A língua malaia, segundo reportagem do Der Spiegel, não possui uma palavra para Deus. Como a religião muçulmana é majoritária no país, os cristãos decidiram usar o nome Alá, conforme sua crença. Os muçulmanos, insuflados por imãs fanáticos, passaram a perseguir os cristãos porque, segundo eles, o nome Alá é exclusivamente seu.
Uma corte de justiça na capital (Kuala Lumpur) reconheceu que os cristãos têm direito de usar o nome Alá, mas setores do governo apoiam os fanáticos e deram declarações que funcionaram como uma espécie de carta branca para que os cristãos fossem atacados. Resultado: igrejas foram incendiadas e cristãos agredidos e alguns mortos.
Embora haja componentes políticos envolvidos, a linha de frente da briga é por causa da utilização de uma palavra, pois, dizem os fanáticos muçulmanos, seus fiéis podem ser confundidos e até cometerem a traição de se converterem ao cristianismo. O raciocínio tosco é que não sabendo a que Alá os cristãos se referem, muçulmanos simplórios podem, inadvertidamente, servi-lo.
A briga por palavras é parte de nossa capacidade de articular vocábulos desde que estas eram apenas grunhidos sem sentido. Elas são agudas como um punhal. Não à toa a Bíblia compara a palavra de Deus com uma espada, penetrante, afiada, divisora mesmo daquilo que só a morte separa: alma, corpo e espírito, medulas e juntas, pensamentos e intenções.
Somos a sociedade da imagem, mas imagem não é tudo. A formatação social tem no campo semântico a face mais visível de uma luta de classes, ou de minorias contra a maioria que supostamente é opressora e discriminatória. Mas como todos querem uma lasca de vantagem, existem centenas destas minorias. Quem não protagoniza é protagonizado por alguma ONG que lhe toma a voz e defesa.
A luta se dá quando as pessoas se apossam de palavras ou instrumentalizam dicionários particulares que, consideram, lhes definem. É uma espécie de autotutela, a libertação de dizer um mesmo quem é. Prevarica contra a verdade particular aí embutida quem é analfabeto no dialeto ou se mantém chamando as coisas como são.
Este é o caso do movimento politicamente correto que elevou as expressões corriqueiras, que nunca foram depreciativas, à categoria de párias vernaculares, porque ferem suscetibilidades. Criaram uma prisão patrulhada por olhos e cenhos franzidos ao primeiro deslize de quem quer que seja.
Talvez haja aqui a incógnita de quem veio primeiro se a galinha ou o ovo. O movimento politicamente correto criou as minorias (ou o contrário?) que vicejaram na esteira de ações sociais. Tentativas de exorcizar culpas em favor de um tipo de participação direta que subverte a democracia ocidental, ironicamente, pela liberdade que ela proporciona. Assim, comerciantes de países como EUA, Inglaterra e grande parte da Europa, não usam mais o velho e conhecido Merry Christmas no natal em suas lojas, mas um seboso e sem sal Happy Holidays. Não se quer ferir os adeptos de outras religiões.
No Brasil, a Presidência da República encampou o manual da militância gay, que pretende ser um guia de comunicação com a classe, e o colocou no site do Observatório da Igualdade de Gênero, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, e por conselhos federais, como o de Serviço Social. Atentem (ver grifo) em que lugar o governo Lula colocou o tal manual.
A primeira coisa que um tem que aprender com o manual é que a palavra homossexualismo lembra doença. A expressão agora é homossexualidade, pois se trata de uma condição. A palavra homofobia, esta não mudou nada. É definida como medo, aversão ou ódio irracional aos homossexuais. Carregam bem nas tintas do verbete que é usado e abusado para classificar qualquer atitude, para etiquetar os outros, mesmo em contextos religiosos, por exemplo, para criticar uma citação bíblica. Não satisfeitos, descrevem o que seja fobia e aí também explicam: distúrbio psiquiátrico... Num mundo destes, imagine o Chacrinha, nas tardes de sábado, cantando: Maria sapatão, sapatão...
Não tarda e teremos uma versão bíblica politicamente correta em português. A propósito, sem definir quem, o manual acusa as religiões monoteístas de terem seguidores fundamentalistas, dogmáticos e literalistas que interpretam seus escritos sagrados ao pé da letra e ao fim escorregam, reconhecem que a cultura cristã é fortemente arraigada no país.
O movimento politicamente correto é danoso à sociedade, agressivo e injusto, pois não trata os desiguais de forma desigual e os iguais de forma igual. Agride o direito de quem discorda. Rotula. Impõe padrões e falas que sejam aceitáveis. Engessa a sociedade. Exclui a espontaneidade nas relações. Arma as pessoas emocionalmente umas contra as outras. Inibe o contraditório. E, no Brasil, a minoria gay, aliada a deputados e senadores, está em plena campanha para crimiminalizar a fé cristã.
De algum modo, como os cristãos malaios, estão nos tomando as palavras. Pior, estão dizendo quais são corretas e quais não são e ai de nós, os que ousarmos ser livres naquilo que ainda nos divisa dos animais, das bestas, dos insanos: exercermos o sagrado direito de falar o que pensamos, neste fascinante mistério que é fazer-se entender e entender o outro, onde se inclui, sim, palavras que, se não devem denegrir a dignidade do outro, podem ofendê-lo. Mas se não posso nem correr o risco de ferir e ser ferido no processo de compreender e ser compreendido, como posso ter espaço para o diálogo? O caminho da tolerância inclui acatar a divergência, colocar-se e, neste movimento, aceitar aquele de quem divirjo, nunca tentar mudá-lo, nem suas palavras.
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