A recepcionista Lydia Carranza estava no trabalho quando um homem armado com uma pistola semiautomática entrou no consultório e atirou contra ela. A bala acertou o peito da vítima, mas não chegou próximo de seu coração por conta do implante.
Fonte: Do G1, em São Paulo
É curioso como os caminhos das pessoas se cruzam, para o mal e para o bem. Vá se saber que forças operam na tessitura desta grande teia de gente de todo jeito e suas vidas previsíveis na maior parte do tempo. O fato é que aquele dia tão banal seria abalado por um evento que mexeria com o bairro e a cidade.
Ceiça é uma destas cinquentonas sacudidas, cheia de energia e que a despeito de ser avó, gosta de se cuidar, como diz. Sua última incursão na área estética foi a aquisição de duas próteses mamárias, cada uma com 450 ml. Era um sonho, disse ela. Na verdade, trocou as peças antigas e menores, por umas mais avantajadas e que andam sempre à amostra num colo farto. Fora isso, já tinha dado uns repuxões aqui e ali, injetado botox, arrancado pelos a laser e outros procedimentos mais íntimos que não dizia, mas insinuava. Era quase uma garota propaganda da clínica estética onde trabalhava como recepcionista.
Com tanta produção, Ceiça havia remoçado uns dez anos pelo menos. Ela não se dizia aficionada de melhorias estéticas, fazia manutenção, pois o tempo é cruel e não perdoa as mulheres, dizia como uma verdade inabalável.
Aristófanes é um típico perdedor. Aos trinta e poucos anos, teve tempo de cevar uma enorme raiva de si e do mundo. É quase um milagre que tenha arranjando uma mulher com quem casar. Não é desconjuntado, o que explicaria uma possível fuga das mulheres, mas basta conversar com ele para perceber: é um mala suerte ambulante.
Homem de poucas falas, Aristófanes não sabe rir e tem péssimo humor. Os colegas de trabalho o apelidaram de percevejo, se mexer com ele, logo se percebe o mau cheiro. Ele nunca soube do apelido. É quase um autômato, o que é bom para sua atividade de controle de almoxarifado. Os obsessivos são perfeitos em trabalhos que pedem controle. Lá pelas tantas do casamento, sua mulher resolveu pular fora daquela canoa furada. As más línguas diziam que Aristófanes fora presenteado com algo mais do que cabelos na cabeça. Assim mesmo, à ameaça da mulher com o divórcio o fez choramingar para que não o abandonasse.
A mulher foi intransigente. Ele, que se sentia rejeitado, sofrer o abandono da mulher arrombou a represa de rancor e despeito que sentia pelo mundo. Essas coisas não se resolvem na conversa para este tipo de gente. Como quem amola uma faca cega, pacientemente ele acariciou a intenção de matar a mulher, que agora representava todas as suas frustrações, depois... bom, depois se mataria também.
Com esmero de ourives e a minúcia da montagem de um relógio, registrou horários, lugares, tudo que a mulher fazia. Dedicado a esta faina, perdeu até o emprego, pois não fazia outra coisa. Daria um tiro na traidora e fim, pensava.
Aquela tarde de segunda-feira estava aborrecida como tantas outras. Ceiça olhava para o relógio da parede contando os minutos. Se saísse dez minutos adiantada, pegaria o ônibus menos lotado. Uma última cliente aguardava distraída folheando uma revista. Do lado de fora, um vulto achegou-se ao vidro da porta de entrada duas vezes. Colocou as mãos em concha ao lado dos olhos para poder ver dentro da sala de espera. Ceiça não se importou.
Segundos depois, irrompe porta adentro o homem já com a arma em punho e tremendo. A cliente nem se deu conta. Ceiça viu, mas ficou como que em estado de suspensão. Acordou com o estampido, cujo alvo era a cliente. O homem levou arma ao ouvido e ia disparar. Seu olhar cruzou com o de Ceiça. Então o homem baixou a arma e foi em sua direção. Falou coisas incompreensíveis. Ceiça nem teve tempo de se proteger, apenas sentiu o impacto, justo em cima do peito direito. Caiu. O homem fugiu.
Ceiça estava atordoada. Não sabia se estava morta ou viva. Logo chegaram curiosos, chamaram a ambulância. A mama de silicone de Ceiça fora destruída, mas parou a bala. Ela pensou: preciso colocar umas maiores e “jaque”... aproveito e dou fim nestes pneuzinhos.
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