quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Trem da (quase) morte


A cena inicial parecerá a de um desastrado. Um sujeito desavisado e tão distraído que, naquele momento, seria capaz de engolir o garfo em vez do bife. Acontece com qualquer um, diríamos. As cenas seguintes, porém, começam a causar incômodo. As pessoas não estão alheadas, elas nitidamente desafiam a morte. Esperam o clímax do ante segundo da passagem do trem e atravessam a linha ferroviária em ostensivo desafio à máquina em desabalada carreira.

Que explicaria este comportamento. São pessoas sem nada para fazer e, no ócio, como forma de dar emoção à vida, atiram-se diante de um trem em alta velocidade para sentir aquele milissegundo que antecederia sua possível morte por esmagamento?

O que explica alguém agir desta forma? Há que se perguntar aos suicidas diletantes, mas algum tipo de teoria pode ser feita. O vazio. A carência de sentido para viver. Pensemos bem. O que dá sentido ao levantar, realizar cada dia as mesmas coisas, cuja esperança máxima não se estende a mais que horas ou, quando muito, ao próximo fim de semana em que se poderá dar vazão às energias acumuladas, mas sem propósito, das formas mais autodestrutivas imagináveis ou nem tanto?

Um sentimento niilista perpassa as emoções ocas. Este sentimento de nada e esquecimento de si, como quem não tem qualquer propósito, mas que precisa se expressar para autenticar-se. É do humano. Mas como o vácuo é o que preenche os interstícios da alma, não há no que se apegar ou construir qualquer ilusão. Falta consistência no fazer.

Qual é o lucro? No que isso lhe acrescenta de vida? Pergunta-se sem saber o que perguntar. A busca se esvai porque não há para onde ir. Uma saída é o tremor do medo. O pavor e a descarga de adrenalina e cortisol ante a aniquilação. É preciso ter a amígdala em convulsão. A vibração dos nervos em curtos circuitos a saltarem para salvar a vida que não tem valor em si, apenas a descarga elétrica importa e isso dá um sentido de estar vivo, todo o resto é miragem.

Espreitam o trem como se fosse um bicho feroz. A máquina ganha rosnados, esturros, bocarra e ferocidade, ela é viva para o que a desafia. Ali, naquele átimo, ele vence a si porque vence a fera que nele mora, representada na locomotiva. Superei a mim, ganhei da morte. Jorra-lhe o prazer do controle que é cadenciado na rapidez da (ultra)passagem da fera poderosa.

Não se considera a estupidez do ato quando sentir-se vivo é tudo que importa. Não mais por meio da elaboração das relações, dos dias modorrentos, da estética do ser nem tampouco na repetição dos atos cotidianos, é um corpo-mente dependente, funciona em pequenas explosões, viciado em emoção. A vida no tempo não escorre linear, dá-se aos pulos, entrecortada de atalhos.

Passa o vento rosnando do deslocamento de ar causado pela máquina, um milímetro atrás e ali jazeria um corpo. É este frisson do quase, da iminência, desta porção atômica de tempo que a vida se dá. Antes é o tédio mortal, depois é o mal estar e a atração irresistível de volta à vida molecular.

O link abaixo mostra as imagens

http://www.bbc.co.uk/portuguese/multimedia/2009/02/090210_trem_fp.shtml

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