Falo baixo. Sussurro como se não quisesse que Ele ouvisse. Pois se respondesse, não saberia mesmo o que dizer. Se digo “Deus” penso que não o estou chamando. Mas esta é uma palavra sempre tão terrível para mim. Cavouca lembranças subterrâneas de quando íamos juntos para adorar.
Quando falo, o provoco, quero chamar sua atenção de algum modo. Faço de caso pensado. Resvalo a heresia. Tangencio o despautério de propósito. Experimento o destemor. Tenho medo de ser cínico, se já não sou. O cínico é desrespeitoso.
Deus não se deixa provocar. Talvez não tenha paciência. Silencia. Até quando? Porque não tenho modos? Desaprendi as formas de tratamento esperadas?
Estou misturado aos cambistas do templo. Troco o sagrado pelo vil. Desconstruo a solenidade pelo vulgar. Ofereço cordeiros cegos ou coxos e sequer me dou conta de que é o ato compungido e adorador que fala quem sou. Se dou animal defeituoso é porque desprezo o adorado. Barganho favores e faço promessas que nunca cumprirei. Mas eu o acompanho com o olhar quando entra.É porque me atrai. Irresistivelmente...
É num vão, entre o sagrado e profano que ainda estou inteiro, mas sendo aos poucos despedaçado pelo silêncio dele. Que não ouço porque tenho zumbidos demais nos ouvidos. Sou eu o surdo? Custa curar o surdo? Vai um pouco de cuspe aí?
O título é inspirado numa frase da poesia "Tempo" da Adélia Prado.
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