Já se disse que
“em tempo de guerra, a primeira vítima é a verdade” (Made in U.S.A.
- Página 169, de Boake Carter - Publicado por Dodge Publishing
Company, 1938 - 234 páginas). Na imprensa, o Projeto de DecretoLegislativo (PDC) Nº 234/2011, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO),
ganhou o vulgar apelido de “cura gay”. Apelidos, exceção àqueles carinhosos,
nascidos das boas relações dentro do seio familiar, estão sempre mais próximos
do chamado bullyng, do que do elogio e do respeito ao apelidado. Assim,
acredito que a expressão “cura gay” tem o condão explícito de agredir e
indispor quem quer que seja com a proposta, mesmo sem conhecê-la.
O
propósito do projeto pode ser questionado pelos que dele discordam, mas não mentir
descaradamente atribuindo a ele o que não diz. De fato, o PDC tão somente se
propõe a sustar a aplicação dos parágrafos 3º e seu parágrafo único e ainda o parágrafo 4º da Resolução do CFP Nº
1/99. Ambos estabelecem que o psicólogo não atuará em qualquer momento no
tratamento de alguém que se diga homossexual. Tampouco participará de qualquer
forma de manifestação que envolva esta discussão. O restante do que está
escrito no Projeto trata apenas de quem tem o poder de definir este tipo de
determinação a uma classe profissional ou cidadão e procura justificar com a
legislação disponível no país. NÃO ATACA A AUTONOMIA DO CFP. NÃO PROPÕE A CURA
DA HOMOSSEXUALIDADE.
E por que este deputado
propõe este decreto legislativo? Porque
a leitura dos artigos da resolução do CFP tem sido entendida e aplicada com um
espectro de ação tão vasto que, injustamente, tem punido e/ou ameaçado diversos
psicólogos pelo país. Tem fomentado uma compreensão equivocada do tema – ainda
que se vangloriem de sua vanguarda – e induzido profissionais à ilegalidade
quase sem direito de defesa. Aliado ao
movimento gay e a grande parte da imprensa, o CFP tem imposto uma verdadeira inquisição
aos profissionais que tem a ousadia de discordar de suas contorcionistas
posições, seja no campo do argumento ou da ciência psicológica quando tratam do
que chamam de práticas homoeróticas.
Em artigo anteriormente publicado,
discuto algumas destas artimanhas (Psicologia, Religião eHomossexualidade: um debate irresolvido). Em recente texto assinado a quatro
mãos por Humberto Verona (presidente do CFP) e Carla Angelucci (presidente do
CRP-SP), estes afirmam categoricamente que o deputado propõe a cura dos homossexuais,
o que o projeto não faz. Se se pode dizer algo em defesa da proposta
legislativa é que tenta corrigir uma injustiça e uma impropriedade cometida
por, vá lá, excesso de zelo do CFP. A resolução merece, sim, uma alteração nos
artigos aqui antes mencionados ou no mínimo uma discussão.
A dupla afirma que em nenhum
momento a Resolução do CFP contraria o atendimento a homossexuais por
psicólogos. Óbvio que não, pois não é disso que trata. O que se diz é que em
razão da homossexualidade não ser caracterizada como doença, ela não é passível
de cura e então, o psicólogo não deverá curar o que não existe, sob pena de
danos psicológicos ao indivíduo homossexual. Certo. Mas também não é este o
teor da discussão que se vê hoje. Os representades do CFP e da causa gay em
geral não querem debater um fato, este sim, fundamental. Uma coisa é tentar
demover o homossexual de sua prática, outra bem diferente é atender há
muitíssimas pessoas desconfortáveis, indecisas, sofridas com a condição ou a
tendência homossexual e que buscam na psicologia a ajuda de que necessitam. O
psicólogo deve acolher esta queixa e não há qualquer princípio, seja científico
ou de uma abordagem em particular, que sugira ou diga expressamente que é
obrigação do profissional envidar esforços para que o paciente se assuma. Quem
o afirma, mente.
O presidente do CFP e o deputado Jean Wyllys,
militante conhecido da causa gay, não admitem nem por hipótese que uma pessoa
possa viver esta condição indefinida e com ela sofrer. Mais. Eles e seus
colegas defendem com ardor que a dúvida é, por si, sinal de que a pessoa é homossexual
e a solução é sair do armário. No artigo do sr. Humberto e da sra. Carla é dito
o que eles todos pensam no que tange a esta relação psicólogoXpaciente:
Considerando
que a experiência homossexual pode causar algum sofrimento psíquico, o
psicólogo deve reconhecer que ele é decorrente, sobretudo, do preconceito e da
discriminação com aqueles cujas práticas sexuais diferem da norma estabelecida
socioculturalmente.
