Quem nunca ouviu falar em Network Marketing pelo bem, deve ter ouvido pelo nome mais simplório, pirâmide, normalmente envolto em nebulosas histórias nas páginas policiais de pessoas que se dizem lesadas de alguma forma. O sonho é atrativo e velho: enriquecer fácil e rápido. A ciranda é grande e o sujeito, turbinado por palavras de ordem e o efeito manada, entra no negócio para vender produtos que, em sua área de atuação, são verdadeiros pequenos milagres embalados.
Bernicláucio é gente boa. É uma versão do Kleber Bambam, sem a sorte de ter vencido o BB Brasil. Peca por excessiva credulidade, além do que é também altamente influenciável. O traço marcante deste modo abobalhado de ser é seguir como um cativo o mundo fashion (antigamente bastava dizer moda). Falo de roupas e outros que tais. Se amanhã disserem que um homem deve usar calças boca de sino roxas e camisas vermelhas e o cabelo em rabo de cavalo, Bernicláucio é o primeiro a sair com o conjunto. Ele se orgulha de conhecer moda e está pouco se lixando para o ridículo de certas combinações.
Nestes dias estava meio capenga, coisa difícil de acontecer. E aí, Bernicláucio, tudo bem? Mais ou menos. O que é que tá pegando? Além dessa cueca nova que tá me pinicando o traseiro, falta grana, meu camarada. Que foi, está desempregado? Nada, estou como organizador de mercadorias avulsas para os clientes no supermercado, mas meu destino é grande meu camarada, ainda vou ser rico.
Bernicláucio está empacotador. Já foi gari, que ele chamava de agente de higienização urbana. Mas como sempre diz: não nasceu para o trabalho grosso, só pro fino. Ganhar na loteria diz que não, embora faça sua fezinha toda semana, mas acredita que deve ter algum negócio miraculoso que ainda vai lhe tirar dessa pendura financeira.
Há tempos anda empolgado com os Network Marketing, já esteve na Amway, Herbalife, Forever, a cada decepção renova sua fé na próxima, seja lá o produto que vendam. Cita frases de auto-ajuda por ele mesmo inventadas, além das que decora nas reuniões.
E o negócio das pirâmides que tu vive se metendo Berni, ainda não deu certo? Pirâmide não, Network Marketing. Meu camarada, vou te contar. O negócio é bom, dá certo, o diabo é que a base vai ficando cada vez mais larga e chegar num cocoruto qualquer, com um monte de gente embaixo vendendo e você só ganhando no mole, demora pra danar. O produto é o de menos, é tudo a mesma coisa. Agora, vou te dizer, a mais nova sensação é o Poor Never More. Olha, se ouve cada testemunho que é de encher o olhos d’água. Cabra chega lá puxando a cachorra, investe uns caraminguás e em pouco tempo tá de bolso cheio.
Vende o quê, Berni? Meu camarada, ainda não sei, mas não é nada destas coisas de babosa, material de limpeza, nem quer desengordar ninguém. Mas num posso falar muito porque este povo cisma quando a gente sai e eu já passei por todas. Diz que quebra a corrente. O cabra fica marcado.
Mas pra falar a verdade, num tô mais muito motivado pela venda. Gosto mesmo é das reuniões. Ô meu camarada, aquilo ali se mistura tudo quando é coisa que se pode imaginar. Se reza, se canta, se diz palavras positivas. A hora que eu mais gosto é quando o líder-ouro que nos visita sempre, grita: quem é Poor Never More? Nós todos gritamos juntos três vezes: Eu sou Poor Never More. Aquilo passa que nem eletricidade, a gente se vê importante e sente que pode tudo. Olha aí, tô até arrepiado.
Mas como é que tu vai ganhar dinheiro com isso? Basta investir, depois que somos instruídos nos segredos do negócio, vamos atrair dinheiro. Tem que limpar o atraso, o azar. O kit ensina tudo, até rezar uns mantras para abrir caminho e atrair compradores. Compradores de quê Bernicláucio? Já te disse, isso é o de menos, tem é que ter fé. Meu camarada, será que eu tô viciado na falação de riqueza que o povo diz lá?
PS 1. A ilustração é emprestada de um post que achei no Pavablog. É uma piada com o twiter, mas cabe como uma luva no texto.
PS 2. O texto foi inspirado numa cena que presenciei. Na chegada a um coquetel de inauguração de uma loja dei de cara com uma muvuca de gente de paletó num verdadeiro frenesi. Entravam e saiam do salão contíguo à loja. Confesso que fiquei intimidado, não estava à caráter. De dentro se ouvia os brados. Alguém puxava e os demais repetiam. Aliviado, percebi que não se tratava da inauguração da loja, mas de um encontro de uma dessas pirâmides. Como se trata de um negócio comercial, dificilmente, exceto como propaganda paga, os jornais dão alguma cobertura, daí que o texto introdutório é de nossa lavra mesmo.
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