impacto entre o público cinéfilo, explora uma destas facetas do comportamento humano, a sexualidade, porém, sem dar nome ao que chamaríamos de compulsão sexual (ou seria um transtorno obsessivo compulsivo com característica sexual?). O personagem vivido pelo excelente Michael Fassbender, Brandon, é um sujeito que chegou ao topo da carreira, vive numa metrópole e tem um lado oculto na vida que nenhum dos amigos consegue sequer imaginar.
Sem explicações de qualquer natureza, o diretor expõe este personagem de forma crua, sem limites, num enquadre temporal onde a única referência ao passado é sua irmã Sissy (Carey Muligan), atriz que fez outro filme muito elogiado, Drive, que estreou também este ano. Assim como não há passado, também não se vislumbra qualquer futuro. Não no sentido das aspirações típicas do que se convencionou chamar, mas já é um termo velho, sociedade pequeno-burguesa cujo sonho é ter três carros, propriedades e uma conta recheada que permita ser um alegre consumidor de badulaques de luxo.
À medida que a história avança, Brandon - que já vive numa roda viva de sexo com prostitutas e qualquer outra mulher disponível - vai perdendo completamente o controle. Sites, revistas, filmes, encontros e masturbação nos intervalos. Tudo isso começa a expô-lo perigosamente.
A chegada da irmã repentinamente agrava o frágil equilíbrio que ele ainda mantinha, se é que se pode chamar assim. Sissy é uma clássica loser que manipula os outros emocionalmente com uma dependência e carência quase mórbida de qualquer um que dela se aproxime.
Em certo momento, ele está à caça num bar. Sua postura é completamente suicida e não está disposto a fazer qualquer concessão, até porque todos os limites que conhecia não existem mais. Esta guinada enlouquecida resulta numa surra com a expulsão do bar e a volta às ruas. Noutra virada pendular, aproxima-se de uma colega de trabalho com quem ensaia toda a clássica postura da corte, jantar, conversas e, só então, sexo. Nem precisa dizer que esta tentativa de normalidade dá em nada. Aliás, uma leitura possível é dizer que o personagem é o que é e nada mudará sua desgraçada existência.
Em paralelo, a presença de sua irmã lhe tira toda a liberdade em sua casa onde ela se instalou e de onde não tem a menor intenção de sair. Numa das conversas entre si, os personagens reservam duras palavras de parte a parte. Eles são miseravelmente iguais e diferentes ao mesmo tempo. Mas não há salvação para nenhum dos dois. Estão condenados a serem fúteis, escravos das paixões, inconsequentes e perdidos dentro de si mesmos, pois não há nestas vidas quaisquer pontes emocionais que lhes permitam tão somente contatar outros sem precisar trocar fluidos corporais de qualquer natureza.

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