segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Paciência oriental e mais-valia dão cana

Chinês rouba moto peça por peça. Funcionário de uma montadora chinesa, jamais teria recurso para comprar uma moto. Então, que tal escamotear uma por debaixo dos panos?


A China conseguiu algo que o capitalismo em seus poucos mais de duzentos anos até sonhou, mas não conseguiu, exceto lá no comecinho quando crianças, mulheres e homens curtiam até 16 horas diárias de trabalho em condições miseráveis de insalubridade comparáveis, hoje, só às minas chinesas, as mais perigosas do mundo. É que ele sempre vicejou em democracias e o povo neste regime é cheio de vontades com direitos e outras marmotagens. Todo mundo reclama, inclusive os comunistas. E o que conseguiram os orientais? Um comunismo capitalista que é a plenitude da mais-valia. Karl Marx deve se estrebuchar no túmulo, coitado.
O principal insumo da mais-valia, como se sabe, é um funcionário cativo, parcamente remunerado, sem direito a dar um pio, robótico, e que produza em longas jornadas de trabalho sem férias, dia santo ou feriado. Formar um sindicato ou pensar em direitos trabalhistas no caso da China, dá, no mínimo, uns bons anos em simpáticos lugares de trabalhos forçados bem para além das belas muralhas. Imagino os capatazes dizendo aos que lá feriam: e você achava que tinha uma vida dura, né não, mané?
Perdão, perco-me em divagações. Zhang era um destes milhões de chineses que vieram do campo para encher as fábricas na cidade. Perambulou por vários lugares e se estabeleceu numa fábrica de motos. Tinha orgulho de seu trabalho na linha de montagem. Cada moto que saía era, para ele, um ser ao qual dera vida. Conhecia cada peça, cada detalhe. Adorava o ronco dos motores na seção de testes.
Mas, por lástima, diferente da máxima fordiana, comprar uma moto que produzia só em uns cinquenta anos de economia radical, inclusive com exclusão de uma das refeições. No pequeno quarto em que dormia, quando não na linha de montagem, era forrado de fotos das máquinas de seus sonhos. Seu outro amor era Ling Lee, a líder de turma da qual fazia parte. Mas com ela jamais passou dos olhares compridos.
Ter uma moto virou uma obsessão. Depois de muito pensar estabeleceu um plano. Roubaria peça por peça, parafuso por parafuso. Começou sua aventura em 2003. Pergunto-me como foi para surrupiar, guidão, descarga, a carenagem (!) que, como é perceptível, são volumosos. O fato é que no início de 2009 a paciência confuciana o recompensou. A moto estava montada.
Imaginem um homem em estado de graça. Imaginaram? Zhang estava que não cabia em si. O feito causou uma verdadeira transformação psicológica. Ele era o cara. Criou até coragem para convidar Ling Lee para um passeio. Agora imaginem Ling Lee agarradinha na garupa. Zhang com seu capacete, uma velha jaqueta preta de napa... Era o céu. Saíram para seu primeiro passeio. Alguns quarteirões depois uma blitz. Zhang foi parado. Apalpou os bolsos, o guarda já impaciente e então se deu conta. Não tinha carteira. Foi em cana.


PS 1. Escapam-me os detalhes da consequência da prisão. O que sei é que Ling Lee, muito decepcionada, não quis mais saber de passeio com Zhang e aboletou-se na garupa de outro. Zhang, pela sua experiência, conseguiu emprego noutra fábrica de motos. Não duvidem de que em mais uns cinco anos ele apareça com outra moto novinha em folha.
PS 2. Flagrante de Zhang num primeiro passeio com a mãe e as irmãs, acho.

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