(Então só resta ao psicólogo)
O atendimento
psicológico, portanto, deve, em vez de propor a “cura”, explorar
possibilidades que permitam ao usuário acessar a realidade da sua orientação
sexual, a fim de refletir sobre os efeitos de sua condição e de suas escolhas,
para que possa viver sua sexualidade de maneira satisfatória e digna.
(grifo nosso)
O deputado JeanWyllys, durante a audiência que debateu o Projeto de Decreto Legislativo, já disse que este
projeto de seu colega deputado é uma aberração e que ficou constrangido com
explicação de uma psicóloga, Marisa Lobo (evangélica da igreja Batista), especialista
em sexualidade, que apoia o projeto do deputado João Campos. Ora, eu também
acho uma aberração o CFP em nome – não da causa da psicologia, nem dos
profissionais que representa – tomar partido de forma desbragada e tornar-se
uma ponta de lança de um movimento que precisa ser visto também em suas inúmeras
incoerências e que quer se impor à custa de argumentos discutíveis.
Constrange-me que em meio a isto tudo, o paciente, a principal razão de ser da
prática psicológica, esteja sendo posto de lado, enquadrado, normatizado e negado
seu sagrado direito de buscar uma direção, aquela que lhe trará a pacificação
interior, seja ela qual for.
É de se notar
ainda, que o deputado Jean Wyllys, descontente com a explicação técnica da
psicóloga Marisa Lobo a respeito de um transtorno psicológico, usa um argumento
psicossociológico para dizer o que esta e todos os demais profissionais devem
fazer: “vai ter
egodistonia (o homossexual), mas por viver numa cultura homofóbica que rechaça
e subalterniza sua homossexualidade. O certo seria colocar o ego em sintonia
com seu desejo, é sair da vergonha para o orgulho”. Eis o mantra repetido
a exaustão por esta gente. Nunca, jamais, há dúvida quanto à sexualidade de um
homossexual. Se há, a culpa é sempre da família, da sociedade homofóbica e, o
que eles mais gostam de culpar, da religião opressora, fundamentalista e
preconceituosa.
Se é para falar em direitos, a Constituição Federal abriga em seu
artigo 3 a dignidade da pessoa humana, cenário de múltiplas possibilidades que
alcançam o indivíduo nas mais diversas esferas, inclusive a sexual. O direito
não distribui etiquetas, mas aponta caminhos e soluções que devam açambarcar os
fatos que aí estão, até porque o direito não abarca a vida – esta é muito maior e mais complexa. E quem tem
o mínimo de conhecimento de legislação, sabe que a Constituição é superior a
todas as outras leis. A dignidade da pessoa humana envolve também o homossexual
insatisfeito com sua condição e que tem o direito de ser atendido para
redirecionar-se – e não ser catequizado com uma sinfonia de uma nota só.
É uma brutal
injustiça que o CFP imponha uma camisa de força aos psicólogos, exorbitando de
suas prerrogativas, quando diz que há uma única possibilidade de cuidado para
pessoas com determinada característica. Atropela uma norma basilar no
atendimento psicólogico, a de que nós não determinamos o que é melhor ao paciente,
nós caminhamos com ele, ao seu lado. Permito-me lembrar uma figura linda,
bíblica... Atravessamos com ele o vale da sombra da morte, sabendo que é esta
nossa função e o que decorrer daí, pelas escolhas livres do paciente, só nos
resta acatar, ainda que logo em seguida – um descaminho antes percebido por nós
foi escolhido – nos leve a outra travessia com ele. Isto é respeito à dignidade
e autonomia das pessoas.
Por fim, não sei quem primeiro envolveu o tema da
religiosidade em meio a este debate, mas certamente utilizar este argumento
para diminuir, ridicularizar e sugerir que são tacanhos aqueles que pensam
diferente da “verdade” inatacável do movimento gay e seus simpatizantes, é uma
ignomínia. Ninguém precisa defender a laicidade da psicologia, a maioria
absoluta dos psicólogos sabem disso e se portam de acordo com este parâmetro,
ainda aqueles que professam uma fé. Se alguém entende de forma equivocada e
mistura estes mundos – ainda que eu pense que não há, em absoluto,
incompatibilidade – pois que se puna, se for o caso. Menos infligir aos
psicólogos confessantes indignidadade na pratica da psicologia porque,
acometidos, quem sabe, de uma esquizoidia, perderam o fio que demarca a
fronteira entre ciência e a fé – que também, estou convicto, não há qualquer
incongruência.
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