Qualquer um ficaria aturdido. Aquele era só mais um dia comum de trabalho. Levou as ovelhas para o pasto como o fez ao longo de quarenta anos. O som dos balidos, o vento do deserto, um uivo distante de um chacal. Todos os sons e cores lhe eram conhecidos naquele lugar perdido.
De repente, ali bem no sopé do monte, algo extraordinário. Um brilho incomum: fogo numa sarça. Ela é apenas um novelo de planta seca que reverdece só num curto período do ano em que algumas gotas caem. É o período em que chuvas nas montanhas fazem rios surgirem do dia para noite e que desaparecem tão repentinos quanto apareceram.
Mas, passados alguns minutos, a sarça não se consome. Olha o extraordinário manifesto no ordinário e aparentemente sem vida! A sarça arde em meio a um fogo fátuo que não se extingue, nem ela, que em condições normais seria devorada em segundos em estalidos agudos produzidos pela chamas.
A experiência inaudita. Deus em pessoa se apresenta e comissiona aquele Zé Ninguém a ser um libertador. Sabe seu nome. Não é um deus qualquer, é alguém com referências: “Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó.”
Um homem que pouco se acha reage da única maneira possível: medo, desculpas e perguntas, entre elas a mais difícil de todas. Quando me perguntarem o teu nome, além da apresentação que o senhor acabou de fazer, que direi ao povo? Para Moisés, Deus precisava de um nome. Mas Deus é o inominável. Um deus com um nome é um deus banal. Os deuses egípcios todos tinham um nome, uma aparência, criada por seus adoradores.
Um Deus sem nome pede um exercício de desprendimento, uma luta com o inefável, um encontro com a limitação gigantesca que a todos nós subjuga e apequena. Não há como domar um Deus sem nome. Impossível abarcar com a mente um Deus que tem consciência de si. Ele simplesmente nos escapa a imagem. Um Deus sem nome nos obriga a uma relação em bases em que Ele fala e define as condições. Cabe-nos tão somente a descoberta, ao ritmo da sua revelação, o que requer tempo, submissão, espera.
Moisés espera a resposta. Se vai representar Deus, precisa de uma credencial que legitime sua missão. Um nome serviria para diferençar naquele mercado religioso inflacionado de deuses para tudo quanto era utilidade, metamorfizados em bichos que lhes emprestavam forma e caráter. Mas este Deus é estranho. Ele busca, procura e se oferta. Bem verdade que, segundo ele mesmo, seu movimento é em resposta aos clamores e sofrimento do povo. Outro estranhamento: ele ouve, se indigna com a injustiça.
“Não te chegues para cá; tira a sandália de teus pés, porque o lugar em que estás é terra santa.” Deus estabelece uma fronteira. Nesta jornada que ambos terão, há um espaço que cada um deve ocupar. Mas, pensa Deus, ao longo do tempo, na experiência coletiva e ainda mais individual, a fronteira deverá ser borrada.
O espaço santo e o espaço do restante da terra, da iniciativa humana, do realizar não somente a vontade divina soberana, mas acima de tudo de um constituir-se pessoa e povo é só o caminho inicial. É nesta contraluz, nesta dança de opostos, que não exclui, que Ele diz quem é e, em oposição, um começa a desconfiar quem é também. Moisés se torna quem deve ser no encontro, no deixar-se achar, mesmo em dilemas terríveis. Deus se revela e revela Moisés a ele mesmo.
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