segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Que?! Como assim nu? (Was?! Nackt wie gut?)


Dois turistas alemães foram indiciados sob acusação de ato obsceno após trocarem de roupa no saguão do Aeroporto Internacional de Salvador (BA). Passageiros procuraram a polícia reclamando da conduta da dupla estrangeira.

A delegada titular da Deltur (Delegacia de Proteção ao Turista), Maritta Souza, disse que um dos alemães afirmou não ter se sentido constrangido com o que fez.

O que é que está acontecendo aqui? Quem são os meliantes? O auxiliar apressou-se. Estão esperando a senhora, delegada. São alemães. E daí, meu filho? Não me diz que estes velhinhos estão traficando droga? Não senhora. Mulher. Estão traficando mulher? Também não. Então desembucha. Eles foram pegos trocando de roupa no saguão do aeroporto. Cumé que é? Os alemães olhavam com olhos arregalados aquela conversa de doidos.

Frau (senhora), tentou um deles. Fica calado aí seu velhaco, ainda tô pegando informações do teu caso. Nicht verstehen (não entendo). O que tu disse aí? Esse negócio aqui não vai dar certo. Eu vou me espalhar. Como é que eu vou enquadrar esses home sem me comunicar com eles? Tem tradutor disponível? Delegada, eu manjo um pouquinho de alemão. E por que tu não disse antes? A doutora não tinha perguntado.

A delegada estava indignada. Era dessas que guardavam resquícios de um feminismo pós-qualquer-coisa. Baixinha arretada, estava fumaçando. Logo em seu turno e em seu aeroporto! Estes gringos pensam que aqui é a casa da mãe Joana? Vociferava. Óxente, meu rei, e isso é lá maneira de se comportar? Pois fique sabendo que nesta terra tem lei. Aqui não se fica de ceroula no meio dos outros. Não no meu aeroporto. Tá pensando o quê? Traduz aí. Delegada, eu disse que sabia um pouquinho. Não sei dizer isso tudo não. Pois diz que estão presos.  Que praticaram ato obsceno em público e aqui dá cadeia. Sie stecken. Sie obszönen Akt in der Öffentlichkeit. Disse o auxiliar orgulhoso.

Os dois velhos alemães a olhavam estupefatos. Nada entendiam do porquê daquela confusão. A toda hora diziam: Nicht sprechen Portugiesisch. Wir sprechen Deutsch. (Não falamos português. Nós falamos alemão). Isso é lá língua de gente! Resmungou a delegada. Pergunta se entenderam. O auxiliar perguntou, mas os alemães queriam saber por que estavam detidos. Sie waren nackt am Flughafen (Vocês estavam nus no aeroporto), disse o auxiliar. Frau Verzeihung! Ich wusste nicht. (Senhora, desculpe, eu não sabia). Menschen hier leben fast nackt (As pessoas aqui vivem quase nuas).  Wandern ist nicht normal, nackt in Brasilien? (Não é normal andar nu no Brasil?) Ô rapaz, traduz ligeiro que eu tô perdendo a paciência. Delegada, ele pediu desculpa, disse que não sabia. Disse que o povo todo aqui vive nu. Disse também que pelo que ele vê nas praias e como o Brasil é vendido lá fora, achou que era normal fazer isso aqui. A delegada se levantou exasperada. Isso é culpa do governo, que faz cartaz do país com as mulatas de bunda de fora, dá nisso aí.

Isto são uns malandros desavergonhados. Olha a cara deles. São dois sonsos. Ficam com esta história de “não sabia”, arremedou. Como é que se diz na língua dele “eu não sabia”? Ich wusste nicht. Ixe vuste nit, repetiu a delegada. Tô arrebentando no alemão. Disseram mais. Quem? Os alemão, doutora. Ah, bom. Que na Alemanha todo mundo pensa igual. Que aqui é o lugar do desbunde. Ele disse isso tudo? Foi sim, senhora. Não disse? Acho que vou dar uma lição nestes gringos malandros. Vão dormir aqui no xadrez. Só viajam amanhã para aprender que aqui tem lei e comigo é ali, na chibata. Diz para eles. Os alemães repetiam que não entendiam. Um dizia: Ich warf sich in die Kleider Sie (eu vomitei na roupa). O outro: Meine Kleider waren nass (minha roupa estava molhada). E ainda: Wir waren spät für den Flug (Estávamos atrasados para o vôo). Nicht finden Badezimmer (não achamos o banheiro).

A delegada, zonza com aquela falação, perguntou ao auxiliar: como é que se diz: calem a boca. Halt den Mund. Fala baixo, não quero que eles percebam. É assim mesmo? É sim senhora. Halt den iMundo! E emendou. O que é isso? Ficam aí babujando com esta língua esquisita que ninguém entende. Eu entendo um pouquinho, disse o auxiliar com um risinho besta. Cala a boca tu também. Enfim, mete essa pulha no xilindró. Pergunta antes se eles sabem o que é um xilindró. Doutora, não sei dizer xilindró em alemão. Diz outra coisa. E diz que é para darem graças a deus que num tô com vontade de aplicar a lei com dureza, porque se não, se fossem condenados por ato obsceno, era detenção, de três meses a um ano, ou pagamento de multa. Eles tão é no lucro por que me pegaram numa veia boa. 

PS. Minhas desculpas aos que entendem a língua germânica. Debitem a culpa no “auxiliar” da delegada ou no tradutor do Google que, como se sabe, não é lá de muita confiança.

Ilustração: Ambiguous woman - Ronald Miller

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