sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O caso Rosangela Justino – uma análise


Afinal, como era esperado, a psicóloga Rosangela Justino foi punida com censura pública pelo Conselho Federal de Psicologia (dia 31/07). O placar entre os membros votantes foi de nove a zero. O presidente da entidade, Humberto Verona, ainda advertiu que a punida será fiscalizada e, caso persista em sua prática, “arcará com as consequências”, uma clara ameaça de cassação do registro profissional.

O evento chamou a atenção da mídia e, claro, dos psicólogos, militância gay e seus blogs em posts raivosos. Nas salas de aula, professores e alunos discutiram o tema. E o que percebo? A maioria das pessoas não leu com o cuidado devido o que foi publicado. Em quase todos os textos e discussões que presenciei havia um espanto e, naturalmente, uma atitude hostil a Rosangela.

Percorro as reportagens nos grandes meios de comunicação e não houve uma só que tenha sido imparcial, ética e não tendenciosa. A situação chegou ao cúmulo de uma repórter da Folha se disfarçar como cliente, que supostamente desejava mudar sua orientação sexual lésbica. A reportagem foi publicada em 14 de julho. Não bastava ouvir Rosângela e questioná-la de frente, havia que armar uma farsa para deixá-la ainda em pior situação do que as que a própria se meteu.

Sim, Rosangela cometeu erros graves, em minha opinião. Fez afirmações que, para além de sua prática – como disse, de 20 anos – não autorizaria afirmar de forma cabal as razões da homossexualidade. Descuidou-se e comparou a militância gay ao nazismo. Embora os mais exaltados deste movimento tenham atitudes tão fanáticas quanto a acusam.

Rosângela concentrou-se em defender posições questionáveis enquanto o que motivou sua punição foi deixado de lado, a saber, a resolução caduca e questionável do CFP. O que está em jogo é a prática da psicologia, a relação psicólogo-consulente, o protagonismo deste consulente no que diz respeito à terapia e seu direito de escolha a respeito do que lhe causa sofrimento, e ainda o que seja cura, tratamento ou assistência psicoterápica na homossexualidade quando esta questão é colocada pelo interessado.

Rosangela foi inábil no trato com jornalistas que claramente desejavam pegá-la no contrapé. Uma das perguntas de Veja é um bom exemplo. “Há estudos que mostram que ser gay não é escolha, é uma questão constitutiva da sexualidade. A senhora acha mesmo possível mudar essa condição?” Bem, que estudos, que teóricos, de onde o jornalista sacou esta certeza? O repórter não disse e nem pretendia.

Neste assunto, há tantos estudos e razões que explicam as causas – que é sempre multifatorial – da homossexualidade quantos gays existem. Rosangela, por sua vez, fez afirmações categóricas que estão longe de ser, sozinhas, a causa da homossexualidade masculina ou feminina. Do mesmo modo, os defensores da realidade imutável gay, afirmam, como perguntou o repórter de Veja: “Esse alívio não seria maior se a senhora as ajudasse a aceitar sua condição sexual?” Esta é uma falácia aceita hoje como dogma que fere a prática ética do psicólogo e afronta ao consulente.

Não é verdade que a sexualidade humana seja preto e branco, especialmente no que toca à homossexualidade. Não fosse isso, a simples rejeição social ou familiar seria suficiente para explicar o sofrimento de quem vivencia a condição gay. Muitas pessoas não tiveram qualquer rejeição e assim mesmo sofrem. O mais honesto é considerar que cada pessoa tem uma história muito particular – fisiológica, mental, cultural e social – e que é preciso ser visto a partir desta perspectiva.

Rosangela também afirma que a homossexualidade é um distúrbio psicológico, no que exorbita daquilo que diz a ciência da psicologia. Ainda que em tempos recentes, era assim que se pensava.  Nem todos os homossexuais têm sofrimento por sua condição. Por outro lado, vivenciar uma não aceitação da sexualidade pode sim, produzir distúrbios graves. O psicólogo, entretanto, não tem a função nem de curar a homossexualidade, tampouco, como defendem muitos, fazer com que a pessoa aceite aquilo do qual não está certa. O percurso é conjunto, mas as decisões, a partir da construção de uma congruência própria, a partir de seus insights, é a pessoa do consulente que constrói.

Por fim, Rosangela deu conotação religiosa às suas ações, embora muito do que lhe atribuem não seja verdadeiro. Não que um psicólogo não possa tratar da questão da espiritualidade, porém, lhe é vedado indicar sua fé como parte de um processo terapêutico, ainda que, sim, existem vários estudos que comprovam, práticas religiosas são importantes para o processo de saúde mental e psicológica, principalmente quando isto se dá num ambiente de acolhimento, amizade e cuidado com o que sofre.

A forma messiânica como Rosangela coloca suas posições religiosas no que tange à terapia com homossexuais, denotam outra questão: a intervenção do religioso no campo psicológico como parte de um processo terapêutico. Os dois se tornam inócuos, perde o cliente que não será beneficiado e, no que toca à religião, esta é uma escolha do consulente.

O psicólogo, considero, não fere a ética se, no particular, cultiva sua espiritualidade para ter o máximo de empatia que puder com aquele que lhe busca, e lhe ser tão útil e canal de cura quanto lhe seja possível. Já aí há um milagre, pode-se dizer, ser capaz de entender o outro e lhe ser bênção. Não é pouca coisa.

OBS.: A foto da psicóloga Rosangela Justino foi copiada da internete onde consta em inúmeros sites, reportagens e blogs.

Nenhum comentário: